quarta-feira, 23 de novembro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – A RAINHA DAS ORQUÍDEAS: CATTLEYA PURPURATA

Cattleya purpurata "carnea" - Acima

Ainda nos tempos em que se chamava simplesmente Laelia purpurata (lê-se Lélia purpurata), na primeira metade do Século XX, Cattleya purpurata foi reconhecida como “ rainha das orquídeas”, evidentemente pelo inquestionável apelo de sua beleza. Nossa Lélia purpurata ganhou os mercados, diretamente de Santa Catarina, sua pátria mais afamada, para o mundo inteiro, no qual foi reconhecida e desejada, para tristeza de nossas matas litorâneas, que a viram minguar à quase completa extinção, antes de fechado aquele Século XX.

Cattleya purpurata (que ainda passou, recentemente, pelo nome de Brasilaelia purpurata, antes de ser considerada uma Cattleya) ocorria de forma abundante, desde o Rio Grande do Sul, até os limites entre Santa Catarina e Paraná, onde se interrompia sua ocorrência natural, para, de modo abrupto e ainda hoje inexplicável, reaparecer em São Paulo e, episodicamente, próximo a Paraty, no estado do Rio de Janeiro, segundo relatos fidedignos. Existem ainda suposições de sua ocorrência no Espírito Santo. Porém, em todos esses locais, representa hoje raridade botânica, em face de sua coleta desenfreada, no passado.

O mercado reconhece diversas “variedades” de Cattleya purpurata, que os iniciados chamam também, simplesmente, de “purpuratas”, passando ao largo das pendengas taxonômicas. Porém, relutamos em reconhecer genuínas variedades nessas centenas de formas, uma vez que parecem nunca ter formado populações geográficas (ver postagem - http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/10/plantas-do-jardim-fitogeografico_9.html). Ao que tudo indica, essas muitas lindas formas, que não cessam de aparecer, ainda hoje, surgiram em cultivo e pós-coleta, podendo quando muito ser caracterizadas como “variedades hortícolas” e não realmente subespécies naturais.

Cattleya purpurata "Rio do Sul"


Acima e Abaixo - População natural de Cattleya purpurata, numa figueira, no litoral do Rio Grande do Sul


Fato é que são plantas relativamente fáceis de cultivar, trazendo muita alegria aos orquidófilos, pelos resultados fascinantes, traduzidos em florescimentos impactantes, embora não duradouros, o que talvez lhes tenha roubado espaço, nos mercados. Nesta época do ano – meio da primavera – Cattleya purpurata realmente explode em flores e alegra os cultivos. Responde bem às adubações e tolera amplos gradientes de luz, embora aprecie copiosas regas, no início da estação.


Na coleção do JARDIM FITOGEOGRÁFICOCattleya purpurata habita a estufa, principalmente, ambientando-se também, de forma gloriosa, nos galhos de algumas árvores da floresta recuperada.

Abaixo - Plantas de Cattleya purpurata, nas árvores da floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO




Acima - ilustração de Cattleya purpurata de Orlando Graeff

Acima - variedade hortícola de Cattleya purpurata, cultiva na estufa do Jardim Fitogeográfico, exibindo trinta e duas flores, na estação de 2016



quarta-feira, 26 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – BROMÉLIA AECHMEA RAMOSA

Aechmea ramosa variedade festiva

Aechmea ramosa é uma bromélia bastante comum, no Sudeste e parte do Nordeste, habitando a faixa de transição entre o clima litorâneo e as vertentes continentais da Cadeia Marítima. Parece se beneficiar das condições ecológicas que prevalecem neste encontro entre a contínua disponibilidade de umidade atmosférica e a estacionalidade climática do Brasil Central, que lhe propicia longo período seco, no meio do ano.

As plantas típicas são portentosas, podendo alcançar cerca de um metro de diâmetro, com rosetas foliares amplas e guarnecidas de densos espinhos. Instalam-se em meio às copas de grandes árvores típicas da floresta estacional semidecidual, tais como ipês, louros e outras espécies dotadas de cascas espessas e rugosas. Nestes ambientes arejados e bem expostos, emitem longas inflorescências ramificadas, com tonalidade vermelho-amarelada, ostentando incontáveis flores, que depois se transformam em palatáveis frutinhos mucilaginosos, que as aves devoram avidamente, promovendo assim sua larga dispersão.

Frestas de paredões rochosos também servem bem à instalação dessas bromélias, que podem ser vistas, com frequência, nos cortes laterais de rodovias movimentadas, como a BR040 (Rio-Juiz de Fora). É uma planta bastante útil aos amantes de aves, podendo ser cultivada, nos arboretos urbanos e jardins, para onde atrairá diversos pássaros silvestres.


Existe uma variedade descrita e mais comumente cultivada – Aechmea ramosa variedade festiva – que é natural do Espírito Santo e se trata daquela mais conhecida e cultivada, nos jardins, por seu menor porte, por sua tonalidade vinácea das folhas e pelo profuso e contínuo florescimento. Adapta-se bem a diversos gradientes de luz, embora sinta muito o sol direto, na Região Serrana, onde está situado o JARDIM FITOGEOGRÁFICO, no qual se encontra presente, desde os ambientes de rock-gardens (jardins entre pedras), até o epifítico.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

A FLORESTA RECUPERADA DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO


Bromélia ambientada na floresta do JARDIM FITOGEOGRÁFICO

Numa das primeiras postagens desta série sobre as plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, falamos ligeiramente sobre o projeto da FLORESTA RECUPERADA (http://orlandograeff.blogspot.com.br/2016/09/quesnelia-arvensis-bromelia-da-floresta.html ), contando que, em 2007, quando começamos a ocupara o terreno, pouco mais ali havia que restos de uma pastagem abandonada, na qual cresciam, aqui e ali, algumas arvoretas espontâneas. Apenas uma grande árvore, vestígio da mata nativa que ali deve ter um dia existido, podia ser observada no local: uma frondosa bicuíba (Virola bicuhyba – família Myristicaceae), bastante danificada, que servia de esconderijo às abelhas e prometia despencar, em pouco tempo.

A partir de 2008, efetuamos um trabalho intenso de recuperação da floresta, pondo em prática tudo o que havíamos aprendido, em muitos anos de reflorestamentos e recuperações de áreas degradadas, na Região Serrana Fluminense e Serra do Mar. O plantio de espécies nativas, acompanhado de rigorosa fertilização e correção do solo, reintroduziu espécies pioneiras, que cuidaram rapidamente de fechar o dossel da mata, restabelecendo condições adequadas, similares às das florestas nativas da região.

O trabalho com as árvores ainda segue seu curso e deverá durar muitos anos, enquanto se identificam espaços ecológicos apropriados às árvores mais nobres, que possuem crescimento mais lento e são muito mais exigentes que as pioneiras, em termos de adaptação. Algumas dessas espécies nobres, que chamamos de “definitivas”, em nossos projetos de recuperação de áreas degradadas (PRADs), dos anos 1990/2000, não conseguem ressurgir na natureza, enquanto não se fecha o coberto florestal, do qual dependem quando jovens, antes que venham a aflorar e ocupar o estrato dominante.
Outras tantas espécies nativas são estritamente adaptadas ao ambiente de sob as copas das árvores maiores, sendo-lhes impossível ressurgir sozinhas, sem que a mata esteja fechada, acima. Essas arvoretas, muitas delas palmeiras delicadas, são chamadas esciófilas, termo que significa a mesma coisa que umbrófilas, ou seja, que gostam da sombra.

O pouco que falamos acima,  por si só, explica o termo que adotamos, para caracterizar nosso projeto, no qual abrigamos nossa coleção botânica – JARDIM FITOGEOGRÁFICO. A FITOGEOGRAFIA, ramo da ciência botânica que abraçamos e que nos levou a editar o livro FITOGEOGRAFIA DO BRASIL – UMA ATUALIZAÇÃO DE BASES E CONCEITOS (NAU Editora, 2015 – ver postagem http://expedicaofitogeografica2012.blogspot.com.br/2015/10/o-livro-fitogeografia-do-brasil-uma.html ), trata das vegetações e de sua distribuição geográfica. As observações das plantas, como afirmava Carlos Toledo Rizzini, um dos maiores nomes desta ciência, são imprescindíveis ao fitogeógrafo. Mas, em nosso caso, resolvemos transcender a mera observação individual das plantas e nos atirar de cheio na ecologia delas, o que não deixa de ir ao encontro dos postulados metodológicos de Rizzini.

Assim, trabalhar com o projeto do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, não apenas na floresta recuperada, mas igualmente nos jardins de campos e restingas, situados na parte mais ensolarada da coleção, ajudou e ainda ajuda bastante a conhecer os processos envolvidos na associação entre plantas, para formar vegetações. Evidentemente, a tônica deste projeto são as plantas epífitas (que vegetam agarradas às árvores), assim como outras espécies que dependem do ambiente formado pelas vegetações tropicais para crescer. São principalmente: orquídeas, bromélias, filodendros, antúrios e outras joias que deliciam os horticultores.

Centenas de espécies dessas plantas, provenientes das mais diversas partes do Brasil, nativas de florestas as mais variadas, ocupam os ambientes proporcionados pelas árvores da floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO. Se considerarmos o número de exemplares, então, essas plantinhas se contam aos milhares, neste parque criado por nós. Mais de 300m de caminhos foram projetados e executados, em meio a esta floresta, proporcionando acesso fácil a cada ambiente.

O status absolutamente degradado que encontramos, tanto quanto a distância considerável de nossa floresta para os fragmentos de matas nativas existentes ao redor, autorizou-nos a trabalhar com mais liberdade, no tocante à manutenção de espécies estranhas à flora local. Não haveria qualquer perigo de invasões ao ecossistema nativo, coisa que, aliás, teremos chances de comentar, em novas postagens, mostrando ser praticamente impossível que algo assim ocorra, em florestas tropicais bem conservadas, dado não contarem com a mesma capacidade da flora autóctone para competir pelos recursos, polinizadores, dispersores e condições microclimáticas. Além do macroclima, em si, que é soberano na potencialização dessas supostas invasões.


Resumindo: a FLORESTA RECUPERADA é um jardim. Um jardim silvestre, é fato, mas ainda assim representa um experimento intensamente manejado por nós, que mantemos o controle das condições horticulturais que permitem a inúmeras dessas plantas sobreviver em nossa região. Então, se falamos de um jardim, nada mais convidativo que visitá-lo, nas imagens a seguir, produzidas HOJE, aqui na floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO. Bom passeio.





















quarta-feira, 12 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – CAMBOATÁ: SUSTENTO DA FAUNA




Periquito-maracanã (Ara maracana) – devorando os frutos do camboatá

No início dos anos 1990, quando realizava minhas primeiras consultorias em meio ambiente, em Petrópolis, não havia Google Earth, mapas digitais, nada disso. Trabalhávamos, invariavelmente, com velhas cartas geográficas 1:50000 do IBGE, que eram objetos de desejo de todos, sendo vendidas numa lojinha da rua Senador Dantas, no Rio; ou conseguíamos imensas cartas 1:10000 da FUNDREM – Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que uns emprestavam para os outros, através de arcaicas “cópias a metro”, obtidas na extinta e memorável Multicópias, na Praça D. Pedro, em Petrópolis.

Bons tempos, tempos de muita emoção: trabalhar com meio ambiente era tarefa investigativa das mais duras, que exigiam extrema capacidade de observação e atenção. Tudo bem, não podemos reclamar dos imensos avanços, desde então. Hoje, tudo se resolve a um toque no computador, com modernos sistemas de geoprocessamento, ou até mesmo através do voo de um drone, aqueles mini-helicópteros, com câmeras espetaculares, que substituíram enormes aviões, pesados com a carga de câmeras analógicas, cujos rolos de filme tinham que ser revelados e interpretados, em trabalhos de aerofotogrametria caríssima e que, no final, nada mais eram que arquivos analógicos. Mas, naqueles venturosos tempos, tínhamos surpresas quase poéticas, ao lidar com aquelas cartas geográficas.

Uma dessas belas experiências, da qual jamais esquecerei, foi meu primeiro contato mais objetivo com uma árvore que viria a saber se tratar de um dos mais importantes sustentáculos da fauna da Floresta Atlântica – o camboatá (Cupania vernalis), da família Sapindaceae, a mesma do guaraná, com o qual, aliás, seus frutinhos se parecem muito. Eu fazia um levantamento a respeito de uma área, em Pedro do Rio, distrito de Petrópolis, onde se desejava implantar um condomínio. Minha tarefa era de elaborar um zoneamento ambiental, que determinasse as melhores maneiras de se desenhar a mancha urbanística, para causar os menores impactos ao meio.

Minha interpretação, é claro, se baseava numa então recente carta da Prefeitura de Petrópolis, em escala 1:10000, que trazia importantes detalhes geográficos daquela localidade. A propriedade, ficava situada numa suposta Serra das Cambotas, disjunção da Serra da Maria Comprida, que acompanha o traçado da Rodovia BR040. Aquilo me intrigava: de onde diabos advinha aquele nome tão singular – Serra das Cambotas? Cambotas são cambalhotas! Teriam despencado de seus aclives outros consultores, ou mateiros?

O espírito investigativo despertava em mim a curiosidade de saber a origem do nome daquelas montanhas. Consegui, então, uma antiga folha da FUNDREM, na qual constava a toponímia original, que certamente havia sido descuidadamente copiada pelos cartógrafos, que elaboraram a carta da Prefeitura: SERRA DOS CAMBOATÁS.

Examinando a Serra dos Camboatás, não tive dificuldades para entender de onde vinha a referência dos mapas: os camboatás (Cupania vernalis) eram extremamente numerosos, dominavam grande parte das matas regenerativas, que ainda existiam na propriedade. Claro que essa árvore ficou estampada em minha memória e se tornou objeto de minha imediata atenção, em todas as partes que eu fazia meus muitos trabalhos.

Na floresta recuperada do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, o camboatá é espontâneo, como seria de imaginar. Quando começamos a recuperação da floresta, em 2008, já havia um pé jovem dessa árvore, muito próximo de nossa casa. Hoje, cerca de oito anos depois, transformou-se numa planta relativamente frondosa, que floresce no final do inverno e frutifica exatamente agora, no início da primavera, quando a maioria das aves estão nidificando e procriando. Desnecessário falar muito sobre a grande diversão que é acompanhar, de nossa janela, a festa das aves, quando chegam para o banquete.

A evidente palatabilidade e a suposta fonte de energia que representam os frutos do camboatá confirmam a suprema importância ecológica desta árvore que, como eu mesmo afirmava, nos textos de meus diversos projetos de reflorestamento, das Décadas de 1990 e 2000, “não podem faltar, nas listas de espécies a serem sugeridas, nos projetos de recuperação de áreas degradadas”.



O jacu (Penelope obscura bronzina) chega a dormir nos galhos do camboatá, para amanhecer em meio ao atraente farnel

Até os esquilos ou caxinguelês (Sciuris ingrami) visitam o camboatá, para variar sua dieta usual de coquinhos e frutos verdes


domingo, 9 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – BROMÉLIA NIDULARIUM FERDINANDO-COBURGII

Nidularium ferdinando-coburgii na natureza

É muito comum, na comunidade de amantes da Botânica, não pertencentes à Academia (universidades e instituições de pesquisa), a circulação de nomes de plantas em que, ao nome binomial, apõem um terceiro nome, dito como VARIEDADE. Na grande maioria das vezes, a tal “variedade” nada mais representa que uma FORMA da planta, um clone da espécie cultivada, que apresentou características interessantes e, por isso, foi propagada vegetativamente, à exaustão, para suprir o mercado. Assim, na Botânica, essas plantas devem ser chamadas de FORMA, como dito acima.

As verdadeiras VARIEDADES são populações de plantas de determinadas espécies, que subsistem na natureza, usualmente ocupando microrregiões geográficas distintas da forma típica. Sim, elas um dia saíram daquela dita FORMA TÍPICA da planta, devido a mutações ou seleções ocasionais, que geraram indivíduos adaptados a certas mudanças ou particularidades do meio, logrando se perpetuarem e ocuparem território próprio. Existem teses que aventam a hipótese de que certas variedades de plantas terem sido, num passado remoto, a própria planta TIPO e que aquilo que encontramos hoje, em maior número e mais numerosamente representado, ser a VARIEDADE, que prosperou e colonizou as maiores áreas de ocorrência.

Isso não é nada provável, tão somente por questões estatísticas, que reputam muito mais provável que a variedade típica, mais numerosa e bem distribuída, obrigatoriamente assimilaria velhas populações menos importantes. De todo modo, como não é nosso blog um compêndio de genética evolutiva, servimo-nos de nossas primeiras linhas apenas para esclarecer bem o que é realmente uma VARIEDADE e o que representa uma FORMA.

Em Petrópolis, tanto quanto em grande espaço territorial da floresta atlântica de altitude, no Brasil Sudeste, ocorre uma bromélia que se torna característica dessa faixa ecológica – Nidularium ferdinando-coburgii. Nas florestas da região, especialmente nos vales mais abrigados, acima dos 1.000m de altitude, geralmente nas proximidades de cursos d’água murmurantes, essa bromélia assume importância capital, surgindo como espécie mais numerosa.

Roseta e flores de Nidularium ferdinando-coburgii

Ela vegeta principalmente no terço inferior dos troncos e galhos das árvores e sobre o solo, por cima de matacões de pedra, ou meramente na manta de folhas secas que cobre o chão úmido das matas de altitude. Na primavera, principalmente, deixa surgir uma coroa de folhas róseo-avermelhadas, no centro da roseta (coisa comum às bromélias deste gênero), entre as quais emergem flores arroxeadas, com pétalas fechadas e margeadas por linhas delicadamente alvas (ver fotos). Essas coroas vistosas servem para atrair aves e insetos, mas também para chamar atenção dos amantes de plantas, que a reconhecem de pronto, em meio ao caos da floresta densa.

Nidualrium ferdinando-coburgii apresenta variações clonais, que a fazem parecer, às vezes, plantas distintas. Também é comum, em vista da famosa plasticidade de formas desta família botânica (Bromeliaceae), que pensemos ter encontrado “variedades” da espécie, neste ou naquele morro, o que termina por se revelar equívoco, ao cultivarmos essas plantas, em condições diferentes daquela do habitat, quando todas convergem para um mesmo padrão.

Florescimento de Nidularium ferdinando-coburgii na coleção do JARDIM FITOGEOGRÁFICO


Na coleção de plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, Nidularium ferdinando-coburgii vegeta de forma idêntica à de seu habitat, até por terem sido plantadas em fac-símiles destes ecossistemas, que ocorrem poucos quilômetros dali. Por serem plantas nativas, sua tendência é de que se dispersem naturalmente, na floresta recuperada da coleção. Nesta mesma condição, possuímos uma virtual VARIEDADE de Nidularium ferdinando-coburgii, que coletamos na região, há muitos anos, exatamente para esclarecer-lhe a identidade. Essa variedade, em fase de descrição botânica, pelo taxonomista de bromélias Ivo de Azevedo Penna, apresenta a coroa de folhas centrais absolutamente verde, mesmo em estágio de florescimento, característica que havíamos observado, em seu habitat nativo, e que se manteve imutável, em diversas condições de cultivo, ao longo dos últimos anos.

Nidularium ferdinando-coburgii Wawra variedade viridis Penna habita certo vale da Serra dos Órgãos, onde somente ela ocorre, inexistindo populações da planta típica. Quando a encontramos, ficamos intrigados com a ausência de pigmentação violácea, em todas as plantas que encontramos, floresta afora. Coletamos diversos exemplares jovens e imaturos, como forma de nos certificarmos que as progênies em curso manteriam essa estranha característica. Todas as plantas desenvolveram a coroa esverdeada, característica que jamais perderam, ano após ano, mesmo depois de sua propagação vegetativa, que originou diversas plantas, mantidas até hoje em locais distintos e acompanhados.

Nidularium ferdinando-coburgii variedade viridis no habitat


A planta também apresenta aspecto pouco mais robusto de folhas e brácteas, diferindo assim da variedade típica, cujas folhas são levemente mais afiladas. Porém, nenhuma dessas variações morfológicas foi capaz, segundo Ivo Penna, de sustentar pretensões taxonômicas de elevá-la a espécie distinta. Então, antes de nos apressarmos em ver variedade e novas espécies, nas plantas que nos vêm às mãos, tratemos sempre de conhecer suas populações naturais e sua ecologia. Sem isso, estaremos constantemente inventando nulidades científicas.

sábado, 8 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – BROMÉLIA NEOREGELIA CRUENTA

Acima - Neoregelia cruenta forma “variegata”, presenteada por Pedro Nahoum, nos anos 2000


Outra planta que ficou celebrizada, no boom das bromélias, nos anos 1990, foi Neoregelia cruenta. Bromélia extremamente rústica, em seu ambiente natural – restingas arenosas do Rio de Janeiro – Neoregelia cruenta foi coletada praticamente até sua total extinção, na costa fluminense. Dois fatores estimularam essa medonha pressão, que parece ter vitimado a planta, mais do que muitas outras do mercado paisagístico: o primeiro deles o fato de serem nativas exclusivamente do substrato arenoso, nas bordas das vegetações de restingas, sendo raríssimo encontrá-las de forma epifítica (crescendo nas árvores); o segundo fator, mais decisivo, foi a erradicação dessas restingas arenosas, para urbanização do litoral fluminense.

Nesses habitats, onde ocorriam diversas formas (cultivares) de excepcional beleza, Neoregelia cruenta funcionava como espécie colonizadora da faixa de areia pura, ao redor das manchas de vegetação mais densa: ela crescia, em sol pleno, conquistando o areal quente, deixando o solo “melhorado” para as demais plantas nativas, como clúsias, mirtáceas e uma infinidade de outras espécies, que não aguentavam nascer na areia pura e se beneficiavam da umidade e matéria orgânica deixada pelas bromélias.


Acima – clusiáceas nascem nas bainhas de Neoregelia cruenta “variegata”, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO, mostrando o processo que ocorre na natureza das restingas arenosas do litoral. Esses “seedlings” (sementeiras) se desenvolvem e viram arvoretas, que modificam a vegetação.


Assim, coletar Neoregelia cruenta, uma bela planta escultural, de extrema rusticidade, para levá-la para os jardins das casas e prédios, tornava-se tarefa extremamente fácil, prescindindo de subidas em árvores e outros esforços maiores. Os caminhões paravam, ao lado das populações naturais, e se arrancavam quantas plantas fossem necessárias para uma obra jardinocultural, ou mesmo para abastecimento de estoques comerciais. Sobre este assunto, leia a postagem - E SE TODOS FIZESSEM ISSO

Paralelamente, os loteamentos residenciais avançavam, principalmente na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, onde estavam algumas das mais significativas populações de Neoregelia cruenta. Combinava-se, então, a sanha colonizadora da Zona Oeste da Cidade Maravilhosa, com a demanda comercial por bromélias e outras plantas nativas das restingas. O resultado não poderia ser outro e, após a Década de 1990, praticamente nada restara das restingas e, claro, de suas bromélias.

O golpe fatal sobre as espécies nativas de bromélias do Rio de Janeiro sobreveio na primeira metade da Década de 2000, quando se associou, equivocadamente, a severa epidemia de dengue, que se abateu sobre a região, à possibilidade de que elas pudessem servir de criadouro para o Aedes aegypti, mosquito importado transmissor da moléstia. Por mais que tivéssemos comprovado que as bromélias não representavam criadouro preferencial do mosquito (ver postagem - BROMÉLIAS E DENGUE ), através das ações esclarecedoras movidas pela Sociedade Brasileira de Bromélias-SBBr, prevaleceu a quase total erradicação das plantas, nos jardins públicos e privados, o que as levou, definitivamente, ao limiar do desaparecimento.

A dengue acabou se tornando endêmica da cidade, mostrando que os criadouros estavam em outras partes, que não foram alvo prioritário e quase não são vistas as belas Neoregelia cruenta, na Cidade Maravilhosa. Em cultivo, nas mãos de colecionadores conscientes, preservaram-se belos clones desta bromélia, sendo que, na coleção do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, há pelo menos quatro belas formas em cultivo, em ajardinamentos que simulam condições outrora existentes nas restingas, juntamente com outras plantas relacionadas.

No norte do estado, existe um Parque Nacional (Restinga de Jurubatiba), onde subsistem algumas populações notáveis, assim como naquilo que ainda resiste ao avanço do homem, na Restinga de Massambaba, entre Saquarema e Arraial do Cabo, na Região dos Lagos.



AcimaNeoregelia cruenta forma “rubra”, no JARDIM FITOGEOGRÁFICO
Abaixo – bela forma de Neoregelia cruenta, com variegação e tonalidade amarelada, com pontas vermelhas e frentes maduras vináceas (centro), vegetando junto à pequena e prolífica Neoregelia paratiensis (frente-direita), no JARDIM FITOGEOGRÁFICO


terça-feira, 4 de outubro de 2016

PLANTAS DO JARDIM FITOGEOGRÁFICO – ORQUÍDEA BIFRENARIA HARRISONIAE

orquídea Bifrenaria harrisoniae no JARDIM FITOGEOGRÁFICO

Uma das primeiras orquídeas com a qual travei contato, em minha vida de naturalista, certamente foi Bifrenaria harrisoniae. E, seguramente, isso foi bem antes de sequer saber que eu era um NATURALISTA! Sim, pois isso deve ter sido no meio da Década de 1970, ainda nos bancos escolares, do célebre Colégio Rio de Janeiro, quando arregimentava meus colegas, pobres coitados, para se embrenharem na mata, junto comigo, prometendo aventuras emocionantes... Que, afinal, acabaram mesmo sendo! Em alguma dessas aventuras, não sei bem se na própria cidade do Rio de Janeiro, ou se foi em Teresópolis, acabei deparando com os pseudobulbos de uma dessas orquídeas, caídos no chão, ou nalgum galho podre, no meio da floresta densa e úmida.

Isso é bastante comum, em lugares bem conservados, onde a floresta apresenta taxas magnas de reposição de plantas: encontrar propágulos desta curiosa orquídea, descartados pela natureza, no chão, em galhos podres, ou até mesmo caídos, na serapilheira. Assim, se não me falha a memória, teria sido meu primeiro contato de colecionador com Bifrenaria harrisoniae; certamente deste modo terminou sendo meu encontro mais recente, em 1992, em Mangaratiba, quando coletei os pseudobulbos das plantas da coleção, durante excursão pelas matas do alto vale do rio Sahy.

Nos meus relatórios de campo, revejo meus apontamentos sobre essa ocorrência marcante, que resolvi transcrever, para se ter uma ideia da prodigalidade daquelas matas primárias, que então investigava e que hoje integram o Parque Estadual de Cunhambebe, na Costa Verde:

           “Essas coletas racionais e comedidas se revelam interessantes para futuros estudos específicos. Um galho apodrecido e tombado ao chão, próximo ao recanto das cachoeiras, logo abaixo, me fornecera, tempos antes, alguns moribundos exemplares da orquídea Bifrenaria harrissoniae (excursão de 1992). Levados para minha coleção, em estado lastimável, restando-lhes apenas os pseudobulbos, foram devidamente cultivados e mostraram três formas de flores diferentes, na mesma colônia, uma delas se tratando de espécie distinta – Bifrenaria inodora”.


Dessas anotações, verifica-se uma característica interessante da espécie e, até mais, do gênero Bifrenaria em si, que parece guardar certos mistérios genéticos e taxonômicos, indicados pela imensa variação de formas, ou mesmo espécies, como mostrou ser o caso das plantas do vale do Sahy. Em nossa coleção de plantas do JARDIM FITOGEOGRÁFICO, temos exemplares da forma típica de Bifrenaria harrisoniae, vindos de diversas partes do Sudeste e Sul, alguns advindos dos Campos Gerais, no Paraná, onde vegetavam de forma rupícola (sobre rochas); também havendo exemplares advindos de outras coleções; além das plantas tidas como B. inodora, que são mantidas com numeração indexada específica.


forma alba de Bifrenaria harrisoniae

Bifrenaria cf. inodora


Todas essas plantas costumam florescer entre o final do inverno e o início da primavera, exalando deliciosa fragrância, que inunda o ar a seu redor. Então, nunca jogue fora aqueles pseudobulbos velhos de sua Bifrenaria harrisoniae. Pode ser que venham a te alegrar, muitos anos depois, como aqueles do vale do rio Sahy.