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Mensagens

Aqui nesta praia | 43

Afternoon reflections, Patti Mollica  

A essência dos dias.3

Caminham agarradas pelas mãos. De mãos dadas. Enormes na sua tenra idade. Juntas na multidão que sai do comboio. Caminhamos juntos! Sobem a rampa a espalhar esse amor. O seu amor! Paixão! O amor que lhes pertence. O amor que agora vemos. Elas, e eles, e nós, todos visíveis. Vemo-nos! Iguais. Iguais a mim! Iguais para todos?...Talvez ainda não...plenamente...mas estamos tão perto! Bendito dia! Bendita manhã inundada de esperança e luz! Bendito final de setembro.  O Sol e a alma vibrantes, neste instante feliz plantado no horizonte. [ alma ]

Fragmento de...

O Morcego de Jo Nesbø "(...) se existe algo lá em cima, e se quiserem almas belas, então é onde ele vai estar. - Sorriu. - Mas se houver algo lá em baixo, penso que é onde ele preferia estar. Detestava sítios enfadonhos."

Quando aprendemos a ouvir as árvores

"(...) quando aprendemos a ouvir as árvores, a brevidade e a rapidez e a pressa infantil dos nossos pensamentos alcançam uma alegria incomparável. Quem aprendeu a escutar as árvores já não quer ser uma árvore. Ele não quer ser nada, exceto o que ele é. Isso é estar em casa. Isso é a felicidade.” Herman Hesse pintura de David Hockney

Ana Paula Tavares | Ritos de Passagem

 

Estação do Trem

E depois acordamos sempre ainda meio vivos Um pouco ensonados É-nos mais ou menos fácil entrar na vida depois destas coisas Prometemos várias vezes que não tocaríamos o amor por jogatanas de pingue-pongue e quando finalmente percebemos que o ace do pingue-pong é e-x-a-t-a-m-e-n-t-e a medida certa do amor rejubilamos na gargalhada que só pode ser que afinal sempre foi (os dois acreditamos nisso) a herança de Deus para nós. Sim olha eu lembro-me de quando tu só sabias contar até quatrocentos. Matilde Campilho

Ler contra o silêncio | 22

An old woman reading Rembrandt van Rijn

A essência dos dias.2

O livro aberto pousado nas suas mãos. Na macieza dos lábios as palavras mastigadas em silêncio e na dobra das pálpebras pequenos fragmentos de texto que não couberam naquelas páginas. A serena curva temporal do rosto acumula todos os pequenos assombros emocionais que cada parágrafo percorrido lhe desperta. O belíssimo rosto do ser amado a ler ilumina-se entretanto por um raio de sol que abre caminho por entre nuvens, braços, ombros e sacos. Olho a sua face iluminada. Iluminada pelo singelo e extraordinário raio de sol que ali escolheu terminar a sua viagem cósmica. Ali, no seu rosto, entre tantos outros na carruagem do comboio numa manhã de fevereiro. Ninguém atenta na singularidade deste instante. A luz que há minutos partiu de uma estrela viaja agora connosco no comboio. Ilumina-te. E na dobra do tempo, como antes na dobra das tuas pálpebras, somos atingidos pela poeira desta centelha. Somos perfeitos. Estamos numa única dimensão. Estamos em todo o lado. [ alma ]

Tudo

Deitado numa núvem de não-ser Deixei ao deus-dará tantos abraços Afastando-me assim, sem o saber Do ponto de chegada dos meus passos Caminho é quanto fica da viagem Paragem é caminho para trás E agora só me resta por bagagem O tanto mal que fez o tanto-faz Julgava não ser nada, e era tudo Pois tudo, em cada nada, acontece Pr' além das sombras do tempo miúdo A grande luz do tempo permanece Contigo, tenho agora de inventar Essoutra núvem de uma cor diferente Em que, à força de aprender como te amar Eu aprenda a amar tudo e toda a gente À força de aprender como te amar Aprendo a amar tudo e toda a gente José Mário Branco (fado das núvens)

Quero apenas cinco coisas...

Quero apenas cinco coisas... Primeiro é o amor sem fim A segunda é ver o outono A terceira é o grave inverno Em quarto lugar o verão A quinta coisa são teus olhos Não quero dormir sem teus olhos. Não quero ser... sem que me olhes. Abro mão da primavera para que continues me olhando. Pablo Neruda

Cinzeiro

Tenho um cinzeiro de vidro, um belo cinzeiro quadrado, um peso monstro permanentemente esquecido no aparador da sala, dado que cá em casa ninguém fuma. Comprei-o a pensar na imensa gente que na altura fumava, e sempre era uma coisa mais apresentável do que lhes indicar o pires do café para largarem a cinza. Agora, já quase ninguém fuma, e os que fumam fogem para a rua, desculpem, que tenho de ir fumar um cigarro, dizem eles com um ar entre a aflição e o de quem vai assaltar alguém à mão armada. E eu fico com um cinzeiro sem serventia nenhuma. E uma máquina de escrever. E discos de vinil. E um abre-cartas. Estou a ficar velha, caramba. Cristina Nobre Soares Em linha recta

Aqui nesta praia | 42

Dama en la playa, Jose Manuel Capuletti

O seu esplendor

Esta é a hora do esplendor. Abram todas as janelas brancas. As árvores estão noivas das suas sombras e vão começar a caminhar ao som de marchas e de palmas. O amor que ninguém inventou na Terra une o que o Céu ignora. Esta é a hora do esplendor. Toda a dor tem o seu penso rápido a atá-la, e nós vamos, vamos pela senda das árvores, como elas de braços levantados, na hora do noivado que ficou à sua espera. Tudo isto aconteceu no tempo da Primavera da rapariga ainda não amada. Lídia Jorge O Livro das Tréguas

Ler contra o silêncio | 21

Special book David Hettinger

Auto-retrato

Ellen Thesleff

Emboscadas

Foste como quem me armasse uma emboscada ao sentir-me desatento dando aquilo em que me dei foste como quem me urdisse uma cilada vi-me com tão pouca coisa depois do que tanto amei Resgatei o teu sorriso quatro vezes foi preciso por não precisares de mim e depois, quando dormias fiz de conta que fugias e que eu não ficava assim nesta dor em que me vejo de nos ver quase no fim Foste como quem lançasse as armadilhas que se lançam aos amantes quando amar foi coisa em vão foste como quem vestisse as mascarilhas dos embustes que se tramam ao cair da escuridão Resgatei o teu carinho quatro vezes fiz o ninho num beiral do teu jardim e depois já em cuidado vi no espelho do passado a tua imagem de mim e esta dor em que me vejo de nos ver quase no fim Foste como quem cumprisse uma vingança que guardava às escuras esperando a sua vez foste como quem me desse uma bonança fraquejando à tempestade de tão frágil que se fez Resgatei o teu ciúme quatro vezes deite

Evening song

Sir George Clausen