Senti um arrepio incômodo quando olhei aquele rosto e me foi familiar. Uma enxurrada de lembranças ruins invadiu minha mente e eu não consegui controlar as lágrimas, meus olhos ardiam e foi muito difícil evitar que elas saíssem, mas consegui.
Tive dúvida se era realmente ele, então, só me restava ver se ele tinha uma cicatriz.
A cicatriz estava lá, bem ao lado do olho esquerdo, um olho que já parecia “cego”.
Senti mais arrepios incômodos enquanto a lembrança tomava conta daquele momento.
Como eu poderia ter participado daquilo?
Eu o observava agora e ele não parecia um criminoso, lembrava-me das coisas que ele dizia naquele dia e ficava difícil dizer que ele não estava acostumado a aquela situação. Não tinha desespero em seus olhos, era de uma resignação de embrulhar o estômago e realmente embrulhou, eu me lembro.
Ele estava arrumado, bem apanhado, não elegante, mas não estava com aspecto desleixado como todos costumam ficar por aqui.
Lembrei-me de como tudo ocorreu e durante todo o trajeto do ônibus eu me perguntei se eu havia agido certo.
Será que aquele policial realmente ouviu-o dizer q havia assaltado uma casa? Será que ele realmente tentou abusar das vítimas que ele acabara de assaltar?
Eu duvidei de tudo enquanto olhava para aquele homem que de canto de olho notou que eu o olhava e vi que ele ficou desconfortável.
Acho que ele não se lembrou de mim, tomara, senti uma vergonha arrepiar meu corpo novamente enquanto lembrava-me que os policiais haviam batido nele com uma pá.
Pior, lembrei-me que mesmo do lado de fora e nem tão longe, ele não deu um grito sequer que chamasse a minha atenção.
Só então me lembrei do sangue em seu rosto e do motivo que causara aquela cicatriz: enquanto ele se comportava com aquela resignação irritante e surpreendente, alguém irritado com ela chutou o seu rosto que batei contra a quina de uma pia e ela perfurou seu rosto, quase seus olhos e feriu a minha alma também.
Sim, hoje eu vi que eu também fiquei com uma cicatriz naquele dia, uma cicatriz que dói que me faz perguntar em até quando a omissão livra o homem de alguma coisa.
A minha permitiu que uma pessoa fosse ferida sem provas concretas, não para mim e feriu minha alma, que precisará de muitos dias ainda para que eu possa me perdoar...
Não poderia pedir desculpas a ele, não por não ter humildade para isso, mas simplesmente por não saber de onde ele é, o que ele realmente faz e também não saber como eu serei recebida.
Enquanto ele se despedia do motorista ao descer com um “muito obrigado”, eu tentava acalmar aqueles arrepios que eu sentia de vergonha, vergonha de ter calado o meu senso de justiça.