sexta-feira, janeiro 30, 2009

Nenhum dia
















Lisboa e Tejo/ Foto TL, 2008

Nenhum dia é cinzento quando a minha
mão sequiosa encontra no teu rosto
o alívio da dor e do desgosto
que desde há muito tempo mal continha.

Nenhum dia é cinzento quando a linha
que o teu olhar desenha é a meu gosto
e me incendeia como um fogo posto
lavrando à solta sobre erva daninha.

Nenhum dia é cinzento quando os meus
lábios sedentos se colam aos teus
e tudo à nossa volta ganha cor.

Nenhum dia é cinzento quando a chama
do meu corpo que o teu corpo reclama
só se traduz nesta palavra: amor.

terça-feira, janeiro 27, 2009

À espera*



















Rio Tejo
Foto TL, 2008

Ainda um dia hei-de contar-te as espantosas
coisas de que me lembro quando fico à tua espera
horas e horas, cada vez mais vagarosas,
e tu não chegas, meu amor, e tu demoras
mais do que a minha paciência. Quem me dera
aquele tempo em que era sempre primavera
e assistia indiferente à passagem das horas.

Mas, quando chegas, só me ocorre esquecer tudo
e ter-te uma vez mais como quem tem o mundo.

*Poema incluído na antologia "Os Dias do Amor", edição Ministério dos Livros, organização de Inês Ramos e prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho, com lançamento previsto para a próxima quinta-feira, dia 29, às 18,30h., na FNAC Colombo.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Perdição





















Acrílico sobre tela/TL, 2008

Há cada vez mais pessoas prontas a salvar-me:
vêm bater-me à porta, abordam-me na rua
e accionam aflitas o sinal de alarme
da minha certa perdição, que é nua e crua
como a sua verdade. E querem libertar-me
do horror que me aguarda para lá da morte.
Mas eu, que jamais fujo às mercês da sorte,
de pronto saco da pistola do meu charme:
o inferno que ora me interessa afugentar
é o dos que não param de me chatear.

terça-feira, janeiro 20, 2009

Talvez, mas não














Senhora da Rocha, Algarve/Foto TL, 2008

Talvez fosse melhor fazeres de conta
que tudo em volta é simples e perfeito
e que a dor que te pesa sobre o peito
é fugaz e de muito pouca monta.

Talvez fosse melhor, barata tonta,
fugires com medo, a torto e a direito,
e, sem buscar destino nem preceito,
pôres de lado a chatice e a afronta.

Talvez fosse melhor, mas tu não queres
o caminho mais fácil, tu preferes
rasgar o chão pelos teus próprios passos,

como quem, sobre o muro da solidão,
pouco a pouco destrói a escuridão
e se abre à luz dos mais amplos espaços.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Este país


Terreiro do Paço/Foto TL, 2008
Esta ideia de não valer a pena,
esta dúvida antiga e permanente,
esta raiva que insiste em estar presente,
este ar pesado que tudo envenena

Este agitado mar que não serena,
esta fria manhã, outrora quente,
esta lâmina fina e persistente,
esta dor que deixou de ser pequena

Este grito que nunca mais desata,
este nó apertado na garganta,
esta fome que é tanta, tanta, tanta,
este país amado que me mata.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Jejum















Sobre o Tejo/Foto TL, 2007

Cada dia que passa é menos um
no incêndio implacável dos teus dias,
mas, podes crer, não hás-de ter nenhum
que volte a ser como este. O mais comum
será, entre as incertas alegrias
deste tempo sem sol que inda te resta,
ouvires lá fora, como num lamento,
a voz inquieta que cavalga o vento
ditando para breve o fim da festa.
Cada dia que passa é só mais um
na contagem voraz do teu jejum.

sábado, janeiro 10, 2009

Prestes a sair

Lançamento a anunciar em breve

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Sombra
















Alfama / Foto TL, 2008
Era tudo bem simples e ameno.
Tu trazias no espelho do olhar
uma paisagem que lembrava o mar
do tempo em que eu ainda era pequeno.
E, sendo tudo fácil e sereno,
logo li no teu rosto a singular
e intensa luz que herdaras do luar,
ignorante da sombra e do veneno
destes dias sem chama nem futuro
em que o sol se envergonha atrás do muro.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Revolta




















Jardim da Parada Foto TL
De palavras que doam. De palavras
arrancadas ao ventre da ternura,
mas que entretanto rasguem a espessura
deste silêncio cheio de rosas bravas.

De palavras que digam a revolta
ante o clima de medo e de mentira
que se instalou e vai deixar a ira
crescer e andar como um cavalo à solta.

É dessas que preciso - e me interessam.
As outras, por favor, desapareçam.

sexta-feira, janeiro 02, 2009

Espuma

















Pormenor de fachada, Rua do Olival /Foto TL, 2009

A única certeza permitida
é não ter a certeza de coisa nenhuma.
Quase tudo na vida
não passa de espuma.

O que define o certo e o errado
ou a virtude e o pecado
não se aplica ao amor.
Este sai do coração
e não lhe interessa a razão,
seja qual for.

O que é como quem diz:
quanto mais inquieto, mais feliz.