quarta-feira, 24 de abril de 2013


          DA   NECESSIDADE DE SE CONFESSAR O AMOR ÀS MUSAS

Gosto de peregrinar pelo vocábulo, apreender novas expressões, descobrir outros sentidos para os termos conhecidos, sobrestar frases até que a palavra acurada surja, ou mostre-se desnecessária, como nos contos de Gogol.
Esse gosto pelo vocabulário não é só meu, nem só dos filólogos, nem só dos literatos, é de quem fala, é de quem ouve... principalmente de quem quer ouvir e falar e contar suas histórias.
Trabalhei em uma empresa, autarquia publica responsável pelo transporte urbano, em que um diretor apreciava novos termos, e vivia a repeti-los. Ao ser apresentado à palavra “informal”, foi amor imediato. E era um tal de almoço informal, conversas informais, até que em uma reunião para tratar diretrizes de um projeto de lei de transporte, após vários interlocutores se expressarem, o mencionado diretor se pronuncia: “não vou opinar sobre as questões técnicas, mas em minha opinião temos de fazer uma lei informal”!!!!!!!!
Já outras palavras, ficamos reticentes em adotá-las... neófito... adoro esse termo, gostaria de ser conhecido como Carlos, o neófito... mas ser principiante a vida toda? Em alguns casos é até atrativo, como no amor, que quando novo é paixão; na poesia, em que o espanto é quem cria... porém em geral a denominação de neófito é pejorativa, como li de um crítico de arte sobre uma exposição: “até mesmo os neófitos conseguirão entender”. Melhor ser Carlos, o poeta, neófito ou encanecido, ninguém vai atrás da simbologia do termo.
Quando falamos de palavras novas, é automático pensar em neologismos... então aqui vai um: misomusia.
Que palavra linda, remete à música, poesia, só pode deixar de admirá-la o misoneísta... ou quem lhe conhece a definição, dada pelo seu criador, o escritor e ensaísta checo Milan Kundera – aquele de A Insustentável Leveza do Ser, mas também aquele de Risíveis Amores, ele que acha fundamental o humor:
Misomusia é a aversão às musas, o desprezo pelas tradições artísticas, é o fazer e não o criar, são as regras impostas pelo mercado e não pelo estilo, é produção e não arte.
Na semana passada visitei Leminski no MON, lá em Curitiba. Parei sob o painel de seu haikai:
                                  entro e saio
                                  dentro
                                 
                                  é só ensaio
Quando tive a pretensão de escrever haikai fui me aprofundar na forma, conhecer as regras e as obras, e nessas li esse texto do Paulo. Desisti, jamais me caberá inspiração suficiente para escrever um haikai com tamanha sensibilidade, profundidade e precisão. E não vou escrever versos conectados em três linhas e chamá-los de haikai, somente porque esse estilo virou moda, isso não seria obra, seria misomusia.
Essa humildade, que ajuda a manter o foco em trabalhar à exaustão para ter elementos poéticos prolíficos e ricos, para que quando surja o espanto, ou a musa desnuda, a poesia se faça, não cabe ao misomuso, ele se afasta da vanguarda, da retaguarda, ele se posiciona no meio das atenções, longe arte.
No ensaio A Arte da Novela, Kundera define assim o misomuso: "não ter sentido para a arte não é grave. Pode-se não ler Proust, não ouvir Schubert e viver em paz. Mas o misomuso não vive em paz. Ele se sente humilhado pela existência de uma coisa que o ultrapassa, e a odeia".
Musas, ninfas, sonhos, venham e nos rodeiem e enlacem e dancem e façam sorrir os apolíneos e o dionisíacos; façam os cantores gritarem, os atores girarem, os pintores se lambuzarem, os protugueses navegarem, os poetas nascerem do tamanho de sua poesia. E no primeiro dia, e em todos os dias da evolução, se diga: faça-se a arte.
Haveria o devenir sempre ser de evolução, o misomuso deveria estar extinto antes de existir, mas ele está por aí, e faz-se necessário combatê-lo, não com rifles e granadas, e sim com o suspiro da amada, com a prosa a rima o paradoxo, seguir Cervantes e Saramago, e Pessoa, ter sempre à mão um papel branco, porque ouvi de uma musa que seria sempre ela quem iluminaria esse papel para que eu pudesse escrever, e assim ser poeta.
Musa, musica, magia, poesia... a arte nossa de cada dia, a filomusia...

quinta-feira, 18 de abril de 2013

VERSOS ÚMIDOS

em versos úmidos
sigo o rumo nordeste
meu rei meu menino
destino
em versos úmidos
sigo seu cheiro
fluidos femininos
desatino
versos úmidos
de olhar fragilidades
na hora do gozo
na hora da seca
na hora escura da solidão
versos umedecidos
pelos beijos
pelos vapores termais
pelo orvalho frio da noite fria
versos úmidos
queria agora poder secar-lhes
agradecê-los e dizer:
vão-se embora
mas fiquem meus versos
ela dorme agora
porém logo acorda
sedenta de versos
úmidos versos
de amor e de espera...

quarta-feira, 10 de abril de 2013

                                                 A DAMA DE FERRO


“baby, hoje cê faz treze anos, vejo em seus olhos seus planos”... quando os anos 80 começaram, eu tinha a mesma idade da baby que o Raul cantou...  no mesmo disco, antológico, visionário, já se sabia o que seria aquela década... “ei anos 80, charrete que perdeu o condutor”... só não sabíamos ainda que Raulzito não chegaria aos anos 90... e naquele ano, 1980, perderíamos John Lennon (ah, estrela amiga, por que você não fez a bala parar?)... não só o pop/rock perdeu dois gênios, o mundo perdeu duas pessoas que pensavam além dos paradigmas do ter e fazer.

Ainda em 80 o rock perderia seu maior baterista, John Bonham, e com ele o final da banda que fez a transição entre o rhythm blues e o heavy metal, para muitos a maior banda de rock de todos os tempos, o Led Zeppelin.

Para compensar tantas perdas, foi em 1980 que surgiu a Donzela de Ferro, ou Iron Maiden, que conquistaria o mundo principalmente a partir de seu terceiro disco, The Number of the Beast, com Bruce Dickinson assumindo os vocais. O nome da banda foi inspirado em um instrumento medieval de tortura, consistido de um sarcófago antropomorfo com pregos em seu interior, que, ao fechar-se a porta, penetravam no corpo da vítima. Registre-se que o Iron Maiden, destarte suas letras, caveiras e visual agressivo, tinha em seus integrantes pessoas “caretas”, muito profissionais, motivo inclusive da saída de Paul Di’anno, pois o vocalista original fazia a linha sexo, drogas, muita droga, com rock’n roll.

Se no rock britânico havia a Donzela de Ferro, a política estava entregue, desde 79, à Dama de Ferro, alcunha da primeira-ministra Margareth Thatcher. A inspiração do apelido da premier é o mesmo aparelho de tortura que ficou famoso em Nuremberg.

Nos anos 80 houve a amálgama de cria e criador, Inglaterra e Estados Unidos. Aqui não se pondera quem criou quem, tamanha foi a afinidade entre Thatcher e Reagan. Com a economia mundial em colapso, após a crise do petróleo, essa entidade, Reagan/Thatcher optou por confrontar as políticas econômicas keynesianas, implantando o modelo que estava sendo incubado no Chile sanguinário de Pinochet.

As privatizações em massa, o poder dado ao mercado, à redução do estado, medidas que em conjunto ficaram conhecidas como neoliberalismo, pretendiam que cada individuo fosse em si um capitalista, a ser engolido pelas estruturas capitalistas cada vez maiores. Thatcher promoveu a ilusão de que a privatização resolve qualquer problema e que a desregulação do sistema financeiro favorece as economias. Esta desregulação promovida por Thatcher pode ser apontada como uma das origens da crise mundial iniciada em 2008. "Nove em dez economistas atribuem à desregulação um papel potencializador da crise que se abateu sobre o mundo”, diz um professor da Unicamp.

Essa constatação, por si, já deveria servir para ruir o mito desta senhora, mas a macroeconomia é uma área hermética, insensível, e dessa forma não de vê, nem se lê, nem se comenta, que o neoliberalismo foi o responsável, nos anos 80,  por milhões de mortes de crianças, jovens, adultos, idosos, homens, mulheres, brancos, pretos, vermelhos, amarelos, que tinham em comum o fato de viverem no terceiro mundo e serem pobres. Foram mortes por fome, pela violência de regimes totalitários, guerras fratricidas,  epidemias, e a mais terrível das mortes, ainda mais temível que a dama de ferro, a morte por falta de esperança.

Aos 87 anos, morreu a senhora Margareth Thatcher, sobreviveu aos anos 80, o mundo sobrevive a ela, mas àqueles que morreram nesta década são como as boas e velhas bandas de rock’n roll, jamais voltarão. É em memória desses velhos companheiros do mundo que hoje na vitrola vou ouvir Led Zeppelin, e Iron Maiden, e Raul Seixas, e pensar: que pena que ela morreu hoje, e não antes dos anos 80.
 
Carlos Moraes

quinta-feira, 4 de abril de 2013


O PERFIL

 
meu coração romântico pensa coisas (o impulso é o raciocínio do pensamento) que não concebo cartesianamente. e pensa ele que almas são seres e o sendo são imemoriais, etéreas, e que neste vasto espaço imaterial que habitam se conflitam, se encontram, se misturam para toda sua eternidade.
outras são paridas da mesma luz, as gêmeas, dispares de corpos se necessitam como presas de um vício atávico, e se buscam continuamente por jamais estarem exiladas.

todavia o poeta é o homem para quem é dado viver intensamente os pensamentos do coração, porém sem ingenuidade. nasci da minha própria luta pela beleza, me alimentei do amor que desesperadamente cultivei, encontrei quem me procurava, abandonei quem me escravizava. se amei totalitariamente, sofri mais com os  sonhos que com o corpo, chorei mais pelo irrealizável que pelo perdido, desejei sempre mais ao amor que a amante.
ah! se antes eu soubesse o que agora me revelas talvez houvesse como acreditar. mas nada aprendi, tudo o que sei é continuamente duvidar, e duvido do real pela sua essência ilusória, e duvido da ilusão porque esta sempre quer  se realizar, só não duvido do amor, pois este tem a mim e não eu a ele.

conto apenas que seja sincrônico o prevalecer do puro sentimento com o entender químico, ambos ensinando ao imperfeito pensamento. somente assim a orgia dos sentidos tem sentido, somente assim há plenitude na poesia, o poeta pleno nasce do homem indeciso, do menino livre, do lobo faminto, das musas que se multiplicam em uma única idealização de mulher, aquela que nasce de si e ao parir o mundo já não se pertence, como o amor não pertence a quem ama. 

eu não sou quem eu já fui, eu não sou o que sou, eu sou o que sinto, penso eu, e já não me reconheço.