Ilya Kisaradov
Traço, neste texto, uma linha utópica por onde caminha antígona com o olhar orvalhado,
confrontada com a tradição sagrada e a lei,
com o amor e o ódio.
Pronta a morrer por acreditar
na justeza do seu gesto.
Deixo-a passar, conflitual e pura,
numa tragicidade instintiva, sublime, quase mística.
Personificação de um lúcido desespero.
Deixo-a passar como uma sombra branca
onde as minhas mãos difusamente se perdem
e se encontram, para urdirem uma dualidade fraternal
e cúmplice que se consome no meu peito.
Um pretexto mítico arrasta-me para o coro trágico:
o homem nada sabe sem queimar os seus pés no fogo ardente.
Mas recuo, desarticulando da minha voz reticente todas as contendas.
Não sigo antígona. Interiorizo apenas a inquietante aflição
e a desmesura de um conflito tão tremendo, tão sacrificial.
Graça Pires
De Antígona passou por aqui, 2021. p. 57