Ayaan Hirsi Ali é um exemplo de rara coragem e humanismo, de uma vida dedicada ao ideal dos direitos humanos, da recusa das tradições que aviltam a dignidade dos indivíduos e cerceiam a universal aspiração à liberdade.
Desenvolve uma luta solitária pela defesa dos direitos das mulheres muçulmanas na Holanda, denunciando práticas como a mutilação genital, os crimes de honra ou os casamentos forçados.
Nascida na Somália, em 1969, Hirsi foi também submetida à mutilação genital quando tinha então cinco anos de idade. Provém de uma família vítima das perseguições políticas no tempo do regime de Siad Barre. O seu pai esteve sete anos preso e depois conheceu o exílio na Arábia Saudita, Marrocos e por fim no Quénia, onde Hirsi fez a escola secundária num colégio para raparigas muçulmanas.
Aos 22 anos, estava destinada ao casamento forçado com um membro do seu clã emigrado no Canadá. Mas Hirsi Ali recusou o destino imposto pela tradição e buscou asilo político na Holanda, onde conseguiu uma autorização de permanência. Aí fez a aprendizagem da língua holandesa, sobreviveu nos empregos mal pagos da imigração (foi por exemplo empregada de limpeza) e ainda arranjou tempo para uma licenciatura em Ciência Política.
Cedo percebeu a intolerância que se insinuava no modelo multiculturalista das tulipas, fundado separação das comunidades, na visão (culturalista) de que os comportamentos, as atitudes e crenças são determinados pela cultura de uma dada comunidade. Os indivíduos encerrados na comunidade de origem, numa espécie de apartheid, ficavam submetidos a tradições monolíticas, fora da cidadania (já em tempos escrevi sobre o mesmo assunto).
Foi contra isso que se rebelou Hirsi Ali, alertando a sociedade holandesa para os abusos de que eram vítimas as mulheres muçulmanas, privadas do direito de escolha. Da escolhas simples, como sair com amigos ou vestir determinada roupa, até à liberdade de completar os estudos ou escolher o parceiro para a vida.
Deparou com a indiferença de uns (quando denunciava casos de violência familiar a polícia respondia-lhe que nada podia fazer) e o ódio de outros, os fundamentalistas e as associações dos direitos das minorias reféns dos dogmas multiculturalistas.
Deputada pelo partido liberal (antes passou pelo partido trabalhista, mas aí não lhe permitiram desenvolver o trabalho ao qual consagrou a sua vida), foi responsável por medidas legislativas de combate à violência doméstica, no seio das quais os polícias recebem formação para lidar com os chamados “crimes de honra”; alargou a rede de refúgio para as mulheres , bem como a segurança; lutou por uma escola multiétnica e contra o ensino da segregação e da intolerância religiosa (dificultou o acesso de tais escolas aos apoios estatais).
Pela sua acção política pagou preço elevado, a limitação da sua própria liberdade por força das ameaças de morte a que tem estado sujeita por parte dos islamistas. À semelhança de Salman Rushie. Mas fê-lo em nome daquilo que de mais nobre há no homem : a liberdade.
Termino com uns versos de Rudyard Kipling que resumem bem o que está em causa :
Também Edward. Said, na sua obra “ O Orientalismo”, nos dizia que Oriente e Ocidente são meras construções.