terça-feira, julho 31, 2007

L'avventura (1960)


Michelangelo Antonioni

Michelangelo Antonioni (1912-2007)

Em menos de vinte e quatro horas, a morte ceifou duas lendas vivas do cinema. Ontem Ingmar Bergman, hoje Michelangelo Antonioni. A vida tem destas coisas. Esquecemo-nos de que afinal de contas é insondável.
Travei conhecimento com a obra de Antonioni pela televisão, quando o cinema era presença assídua nos ecrãs da RTP2. Nas salas escuras da sétima arte, vi apenas a reposição de Profissão Repórter, o Blow Up e o Para Além das Nuvens (bem, este foi feito a meias com o Wim Wenders, não sei se Antonioni o considerava seu).
Do que então vi, ficaram-me marcas profundas. A força das paisagens, da natureza agreste de A Aventura aos espaços industriais de Deserto Vermelho. E esses homens e mulheres à deriva nesses grandes espaços. A subjectividade desses homens e mulheres a impregnar profundamente a paisagem.
Como Bergman, também Antonioni era um cineasta de mulheres:

Amo em primeiro lugar e sobretudo a mulher. Talvez porque a compreenda melhor. Cresci entre mulheres e no meio delas. Acusam-me de olhar tudo à distância. É a minha maneira de contar e não o faço deliberadamente.

Dentro de nós, as coisas aparecem como pontos de luz no fundo de nevoeiro e sombra. A nossa realidade concreta possui uma qualidade abstracta fantasmagórica.

segunda-feira, julho 30, 2007

Mónica e o Desejo


Ingmar Bergman

Ingmar Bergman














(1918-2007).

Dia de luto para o cinema e a arte em geral.
Morreu o cineasta de Um Verão de Amor e de Mónica e o Desejo. Morreu Ingmar Bergman.
Harriet Andersson, a actriz de Mónica e o Desejo, confidenciava em entrevista ao jornal de Notícias, de 7 de julho, que Bergman atravessava um período difícil:

Agora há muito tempo que não trabalha. Faz 89 anos no próximo sábado e não está muito bem. Está muito triste, porque já não consegue escrever. Ele trabalhou a vida inteira. Neste momento, tem a sensação de que para ele acabou.
Entrevista premonitória.

Que o cinema seja o meio por que me expresso, é absolutamente natural. Fiz-me compreender numa língua que passava ao lado da palavra de que carecia, da música que não sabia tocar, da pintura que me deixava indiferente. Subitamente tive a possibilidade de me corresponder com o mundo numa linguagem que literalmente fala da alma para a alma, em termos que, quase de maneira voluptuosa, escapam ao controle do intelecto

Ingmar Bergman

Músicas do Mundo

O Músicas de Mundo continua em alta, fiel à sua identidade de festival de todas as fusões, das simbioses estéticas mais improváveis. Respira modernidade.
Em Sines, por esta altura do ano, caem os muros e esfumam-se todas as ortodoxias. Dizer que é o grande festival de World Music do país é, parecendo elogio, porém redutor. Porque vai muito além disso, porque está na sua natureza a recusa da separação ou das categorias estanques. tradição e contemporaneidade estão fortemente entrelaçadas.
Este ano tivemos direito a uma prestação alucinante dos Gogol Bordello, que deram o seu primeiro concerto em Portugal. Fiquei com a impressão de que esta ecléctica banda, composta por imigrantes das mais diversas proveniências, podia ter tocado até de madrugada, tal a vertigem da sua música, em que o punk matriz de base é prodigiosamente contaminado por heranças culturais diversas. Da Rússia; da música romani à tradição Klezmer. Foi um concerto com uma forte componente teatral e performativa. E aquele acordeonista, que músico!, mais parecia um marinheiro saído do Couraçado Potemkine.
Antes dos Gogol Bordello, já o rapper somali K'naan havia incendiado a bela noite de Sines. Cânticos e percussões de África, ecos de rebeldia e liberdade, cruzaram-se com a linguagem Hip Hop. Vitalidade e hipnose. The Dustyfoot Philosopher é mesmo é um caso sério.
Na Sexta, também dois bons concertos: o do bandolinista brasileiro Hamilton de Holanda, fazendo apelo às ricas tradições da música do seu país e a lembrar, pela forma das composições e pelo espírito de fusão, o Hermeto Pascoa; o World Saxophone Quartet "Political Blues” contou com o saxofonista David Murray, presença crónica no Músicas do Mundo. Fizeram um Jazz a dar para o free, com o recurso à matéria-prima da canção de portesto. Assim, tivemos uma arrojada versão de machine gun, manifesto anti-guerra do lendário guitarrista Jimi Hendrix. E perpassaram ecos do Black Power, numa música que pôs à prova as sensibilidades auditivas do público.
O festival Músicas do Mundo contou também com exposições (a “Ngola Bar”, do artista angolano Kiluanji Kia Henda) e um interessante ciclo de cinema (“Música e trabalho”). E a organização sempre à altura. Está uma vez mais de parabéns a Câmara Municipal de Sines.

quinta-feira, julho 26, 2007

Solaris



Solaris (1972).
Filme de Andrei Tarkovski.
Uma estação espacial assim, e talvez tudo fosse diferente...

terça-feira, julho 24, 2007

As obras do Polis em Setúbal

A ler esta notícia do RSO (seguir o link para a ler na totalidade), sobre as próximas obras do Polis em Setúbal:
Início da obra previsto para Agosto
As alterações feitas à obra da Avenida Luísa Todi – já não terá passagem desnivelada junto ao Pingo Doce e já não vai ser deslocalizada a Fonte das Ninfas - dão ao executivo camarário maior confiança quanto ao cumprimento dos prazos. A obra tem de estar concluída até Setembro de 2008, sob pena de se perderem os fundos comunitários.
(...)
A faixa norte, vedada ao trânsito em geral, vai estar aberta a transportes públicos, a veículos de emergência e a cargas e descargas. Devido à impossibilidade, por «razões financeiras», de avançar já com o parque subterrâneo do Quartel do Onze, o Polis vai reservar uma das três faixas a sul para estacionamento.

segunda-feira, julho 23, 2007

Broadcast


Podem ouvir no Videoclip Lounging.

Turquia. A vitória dos islamistas


As eleições turcas confirmaram a hegemonia dos islamistas do Partido da Justiça e do Desenvolvimento. As gentes da província, assalariados de toda a sorte, pequenos comerciantes, empresários recém-chegados, enfim, franjas importantes da classe média urbanizada constituem a base eleitoral deste partido de massas, que acima de tudo parece dar resposta aos anseios da maioria dos turcos. Tem sido pragmático na governação, embora no plano simbólico não se tenha coibido de afrontar alguns dogmas do secularismo turco. Assim, a questão do véu emergiu no espaço público, porque eminentemente política; e desafiou os militares ao propor um islamista de velha cepa para a presidência da república secularista.
Derrotados em toda a linha foram os kemalistas do Partido Republicano do Povo, que vêem a sua votação baixar. As velhas elites laicas, que tradicionalmente governavam o país, estão em processo de erosão.
De notar a subida da extrema-direita, contrária à entrada da Turquia na União Europeia, e a presença de uma formação curda (à base de candidatos independentes) no futuro parlamento. Os curdos tiveram uma boa votação e poderão constituir um aliado precioso do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (precisa de dois terços dos deputados para eleger o presidente e lavar a cabo as reformas na constituição). É interessante verificar que, no que respeita à questão curda, a intransigência está a mais das vezes do lado dos laicos, manifestando os islamistas nos últimos tempos alguma maleabilidade e até moderação.
Interessante também verificar que os secularistas desconfiam cada vez mais da Europa, enquanto as gentes do Partido da Justiça e do Desenvolvimento a vêem como o melhor antídoto contra o poder dos militares que tutelam a democracia turca, enquanto fiéis depositários da constituição legada por Kemal Atatürk.
Nas ainda raras eleições livres e democráticas que vão acontecendo pelo mundo islâmico (não obstante o carácter redutor que tal designação encerra), os islamistas, nas suas diversas matizes, têm logrado obter formidáveis vitórias. Vamos ter de nos habituar a conviver com essa realidade. Porque, parafraseando Clarice Lispector, “o que tem de ser tem muita força”.

quinta-feira, julho 19, 2007

Excelente notícia

A notícia já não é de hoje: o Prof. José Manuel Moreira começou ontem a escrever no Portugal Contemporâneo.
Bem vindo à blogosfera.

quarta-feira, julho 18, 2007

Videoclip Lounging

terça-feira, julho 17, 2007

Servidão Voluntária

Está na nossa natureza o deixarmos que os deveres da amizade
ocupem boa parte da nossa vida. É justo amarmos a virtude,
estimarmos as boas ações, ficarmos gratos aos que fazem o bem,
renunciarmos a certas comodidades para melhor honrarmos e
favorecermos aqueles a quem amamos e que o merecem. Assim
também, quando os habitantes de um país encontram uma
personagem notável que dê provas de ter sido previdente a governá-los,
arrojado a defendê-los e cuidadoso a guiá-los, passam a
obedecer-lhe em tudo e a conceder-lhe certas prerrogativas; é uma
prática reprovável, porque vão acabar por afastá-lo da prática do bem
e empurrá-lo para o mal. Mas em tais casos julga-se que poderá vir
sempre bem e nunca mal de quem um dia nos fez bem.

Etiénne de la Boétie (1530-1563). Discurso sobre a servidão Voluntária
P.S. tradução em português do Brasil; o texto em Francês pode ser consultado aqui.

Leituras sobre Carris



Cowboy Capitalism: European Myths, American Reality - Olaf Gersemann

segunda-feira, julho 16, 2007

As intercalares de Lisboa

António Costa venceu as intercalares da Lisboa, mas ficou longe, muito longe, da maioria absoluta. Do resultado obtido por António Costa, podemos tirar ilações, quer a nível local, quer a nível nacional.
Para um peso pesado do governo, esta vitória tem de se considerar modesta. Porque António Costa ficou-se por um resultado abaixo dos trinta por cento, somente seis vereadores, o que o obrigará a fazer acordos pontuais com as restantes forças que estarão representadas no elenco governativo da cidade (a não ser que formalize uma aliança com a lista de Carmona, o que seria a todos os títulos escandaloso). Porque se previa a débâcle da direita nestas eleições e o partido socialista nelas empenhou a sua principal figura do governo, aquele que era talvez o seu ministro politicamente mais prestigiado.
A elevada abstenção foi o traço mais marcante destas eleições. Atrever-me-ia a dizer que entre os eleitores a descrença está instalada, que tudo permanecerá na mesma, no que toca ao governo da cidade. Mas esta abstenção diz-nos também algo sobre a popularidade do governo socialista, que está em queda; são evidentes os sinais de erosão.
Neste quadro de desmobilização dos eleitores, as listas de dissidentes/independentes saíram-se muito bem, enquanto comunistas e bolquistas conseguiram segurar as suas posições. Já o CDS ficou fora da vereação, o que representa o primeiro revés de Paulo Portas, desde que assumiu a presidência do partido.


P.S. O aparelho socialista quis brindar-nos com uma manifestação de terceiro-mundismo. No Átrio do Hotel Altlis, um grupo de militantes de Cabeceiras de Basto dava cor à vitória de Costa. Ao menos, espera-se que não tenham também votado nestas eleições.

sexta-feira, julho 13, 2007

Se eu pudesse votar...

A campanha para as intercalares lisboetas está a chegar ao fim, e as sondagens, em rigor, apenas prognosticam a vitória do socialista António Costa. O mais provável com maioria relativa. Mas não é de descartar totalmente a hipótese da maioria absoluta, num cenário de desmobilização dos eleitores da área do centro-direita (PSD e CDS).
A abstenção é aqui a grande incógnita, poderá ser determinante para as votações e escalonamento dos restantes candidatos, muito em particular, de Negrão, Carmona e Helena Roseta, sem esquecer o cabeça da lista da CDU, Ruben de Carvalho, que num cenário de deserção em massa dos eleitores (rumo às férias e às praias da periferia) poderá ver o seu resultado maximizado; em percentagem e número de vereadores.
Dado importante, porque não detectado pelas sondagens, é o sentido de voto daqueles cidadãos que habitando fora de Lisboa, nessa imensa periferia, permanecem recenseados na capital e aí exercem o seu dever cívico.
Como muitos, também eu não voto em Lisboa. Mas se pudesse, hesitaria entre a arquitecta Helena Roseta (a meu ver, a que melhor soube articular um discurso para a cidade e cuja campanha foi claramente prejudicada pela cobertura da RTP, esse serviço que temos ou merecemos) e José Sá Fernandes, pela coragem e denúncia cívica tão necessária a uma democracia que se quer amadurecida; saudavelmente crítica dos poderes instituídos. E tudo faria para não contribuir para a maioria absoluta de um candidato que ao longo da campanha se refugiou em generalidades e tão-só se limitou a recolher notáveis e interesses; incapaz de um pensamento para o bom governo da cidade.

quinta-feira, julho 12, 2007

Lisboa e a Democracia. Ou a democratização da especulação...

As during the time of kings it would have been naive to think that the king's firstborn son would be the fittest to rule, so in our time it is naive to think that the democratically elected ruler will be the fittest. The rule of succession is not a formula for identifying the best ruler, it is a formula for conferring legitimacy on someone or other and thus forestalling civil conflict. The electorate—the demos—believes that its task is to choose the best man, but in truth its task is much simpler: to anoint a man (vox populi vox dei), it does not matter whom. Counting ballots may seem to be a means of finding which is the true (that is, the loudest) vox populi; but the power of the ballot-count formula, like the power of the formula of the firstborn male, lies in the fact that it is objective, unambiguous, outside the field of political contestation. The toss of a coin would be equally objective, equally unambiguous, equally incontestable, and could therefore equally well be claimed (as it has been claimed) to represent vox dei. We do not choose our rulers by the toss of a coin—tossing coins is associated with the low-status activity of gambling—but who would dare to claim that the world would be in a worse state than it is if rulers had from the beginning of time been chosen by the method of the coin?
J.M. Coetzee, in Diary of Bad Year
Talvez Coetzee tenha razão, e a democracia por si só não nos conduza ao “bom governo”, nem necessariamente a uma governação melhor do que as ditaduras ou as monarquias absolutas. Virtudes da Democracia são sim a acomodação pacífica das diferentes partes em conflito pelo acesso ao poder, através da aceitação de um corpo comum de regras, e um método de sucessão eficaz, porque regra geral evita o derramamento de sangue. O que já é muito, e assaz louvável.
Olhemos, por exemplo, o caso de Lisboa, os mais de trinta anos de poder local democrático. O que eles significaram? Na prática, uma cidade cada vez mais desertificada, submetida às lógicas comerciais da periferia (veja-se a penetração do centro comercial no seu coração) e a uma especulação imobiliária sem freio. Uma cidade sob o primado do carro particular, gerida como se fosse apenas um imenso centro de tráfego; em que os passeios agonizam e as barreiras à mobilidade (dos peões, evidentemente) proliferam.
Tivemos muita construção, mas verdadeiramente nenhuma obra de arquitectura que destacasse a cidade no plano internacional. Reconhecido por quase todos, é a quebra dos padrões de exigência no licenciamento de novas construções, verificada ao longo desses anos (é o que dá fazer depender as receitas em grande parte de tais licenciamentos...), daí a proliferação de muito moderno edifício cuja qualidade arquitectónica é no mínimo duvidosa. Enquanto isso, a paisagem das zonas histórica continua desfigurada pela sucessão de edifícios de entaipados. Talvez à espera do próximo condomínio fechado.
De importante, talvez a renovação urbana da zona oriental, a Expo 98 do nosso contentamento, que mesmo assim tenho dúvidas de que possa ombrear com a então a Exposição Mundo Português (1940), que não obstante toda a retórica e efabulação nela contida, revitalizou a zona ocidental de Lisboa.
Este estado de coisas tenderá a persistir, como deixam entrever recentes notícias da candidatura de António Costa, vencedora anunciada das eleições de Domingo próximo. E é pena, porque a campanha até nem tem sido parca em boas ideias para inverter esse curso. Mas sabemos que a democracia, se com eficácia permite a renovação dos ciclos políticos, não é imune à persistência no erro.

Agora, chamem-me racista


Via Insurgente, no Telegraph:
The Commission for Racial Equality has labelled a Tintin book racist and criticised a high street book chain for stocking it.(...)

"How and why do Borders think that it's okay to peddle such racist material?

"Yes, it was written a long time ago, but this certainly does not make it acceptable. This is potentially highly offensive to a great number of people.

"It beggars belief that in this day and age Borders would think it acceptable to sell and display Tintin in the Congo.

Pardon my french, mas... puta qu'os pariu!

terça-feira, julho 10, 2007

Como não moderar

O debate com os candidatos à Câmara de Lisboa, promovido pela RTP1, não era fácil de gerir, atendendo ao número em presença. No entanto, nada justifica o triste espectáculo a que ontem assistimos, que teve como protagonista a jornalista Fátima Campos Ferreira; um exemplo de como não moderar um debate. Interrupções sucessivas, demasiado ruído, perturbando a exposição e o raciocínio dos candidatos, que quase não conseguiam articular uma só frase ou desenvolver qualquer ideia que fosse.
Talvez tenha sido o admirável mundo novo dos media a que temos direito, em que tudo é feito à imagem e semelhança da jornalista de televisão, ela é o centro do espectáculo, enquanto os outros são confinados a categoria de meros figurantes... É o umbiguismo dos media, e a realidade externa deixa de ter existência.
Foi revoltante ver o enfado e a arrogância, de Fátima Campos Ferreira, para com o candidato do Movimento Partido da Terra, quando este apresentava os gráficos dos aeroportos da Portela e de Heathrow. Ou a forma como, numa das intervenções, retirou a palavra à arquitecta Helena Roseta (aliás, percebeu-se desde o início do debate que esta candidata era incómoda, pelo que havia que reduzi-la à mínima expressão). No limiar da desonestidade.
Enfim, uma vergonha para o serviço público de televisão.

O Estado e a Democracia segundo J.M.Coetzee

Via 19mesesdepois, deparei com um excerto do último romance de John Coetzee, Diary of Bad Year.
Notas diarísticas de Cootzee, sobre as origens do Estado e os equívocos da noção de Democracia, reflexões entrecortadas pela presença de uma mulher ainda jovem, com quem o autor (é narrado na primeira pessoa) se cruza numa lavandaria.
Temos, em Coetzee, um retrato lúcido da condição humano, embora por vezes povoado de algum pessimismo ou amargura. Refiro-me ao Estado, visto como uma espécie de mal necessário (parece não haver alternativa, a não ser a do reino dos bandos armados…Parece sobrar pouco espaço para a liberdade). Porque, em relação à rapariga, há o desejo...

It is hardly in our power to change the form of the state and impossible to abolish it because, vis-à-vis the state, we are, precisely, powerless. In the myth of the founding of the state as set down by Thomas Hobbes, our descent into powerlessness was voluntary: in order to escape the violence of internecine warfare without end (reprisal upon reprisal, vengeance upon vengeance, the vendetta), we individually and severally yielded up to the state the right to use physical force (right is might, might is right), thereby en-tering the realm (the protection) of the law. Those who chose and choose to stay outside the compact become outlaw.
[...]

What the Hobbesian myth of ori-gins does not mention is that the handover of power to the state is irreversible. The option is not open to us to change our minds, to decide that the monopoly on the exercise of force held by the state, codified in the law, is not what we wanted after all, that we would prefer to go back to a state of nature.
[...]
Did anyone, in 1944, say to the French populace: Consider: the retreat of our German overlords means that for a brief moment we are ruled by no one. Do we want to end that moment, or do we perhaps want to perpetuate it—to become the first people in modern times to roll back the state? Let us, as French people, use our new and sudden freedom to debate the question without restraint. Perhaps some poet spoke the words; but if he did his voice must at once have been silenced by the armed gangs, who in this case and in all cases have more in common with each other than with the people.


Excerpt from J.M. Coetzee's new novel, Diary of a Bad Year, to be published in January 2008.

sexta-feira, julho 06, 2007

... and we're back.

Afinal, parece que ainda não foi desta.
O Bonfim regista crescente actividade.

Como é pessoal? Vamos a isso?

Projecto para nova mascote do governo socialista

Mónica e o Desejo




O Verão parece ter chegado, os termómetros registam uma subida e preparamo-nos para viver sob o signo do sol e da água do mar. E do cinema também; ao livre
Hoje à noite, a Cinemateca vai brindar-nos com o filme Mónica e o Desejo, de Ingmar Bergman. Filme solar, belíssimo, que nos fala do desejo de evasão; de uma vida diferente. E do preço a pagar pelas ilusões...

Zita Seabra

Ontem, ainda apanhei parte da entrevista de Zita Seabra à RTP.
O percurso de Zita Seabra é o mais interessante de entre todos aqueles militantes comunistas (refiro-me evidentemente aos mais conhecidos) que entraram em processo de ruptura com o partido. Não por causa da adesão ao PSD, que embora importante não ofusca tudo o resto, mas porque nela se pressente que esse abandono das convicções comunistas, ou melhor dizendo, da fé, não feito sem dor; e que foi feito em solidão ou em exílio interior. Imagino que é precisa aquela dose de coragem que nos obriga a confrontar o nosso passado, os anos da juventude ferozmente postos ao serviço de uma causa (Zita aderiu cedo ao comunismo e não tinha ainda feito os dezoito anos, quando entrou na clandestinidade), os momentos de felicidade que então experimentámos. É parte de nós que é posta em causa. Romper com a ideologia e a sua praxis, depois de mais vinte anos de intensa militância, de uma vida quase circunscrita ao círculo de amizades e de relações de trabalho comunistas, não deve ter sido uma decisão fácil.
Na entrevista de ontem, sinceridade e frontalidade foram qualidades que Zita evidenciou (pena que a Judite Sousa não as tenha sabido explorar). Mas sentimos também que nela tudo é feito de simplismo, da permanência ou adesão a um corpo primário de certezas. Só que hoje esse corpo é o negativo da ideologia comunista então professada.
Penso que o livro de memórias, agora lançado, vai ter impacto, ao contrário por exemplo do de Raimundo Narciso, que não agitou as águas do comunismo nacional. Porque Zita Seabra foi em tempos a encarnação do ideal de militância comunista. Porque Zita Seabra não recalcou o passado.

Leituras sobre Carris



Agarra o Dia - Saul Bellow

quarta-feira, julho 04, 2007

Mas mesmo assim, ele não desaparece

Aparentemente por causa do aparecimento de um blog onde se escrevem, nalguns posts, acusações/insinuações sobre autarcas setubalenses dos vários partidos, num tom supostamente inspirado por Bocage (pobre poeta...), os gestores de sistemas da Câmara Municipal de Setúbal decidiram cortar o acesso da sua rede às páginas blogspot.

Num critério que é inteiramente da minha responsabilidade, motivado pela minha apreciação do dito blog, decidi não o linkar (tal como não o faço com muitos outros).

A decisão dos responsáveis camarários de evitar que através da rede à sua responsabilidade se aceda a determinados endereços, é perfeitamente aceitável, do ponto de vista de garantir a segurança da mesma (o mesmo faz a maioria das empresas).
Já se se procurou evitar a sua divulgação e das "calúnias" nele escritas, provavelmente o efeito foi o contrário.

Tokyo


Gueorgui Pinkhassov

terça-feira, julho 03, 2007

Desert Poems




















Contessa Entellina

Contessa Entellina
Golden are your fields
Blue is your perfect sky and white with Tibetan clouds

Contessa Entellina
Thistles were your only flowers
Your earth so deeply cracked that i could cross it only singing
And there i found you listening to your golden grasses

Stephan Micus

Central Sicily 1997

O Reino Unido sob a ameaça terrorista

O Reino Unido outra vez assolado pelo espectro do terrorismo.
Os mentores destes atentados, felizmente gorados, tinham em vista atingir o consulado de Gordon Brown, o novo inquilino do n.º 10 de Downing Street. Dado que a notícia da sucessão de Blair era de há muito conhecida, eles apontaram para estes dias. O seu propósito era o de sempre, o de ceifar o maior número de vidas e de fazer sucumbir no medo toda uma sociedade. E do medo até à deriva securitária é só um passo. Um pequeno passo.
Parece que desta vez há estrangeiros envolvidos, mas isso não nos deve fazer esquecer que há cidadãos britânicos (e não consta que sejam tão poucos) dispostos a enveredar pelo terrorismo jihadista. E não, não basta falar da Palestina ou do Iraque. Como também não me parece que possamos explicar tais actos através da grelha de análise clássica, a da suposta falta de integração social, de que tendemos a abusar (talvez pela necessidade de tornar inteligível o fenómeno do terrorismo; de dar um sentido aquilo que ameaça o nosso modo de existir). Há algo de que falava o historiador Marc Ferro, que é o ressentimento civilizacional, uma poderosa força motora das formas violentas do conflito; porque se alimenta da história, porque trabalha sobre a memória colectiva dos povos. Para muitos destes jovens, o que conta é a ideia de um Islão redentor, ou mesmo vingador. Na sua lógica binária Islão/Ocidente, eles tendem a odiar todos aqueles traços que nós mais valorizamos; da liberdade que em princípio as mulheres usufruem à extensão dos direitos às chamadas minorias sexuais; em resumo, a aceitação da diferença ou o princípio de que a dissidência não deve ser suprimida.

A ler este artigo do THE INDEPENDENT:

In the absence of achieving this impossible goal, jihadis will voraciously seek out grievances, based on the failure of the world around them to conform to their puritanical desert morality.
Is this true? A few hours before the first car bomb was discovered, a contributor to the chatroom on the Islamist al-Hesbah website wrote: "Today I say: Rejoice, by Allah, London shall be bombed." He gave his reasons for the murder plot he was clearly involved in: the Iraq war, and - just as important - the honouring of perhaps our greatest novelist, Salman Rushdie.
The choice of target - a nightclub on Ladies' Night - is also revealing. When a similar gang plotted to blow up the Ministry of Sound in 2004, they talked about their desire to burn alive the "slags dancing around".
This is a reminder that the bombers are not only blowing back against the worst in our system of government: the torture and chemical weapons in Iraq, Guantanamo Bay, and our support for Arab dictators. They oppose the best in our system of government too: the intellectual freedom to write novels that question religion, the sexual freedom of women to pick their own partners.

segunda-feira, julho 02, 2007

Visto (Finalmente!)

Parabéns

Ao dois Senhores do A Arte da Fuga.
Três anos em grande.
Siga!

domingo, julho 01, 2007

Liberdade de Expressão

Um título assim, parece demasiado ambicioso para uma simples posta de pescada num blog simples como este. Assevero-vos que nada tão grandioso e significativo como aquelas palavras poderia caber neste pequeno espaço.

O desafio surgiu-me através de um comentário do meu dilecto amigo e co-blogger, Luís Marvão.
A propósito do meu post que recordava as belíssimas palavras de amor que John Stuart Mill dirigiu à falecida mulher, no ínicio do seu "On Liberty", comentava ele, no tom provocatório que tem sido o nosso:
Cheguei a pensar que o Mill não estava entre os teus...
Cada vez mais, as sábias palavras que há mais de um século foram escritas por Mill são de referência obrigatória para quem ama e tem a Liberdade como o valor primordial a que a Humanidade se deve ater. Quem o tenha lido e não seja insensível ao que se passa nesta primeira década do século XXI, não poderá deixar de se perturbar pela sua actualidade.
Não precisamos ir longe.
Aqui mesmo, neste nosso país.

O governo socialista tem mostrado com clareza que a liberdade de expressão é algo que precisa ser defendido por todos, à esquerda e à direita. Desde os amoques dirigistas revelados pela instituição da ERC, sempre defendidos pelo assustador ministro da informação, Santos Silva, atento vigilante da prática jornalística, às declarações de uma alta funcionária pública sobre a estrita vigilância que mantem sobre o que se escreve acerca de si; desde as demissões de funcionários por fazerem piadas semelhantes às que milhões de portugueses (ministros incluídos!) fizeram sobre a trampolinada do CV do primeiro ministro, às demissões por "deslealdade" para como ministro da saúde.

As certezas de infalibilidade de que Mill nos alertou, são bem visíveis na actuação de quem sente que pode manipular a belo prazer as instituições públicas, para que estas se tornem no veículo de afirmação da Verdade construída para servir os objectivos que o governo estabeleceu.
O mundo, a realidade, não se coadunam com tal? Mude-se o mundo, coloquem-se as pessoas certas nos lugares que mais certamente poderão ajudar a estabelecer a incontestável teoria da omnisciência dos nossos governantes.

Passando além do mundo português, o restante globo não vive também os seus melhores dias no que toca a respeitar a possibilidade de cada um apresentar a sua opinião, a sua ideia e deixá-la sofrer o teste de ser questionada, confrontada, acrescida, estabelecida ou simplesmente eliminada.
Um exemplo recente (confesso que a escolha é provocatória) é o da afirmação da revolução socialista e messiânica de Hugo Chavez. Este tem recorrido à sua posição de controlo dos poderes legislativos e executivos para poder atacar a liberdade de opinião, para silenciar quem divulgue ideias que não se enquadrem no programa que estabeleceu. Desde as suas longuíssimas prédicas semanais na televisão ao encerramento de canais de TV, tudo tem feito para impedir que as certezas que anuncia não sejam contestadas.

A infalibilidade é apanágio de todos os ditadores e desejo de todos os candidatos a deuses, dos pretendentes a serem "mais iguais". Mas só os inseguros e mentirosos podem ter medo de apresentar os seus argumentos e sujeitá-los ao teste da oposição. Quando se recorre a meios que reduzem a possibilidade de apresentar esses argumentos contrários à corrente, apenas se expõe a necessidade de proteger, por meios não racionais, os argumentos de que se dispõe, ou então, de disfarçá-los de verdades não contestáveis ao abrigo de sanções duras. Transforma-se quem contra eles apresenta opinião diversa, fundamentando a divergência, em inimigos do progresso da Humanidade e, muitas vezes, ironia vergonhosa, em inimigos da Liberdade dos Povos. Para tal, numa demonstração de manipulação sem escrúpulos, os votos da maioria são usados para estabelecer essa ditadura do pensamento único. A democracia pode ser um perigosos instrumento no caminho para a aniquilação da liberdade.

Para mim, as palavras de Mill continuam a ser um alerta contra os vendedores da renúncia de cada indivíduo a formar livremente a sua opinião em favor do bem comum, de um objectivo preconizado por aqueles que se colocam acima da turbulência da dúvida.

Nesse sentido, Mill é um dos meus.