segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Amor breve













Rua dos Poiais
de S. Bento
Foto TL

O amor é sempre breve, mas desenha
na nossa vida um rasto que perdura
para além do novelo da ternura:
o rasto que transporta o santo-e-senha
para as portas fechadas que o destino
depara a cada um desde menino.

Sobre ser breve, o amor é sempre frágil
e raro escuta o ritmo das marés
que nos faz oscilar o dia-a-dia.
Mas é ver como às vezes fica ágil
e corre e salta e foge a sete pés
do que nos tolhe o rosto da alegria.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Sonhos














Da janela lisboeta
Foto TL
Todos os sonhos são absurdos
ou não seriam sonhos.
No entanto, têm regras,
naturalmente também absurdas.
Nos sonhos a gente voa
e outras vezes desliza
a escassos centímetros do solo.
É-me recorrente o sonho
em que flutuo na companhia
dos que amei ou ainda amo,
todos de novo vivos
e reunidos para a festa.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Gente









Rua Augusta, esta manhã
Foto TL
Conheci certa gente que lamento
ter conhecido.
Melhor fora que nem por um momento
me tivesse aparecido.
Mas também houve gente
que ganhei em conhecer
e infelizmente
acabei por perder.
No balancete da vida,
entre o deve e o haver,
a cada coisa perdida
sobrevém outra qualquer.
Mas errará quem disser
que importa é dar-se-lhe o uso
que na hora convier.
Opinião que recuso
com toda a força e prazer.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

A mesa











Acrílico sobre tela
Torquato da Luz, 2006
Houve um tempo em que a mesa posta
da vida abarrotava. Nada
satisfazia o apetite desmedido
das nossas bocas jovens.
Tu chegavas e degustavas
comigo as iguarias
da nossa imaginação.

Eram nossos os frutos, era nosso
o vinho em que demorávamos
os lábios sequiosos.
Era nosso o mundo.

Agora nem o tempo nem o mundo
já são nossos. Mas ainda
temos lugar à mesa
do nosso mútuo deslumbramento.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Âmago















Santa Catarina, Porto.
Foto TL

Alisar-lhe os cabelos, percorrer
uma a uma as avenidas
que conduzem ao seu rosto.
Sem medo de me perder
no dédalo do seu corpo,
explorar-lhe as proibidas
ruas e também os becos
mais íntimos e secretos.
Porque amar é conhecer
o âmago do ser.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

O tempo












O Ardina
Porto, 07.02.2007
Foto TL

Dissipamos as horas, na suposta
certeza de que os dias obedecem
a um ciclo imparável. Ninguém gosta
de admitir que não tem resposta
para as coisas que lhe acontecem.
E o tempo é um mistério que esvoaça
sobre as certezas que ultrapassa.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Cioso mar











Acrílico sobre tela
Torquato da Luz, 2003

Nem todos os barcos voltam à praia,
há sempre um ou outro que o mar envolve
na sua teia de algas e corais.
Sei de alguns que, uma vez partidos
com seus audazes marinheiros,
jamais regressaram.
Embora os jornais falem de naufrágios,
a verdade é que, cioso, o mar os guarda
para, intactos, um dia os devolver
às praias por haver.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Olhar







Óleo sobre tela, M. Nagashima, 2007
Colecção TL
Olhas-me entre a surpresa e o desencanto
e eu fico embaraçado ante esse olhar:
nada podia perturbar-me tanto
como uns olhos roubados ao luar
das noites em que o tempo e o lugar
se faziam de espuma, luz e espanto.
Mas o que importa, sobre a ruinosa
erosão dos desenganos,
é esta força de quem ousa
amar-te acima do passar dos anos.