"AH... SE EU PUDESSE"

-Não ouvi bem! Repete a frase por favor.

-Ah, se eu pudesse, respondeu com cara fechada. Estás a querer gozar comigo?

-Não, não é nada disso. Repara,quantas foram as vezes que disseste essa frase nestes últimos tempos?

-Tens razão, estou sempre a dizer, mas tu sabes o que tem sido a minha vida! Se eu pudesse, tanta coisa eu teria feito diferente, ou nem sequer teria feito…

- Está bem, concordo. Mas, não vais passar o tempo tão precioso da vida a suspirar e a dizer… Ah, se eu pudesse! Se pudessemos todos fariamos caminhadas diferentes. Eu, por exemplo teria escolhido outra profissão, mas agora é tarde e tenho mais é que pensar que de alguma forma sou feliz.

- Ah, mas se eu pudesse voltar atrás no tempo fazia tudo diferente. Repetia vezes sem conta as brincadeiras de criança, viveria intensamente os tempos de estudante, diria até à exaustão o quanto gostei… tu sabes de quem! Iria a todas as festas, jantares, convivios, para que fui convidada e que recusei… porquê? Por falta de tempo ou por pensar que não ficaria bem tantas saídas… Tu própria me chamarias a atenção, MÃE, se o meu comportamento não fosse o que tive. Não, não te culpo de nada. O meu percurso foi este também porque eu quis. Mas, ainda vou a tempo de mudar muita coisa que não fiz, não disse, não fui!!

-Tens razão, faz o que o teu EU manda. Tens o meu apoio. Não quero também um dia, perante a tua infelicidade, eu dizer… Ah se eu pudesse!!!

-Obrigada, o mundo lá fora espera por mim. Se precisar de repetir, ah se eu pudesse, será só para mim, num silêncio que só eu ouço! As vezes que me ouvires, será para dizer que, se eu pudesse pediria a Alguém Superior ao nosso entendimento que tenhas saúde e vivas eternamente. Acabava com a fome, com as doenças, com a hipócrisia do meu semelhante, com os mandantes do Mundo que não se incomodam absolutamente nada com o que fazem aos povos dos seu países. Sim eu sei que sou um grão de areia, mas tudo isto, desculpa repetir, era se EU PUDESSE!!! Ah… sabes, algumas destas coisas eu posso!

... Que estranho, pensou! Estava um amanhecer frio e chuvoso, com vento forte a ajudar a não conseguir segurar o guarda- chuva. As folhas caídas , mesmo molhadas ,voavam e batiam-lhe das pernas. Era Outono, mas estava um Inverno perfeito, com todos os condimentos que lhe são inerentes. Continuou a caminhar, em passo ligeiro, pelo passeio que circundava aquele jardim de árvores seculares, para poder chegar ao autocarro. De repente algo com uma morfologia diferente das folhas bateu-lhe nas pernas e outras rodopiavam à sua frente! Parou, e para seu espanto, eram fotografias que alguém deitou ao lixo (?) e o vento da madrugada se encarregou de as espalhar p'lo passeio. Que estranho, voltou a pensar!! Fotografias, não amarelecidas p'lo tempo como as folhas de Outono, mas recentes. Viu rostos, crianças, animais de estimação... Quem estaria tão revoltado para lançar ao temporal memórias recentes que um dia fariam parte do baú ou álbum de recordações?? Teve que seguir caminho, porque o relógio não pára, mas não conseguiu entender... Porquê??