Elio, em frente à lareira, digere a tristeza funda, silenciosa, serena, agridoce, que é ao mesmo tempo sentir-se a Morrer (perda) e sentir-se mais Vivo (êxtase) do que nunca |
Consta que Sufjan Stevens, singer/songwriter indie pop que compôs temas centrais da banda sonora de Call Me By Your Name, já andava há muito tempo a trabalhar em “Mistery of Love”, mas ainda não tinha encontrado forma de a terminar até a ligar ao filme. Um tema que faz referência a pássaros e a Hephaestion, a amante de Alexandre, o Grande. Valeu ao cantor uma nomeação para os Óscares 2018 e irá actuar na cerimónia.
«I wasn't really trying to get too literal with the film," diz ele. "I wanted the songs to stand on their own — partly because I hadn't seen the film, and didn't really know what the vibe was going to be. So I just did what I do, which is just write, you know, the typical forlorn love song that's based on these concepts from the film like first love, summer love, transcendence, but also deep sensations, deep feelings, sorrow — just that relationship between passion and confusion."
Este convite para entregar-se, ao que Luca Guadagnino chamou de «melancolia das coisas perdidas», estende-se a qualquer pessoa com um caso de amor no passado que valha a pena recordar, como nota o artigo no The Guardian que explica por que esta longa metragem deve ganhar o Óscar de melhor filme.
Ora, foi precisamente esse efeito "melancólico" que teve em mim (o nome do protagonista acrescentou ainda um efeito espelho: [n]Elio), além da beleza e sensualidade do filme, que é muito sensitivo, emotivo, com rara sensibilidade e vulnerabilidade. Percebo agora porque senti que tinha de ver este filme (independente da orientação sexual ser diversa: é uma história universal de amor). Percebi que ainda acredito. Eu já sabia, mas o filme fez-me voltar a confirmar quanta sorte tive em me apaixonar, e amar, como aconteceu num dado momento. Já nessa idade tinha a consciência da raridade de algo assim. Se calhar irrepetível.
Há muita gente que nunca vive esse sentimento de paixão a toda a largura do espectro da frequência emocional. O importante não era o "para sempre", sabia de antemão que não seria. O essencial era Viver o Momento, era Viver algo Raro e Único. Nem hesitei. Larguei tudo. Segui apenas o coração. Eu sabia que poderia ser uma oportunidade de uma vida. Um dez em dez. E até hoje a vida continua a confirmá-lo.
O autor de "Mystery of Love" referiu ainda: "Part of the reason why it was really difficult for me to finish it, lyrically and compositionally, until I had engaged with this project was because it's all about a kind of universal first love," disse. "And also knowing the finite nature of things, that nothing's forever. That's what's so amazing about this film, it's such a fully immersive engagement with a fleeting experience. It's a once in a lifetime event, and that's what first love is for most of us. It's unparalleled."
Por tudo isto, ao ver Call Me By Your Name senti o que um dos protagonistas estava a sentir quando da ausência ou partida do outro. É uma dor dilacerante, parece que mata. Ele olha a lareira na cena final, eu olhava o mar de Setembro e as primeiras chuvas, que me impediam de estar com o meu amor. Essa dor e essa tristeza não é estar chateado nem revoltado. Muito menos com o nosso amor. É uma tristeza funda, silenciosa, serena, agridoce. É sentir-se Vivo, é sentir êxtase. E pode isso alguma vez ser triste?
Não quis mal a essa tristeza feliz, pelo muito que me tinha sido dado e não queria mal à felicidade que senti. Nunca matei esse amor, essa alegria. O romance do filme, como o meu, foi no Verão. Foi esse contexto, e o impacto do primeiro grande amor, que inspirou, como se viu, Sufjan Stevens na composição do tema “Mistery of Love”. Sol e água como elementos centrais. Fui um filho da mãe com sorte, mas também soube responder à chamada, de corpo e alma (entrega incondicional). Só assim se transcende e eternizamos o momento.
Penso que tem muito a ver com as sensibilidades que se encontram. A vibração, a frequência, a entrega, a admiração. O amor é livre e selvagem. Gera-se ou não se gera a intensidade do sentimento. Há fogo ou não há fogo para alimentar o sentimento.
O pai do protagonista diz-lhe: "We rip out so much of ourselves to be cured of things faster than we should that we go bankrupt by the age of thirty and have less to offer each time we start with someone new. But to feel nothing so as not to feel anything — what a waste!"
É isto: a maioria perde-se na desilusão e deixa de investir, de arriscar, de entregar-se, de ir ao encontro do outro, com medo da rejeição, com medo de sofrer, com medo de morrer de amor, mas em troca ficam com uma mão cheia de nada: nada sentem. Há quem defenda que precisamos de morrer de amor para percebermos o que queremos da outra pessoa e o que temos para lhe dar. Faz parte da viagem existencial.
«Todos fugimos do amor [romântico]. Quando nos cruzamos com alguém que acende muitas luzes — e que sentimos que, de alguma forma, pode ser o nosso amor —, o nosso impulso não é correr atrás dela, mas sim fugir, como se as pessoas com quem sonhamos só existissem no nosso desejo e não fossem palpáveis, não tivessem um rosto e não fossem como nós.»
No filme Call Me By Your Name conta-se a seguinte história: «Farris is a young man fond of a princess. She is also fond of him. Although she does not seem to be fully aware of it and against friendship which flourish between them, or perhaps because of this strong friendship, the young knight finds himself very much unable to speak. Because he is totally incapable of addressing his love until one day the princess asked frankly: is it better to speak or die?»
Felizmente, mantenho em mim o meu ser do Primeiro Grande Amor: a mesma liberdade, a mesma sensibilidade, mas muito mais auto-conhecimento. Espero que maior capacidade amar. E que esteja disposto a falar, para não morrer — e poder morrer de amor.
O pai do protagonista diz ainda: "How you live your life is your business, just remember, our hearts and our bodies are given to us only once. And before you know it, your heart is worn out, and, as for your body, there comes a point when no one looks at it, much less wants to come near it. Right now, there's sorrow, pain. Don't kill it and with it the joy you've felt."
É a melancolia (valor, felicidade?) das coisas perdidas (ou serão eternas?) e das coisas que são finitas (ou serão infinitas?). E se calhar é assim mesmo que tem de ser. É assim que tudo faz sentido. Ser efémero não significa ser menos ou ter menor valor. Na peça Salome, Oscar Wilde escreve: "The mystery of love is greater than the mystery of death."
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"Visions of Gideon" e "Futile Devices", outros temas de Sufjan Stevens em Call Me By Your Name.
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"Mystery of Love" builds from Sufjan Stevens fingerpicking an acoustic guitar up an octave to the uncredited mandolin acrobatics of Chris Thile — "the greatest living mandolin player on the planet," according to Stevens — then adding piano and shimmering synth as well as some female backup singers, in a constant motion of hopeful and dreamlike ascent.