sexta-feira, março 28, 2008

Um dia










Acrílico sobre tela
TL, 2008

De súbito, entre a sombria
roda dos dias iguais,
às vezes sucede um dia
que se distingue dos mais.
É um dia raro, feito
à medida do teu peito,
onde o meu busca repouso.
Um dia claro, luminoso
e sobre todos perfeito.
Um dia contra o cinzento
correr dos dias iguais,
no qual me invento e te invento
para sermos o momento
que não findará jamais.

terça-feira, março 25, 2008

Busca















Chiado
Foto TL

Tudo o que sempre fiz foi procurar-te
aqui, ali, além, em toda a parte
por onde andei.
E de todas as vezes que te achei
outra coisa não soube que perder-te
para de novo te buscar.
Mas, como quem procura se converte
no que teima em procurar,
pensando que era a ti que perseguia,
era afinal de mim que me perdia.

sexta-feira, março 21, 2008

Dia da Poesia






Acrílico
sobre tela
TL, 2008

Bem sei que o tempo te escasseia
para acorrer a tanta gente
que a toda a hora te nomeia
como se exclusivamente
lhe pertencesses e ninguém
mais devesse ter-te também.

Mas, neste dia,
que é teu, breve e esquiva amante,
hás-de ficar, Poesia,
mais um instante
na minha companhia.

segunda-feira, março 17, 2008

O rapaz da concertina
















Foto TL
Tiraram-no da escola e largaram-no na Baixa
com uma concertina, um cão e uma caixa,
ordenando-lhe só que se fizesse à vida.
Agora chega de manhã à Rua Augusta
e, sentado no chão, mostra que não lhe custa
nada tocar o dia inteiro e de seguida.

Turistas e passantes, contemplando a cena,
acham-lhe graça e às vezes lançam uma pequena
moeda à caixa, fazem fotos e lá vão.
E ele, que sempre fica, ignora que mais cedo
do que imagina hão-de chegar a noite e o medo
com que a pobreza usa vestir a solidão.

terça-feira, março 11, 2008

Talvez amanhã













Rio Tejo
Foto TL

Talvez amanhã surja um meteoro ardente,
um pássaro de fogo ou um renque de estrelas.
Talvez no mar em ondas altas se levante
um cavalo de espuma sobre todas elas.
Talvez por dentro do silêncio, na sombria
noite, rebente como um grito a luz do dia.
Talvez, nos olhos de quem chora, a claridade
provoque uma explosão de beijos e de risos
e até na mais obscura rua da cidade
os lamentos e ais deixem de ser precisos.
Talvez na ilusão que nos permite a esperança
possamos ir em frente e prosseguir a dança.

sexta-feira, março 07, 2008

Sem carta de marear










Acrílico
sobre tela
TL, 2008

Fingimos ser felizes e fazemos
de conta que sabemos navegar,
mas, fracos nautas, não temos
carta de marear.

A quem anda à bolina é de somenos
a praia onde acostar.

terça-feira, março 04, 2008

Contra a solidão











Barlavento
Foto TL

Por mais que se pretenda disfarçar,
a poesia é um grito contra a solidão
e não adianta procurar
qualquer outra explicação
para a urgência de dizer a toda a gente
o que no íntimo se sente.