27.5.11

Lentíssimo sonho

Manuel Fazenda Lourenço


As flores da macieira ocultam as abelhas
em seu minucioso trabalho.
Espesso é o pólen que a luz da manhã
derrama sobre a terra: lentíssimo sonho
de um pomar antigo.

Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009

20.5.11

Vou no barco de Conrad

Hiroshi Yamazaki

A indiferença das molduras fende,
em minha boca, o asfalto dos dias
e o feixe dos gritos dilatados na garganta.
Um veludo negro atado nos pulsos
lembra-me que o mar não se vê na escuridão.
Por isso vou no barco de Conrad
ao Coração das Trevas na demanda
iniciática das ilhas naufragadas.
Ouço com assombro o narrador.
E sobre o chão da página
me debruço e me procuro.
Um sulco salgado na ponta dos dedos
toca harpas de lodo em minha voz.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011

13.5.11

Em seara alheia



POR VEZES


Por vezes tudo se confunde. As minhas mãos
são sol dentro das tuas e há cintilações nos campos
do Outono onde se guardam nuvens e esmeraldas.
Por vezes tudo se transforma. O céu cansado
mergulha na película dos lagos e adormece
em sono leve rente aos limos e às memórias.
Há um rumor de passos de ninguém e um lamento
de aves sem canto nem asilo. Há um fim de tarde
suspenso nas ramagens das árvores do Verão.
Por vezes sou o Verão a suportar a casa.
Por vezes sou a casa e acolho a sombra.
Por vezes tudo se confunde e sou a sombra.
Por vezes.

Licínia Quitério 
In: Poemas do Tempo Breve, 2011

7.5.11

Maio é o teu mês, filha

Maio é o teu mês, filha.
Teu e das cerejas vermelhas.
Cresceste com o assombro
dos cravos entrelaçados no sonho.
Por isso é de fogo a sede dos teus olhos.

Graça Pires
De A incidência da luz, 2011