A poesia

Silves
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Poucas pessoas amam a poesia,
embora a maioria,
como é sabido, diga que sim.
Porque a poesia é qual erva ruim
que cresce sem pedir licença
e não precisa de jardim
para marcar presença.

A poesia viceja em todo o lado
e há quem a ponha na lapela
para o encontro marcado.
Outros exibem-na à janela
em lugar do cortinado.

Mas, sem que nisso haja drama,
raros são decerto aqueles
que a fazem dormir com eles
noite após noite na cama.

Ainda as palavras

Baixa
de Lisboa
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Para o Hélder Robalo, do blog "Pensamentos"

Não me peçam palavras que não quero
dizer. São tais rameiras inimigas
que só transportam medos e intrigas
e nos vestem de luto e desespero.

Não me peçam palavras carregadas
de tristeza, de dor e sofrimento.
Sei-as tão vãs que nem por momento
as quero ouvir ou ter por ciciadas.

Não me peçam palavras escabrosas,
lâminas afiadas cujo gume
tudo atravessa e queima como lume.

Peçam-me antes palavras luminosas
que me façam voltar a ser criança,
acreditar de novo e ter esperança.

Era Lisboa

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Se fosse um bicho, havia de ser gato,
jamais um réptil, talvez uma ave.
Teria o pêlo dócil e suave
e um olhar ideal para o retrato.

Se fosse arbusto, é certo que seria
uma frágil e meiga sardinheira.
Jamais a desprezada urze rasteira
ou a mais que infeliz silva bravia.

Se fosse uma cidade, era Lisboa,
com esta luz que me atordoa.

Clamor

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O revoltado clamor da rua
não te chega às janelas do gabinete,
com seus vidros duplos, seu filtro de luz.
É como se vivesses
para lá de uma nuvem protectora.
Mas tem cuidado, olha que os gritos
dos injustiçados
não raro ganham asas e trespassam
o adverso céu de chumbo.

Madrugada

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Não tenho tempo para o passado,
já me basta o futuro.
Há muito que enterrei bem enterrado
quanto havia a guardar. O que procuro
agora, sem pecado nem remorso,
é tão-só prolongar o alvoroço
do teu abraço visceral e puro.

E não quero mais nada
para a minha madrugada.

Intervalo

Vou ali e já venho.

Doze palavras

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Para a Sofia, de O meu cais

Pediste-me um poema que contenha
a dúzia de palavras que anteponho
às outras todas, como quem desenha
num papel branco e liso as cores de um sonho.
Mas, repara, as palavras esvoaçam
sobre a vida, quais aves fugidias,
e é difícil detê-las, quando passam.
Encaremo-las, pois, no mar dos dias
como quem vence a toda a hora o muro
que teima em impedir-nos o futuro.

Nota - As 12 palavras estão aqui, basta procurá-las.

Rebeldia

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Nem balanço nem contas, nada disso.
Importa recusar o compromisso
do permanente deve & haver
e manter insubmisso
a todo o tempo o coração.
Importa não ceder
e saber dizer não
aos que, por qualquer razão
que supõem deter,
mais não pretendem senão
fazer-nos obedecer.
Importa que a rebeldia
seja o pão de cada dia.

Esquecimento

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Quando eu partir na última viagem
rumo ao nosso comum destino certo,
não haverá mudanças na paisagem
nem o que é longe ficará mais perto.

Como verás, irá continuar
o assobio do vento na folhagem
do jardim que inventámos rente ao mar.

E, sendo o mundo tão exacto assim,
acabarás por te esquecer de mim.