Por Germano Xavier
Quando o governo brasileiro monta na Praia Vermelha, na cidade do Rio de Janeiro, uma estação de rádio que transmitia programas literários, musicais e informativos em condições precárias, ainda não se imaginava o poder que a propaganda iria exercer nos diversos meios de comunicação de massa existentes no país (e nos que ainda viriam a surgir mais precisamente na segunda metade do século XX), principalmente no meio televisivo e no radiofônico. Historicamente, foi com Waldo de Abreu que os primeiros anúncios de rádio vieram à tona, no ano de 1932. Waldo, no “Esplêndido Programa”, da Rádio Clube do Brasil do Rio de Janeiro, juntamente com outros locutores, usou o rádio como instrumento para conseguir a adesão popular à revolução constitucionalista de 1932. Antes disso, não há registro de material de publicidade difundido por esta mídia do ramo comunicativo.
Deveras, é a partir desse momento que, no rádio, dá-se a implantação de uma nova política que intermedeia as várias linhas limítrofes do arcabouço da comunicação, assim começou-se a gerar uma modificação intensa na dinâmica das relações interconectivas envolvendo produtor, produto e público-alvo/consumidor de informação. Com a televisão não foi muito diferente. A influência maciça e massiva exercida pela publicidade no que diz respeito à linha editorial pôde ser percebida de maneira gradativa e constante, chegando hoje a termos a clara evidência de que é quase impossível conceber a idéia da existência de uma imprensa sem o apoio externo dos patrocinadores, posto ser até utópico alicerçar um projeto desse porte sem a ligação das diferentes partes (será que estou mesmo certo disso?).
A imprensa hoje, esteja ela em quaisquer uma de suas modalidades, é extremamente comercial, e quando não declaradamente se coloca como sendo deste tipo, em seus meandros o é. A própria notícia (material “literário”), às vezes, é tida como uma mercadoria. Vende-se a idéia, o pensamento, a conveniência, a troca de favores, modulando assim, muitas vezes, a qualidade e o objetivo do conteúdo que é mostrado, transmitido, revelado. O próprio estado utiliza-se desse artifício - e bem - para passar a idéia “rebocada” das “coisas” que por direito ou justiça seriam do interesse da sociedade.
E por falar em poder público, o Estado é, hoje, um dos setores que mais investem (se não for o maior investidor...) no poder da comunicação, despejando anualmente dezenas de milhões nos cofres já abarrotados das grandes, médias e pequenas empresas do ramo comunicacional. Trata-se, portanto, de uma espécie de estratagema para defender a ideologia do governo, seguindo os seus interesses, os interesses do modo de produção vigente e dos setores mais influentes da sociedade. Neste entrementes, algumas perguntas que não calam seguem tirando o sono de muita gente, e uma delas é a que faz referência a possível existência de um jornalismo sem a mácula da propaganda essencialmente ligada às leis do mercado e do lucro.
A relação existente entre os meios de comunicação de massa, poder econômico e Estado é bastante estreita, e também muito bem fomentada. Pode-se respaldar a presença de uma dependência mútua entre os diversos segmentos, a partir de pequenos indícios de idoneidade em tal relação, o que é de deixar em suspensão muitas dúvidas e preocupações. Há um aproveitamento de ambas as partes para o desenvolvimento generalizado das idéias que, porventura, almejem defender. A manipulação de interesses é marca também expressiva dessa ligação e consequência imediata de um modelo padronizado que acaba agregando valores “desonestos” ao que condiz com a área educacional e de caráter cognitivo do cidadão. As mínimas partes que lhes cabem no todo como sendo “responsabilidade social da empresa” geralmente não conseguem atingir o que poderiam atingir e acabam se transformando em mais uma propaganda falaciosa regada a muita má intencionalidade. Servem-se, assim, a um sistema segregador que, por notórias vezes, faz da imprensa e da comunicação mais um instrumento de cunho oficial, deliberando aquilo que é do interesse do Estado.
É preciso se preocupar com todos estes aspectos, pois, de uma ou outra maneira, falar em comunicação é também falar de educação. Informar passa pela instrução, e isso já resume tudo. Subitamente presenciamos a incorporação, na totalidade dos sistemas comunicacional e educacional, de artigos tecnológicos em suas bases estruturais. A informatização da comunicação, assim como da educação, é hoje fator de destaque para o progresso de qualquer nação – não há dúvidas. Tudo muito útil, porém tudo muito mal aproveitado até agora. A questão aqui seria descobrir o porquê que todo este aparato não vem sendo utilizado para o melhoramento da qualidade na relação mass media X sociedade. Ou todos estes incentivos não passam de propagandas baratas?
Os pilares da comunicação e da educação, antes obsoletos, contam hoje com os mais avançados recursos para a formação e informação do cidadão. Equipamentos antes considerados muito modernos e inviáveis estão se tornando obrigatórios nas salas de aula e nas redações, o que prova a interação natural comunicação-educação. Novos paradigmas de aprendizagem estão sendo elaborados e implantados nestes dois ramos, melhorando assim, tanto a vida do aluno, como a do professor e a do comunicador-comunicólogo. O que se enxerga, todavia, é o mais profundo descaso como o porvir da maioria da população. Materiais mal conservados, sem manutenção e até esquecidos formam o retrato mais puro de todo esse desleixo. Fato que desanima, pois talvez com esse novo “apoio” os índices de analfabetismo não fossem tão alarmantes em diversos países do terceiro mundo, e dos ainda em desenvolvimento. É de admirar que setores governamentais, por vezes, aleguem falta de verbas para serem direcionadas a tais investimentos. Uma maior cobrança faz-se passível de acontecer, pois assim as portas tenderão a abrir na direção de uma educação digna e de qualidade.
Puxando um pouco mais pela história da comunicação brasileira, e ainda mais para aquém do nosso tempo, percebemos que a primeira década do século XIX é marcada pela vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil, mais precisamente no ano de 1808, devido à ameaça de invasão por parte da França de Napoleão Bonaparte. Antes de 1808, era quase que inexistente e inviável qualquer manifestação de cunho jornalístico e propagandístico e/ou quaisquer impressos assemelhados. A Carta Régia, de 1747, impedia o funcionamento das poucas tipografias que existiam e, também, punia os responsáveis pelas publicações. Com muito esforço e falta de planejamento foi possível a criação de uma imprensa no Brasil (Imprensa Régia ou Imprensa Real) a partir da chegada de toda uma maquinaria tipográfica que estava em Portugal.
Havia, deveras, um jogo de interesses muito forte com tal advento: defender os posicionamentos da realeza, ou seja, fomentar uma imprensa oficial. Só que, antes da Imprensa Régia começar a produzir seus primeiros trabalhos, onde se destaca a “Gazeta do Rio de Janeiro”, ocorreu o aparecimento da publicação “Correio Brasiliense”, que era comandado por Hipólito da Costa. Hipólito, hoje considerado o patrono da imprensa nacional, coordenava, redigia e imprimia o “Correio Brasiliense” na Inglaterra, que chegava ao Brasil por navios. Sua ocorrência se deu em junho de 1808, data anterior ao lançamento da “Gazeta”, o que fez causar muita preocupação na camada Real da sociedade. Hipólito defendia inúmeras reformas de âmbito social, posicionava-se contra a Família Real, exigia mudanças e lutava pela concretização da independência do Brasil. Contrastando com a Gazeta, que publicava apenas atos administrativos, cortes, decretos, leis... i.e., o que era de ordem da Família Real, Hipólito foi duramente punido por se portar contra os interesses da realeza. A raiz ideológica, vista do ângulo dos primórdios da imprensa régia, no Brasil, já indicava os rumos que as empresas do setor comunicacional nacional iriam projetar para e no futuro.
O surgimento da idéia e da prática da liberdade de imprensa no Brasil confunde-se com a concretização da independência do Estado brasileiro. A partir da instauração dessa “liberdade” é que surgem os primeiros panfletos e folhetins (pasquins) que, por sua vez, dariam início à pequena imprensa nacional. O pasquim caracterizava-se por não possuir periodicidade – quase sempre despareciam depois da primeira edição -, os textos eram produzidos por uma única pessoa (raros foram os pasquins que foram produzidos por duas pessoas ou mais), abordavam, na maioria das vezes, apenas um tema, usava uma linguagem voraz, “quente”, veemente e possuíam conteúdos partidários. O pasquim chegou a ser considerado anárquico, em sua época devida, em algumas facções sociais.
Com o advento do pasquim, abre-se um caminho onde “quase tudo” é legitimado e licenciado. A voz do povo, mesmo que de forma branda, começava a ecoar. Dá-se início a uma campanha libertária social, de defesa de interesses, de “discórdia sadia”, de debates que, no fim das contas, influenciariam o desenvolvimento político, social e econômico do Brasil. O jornalismo, em si, deve muito ao pasquim, por ter sido ele a expressão de um afã generalizado, onde se iniciava o desejo pela informação, esteja ela levantando a bandeira que fosse.
Mais tarde, o “Sentinelas da Liberdade na Guarita de Pernambuco, alerta!” (nome oficial), publicação sob o regimento de Cipriano Barata, por ter conseguido uma certa constância e periodicidade durante toda a sua existência já se constitui num marco da imprensa nacional. Outras características que o colocam em um patamar de destaque é o fato de ter alcançado um público fiel, principalmente em Recife e em toda a Bahia, por ter defendido e seguido um posicionamento combativo com a disseminação de ideais revolucionários, ou seja, permitindo-se ocupar a esfera pública, criar uma rede de sociabilidade, defender idéias que foram seguidos pelos demais. Cipriano Barata, apelidado de “O homem de todas as revoluções”, confunde-se com o estilo do “Sentinelas”, bravio, de temática contundente e sempre em busca de uma realidade social mais digna e justa. A propaganda, neste idos, ainda não era o que é hoje.
Com o aprimoramento técnico e maquinário, o jornalismo norte-americano começa a enxergar a possibilidade das massas, cuja influência ressoa até hoje na imprensa mundial. “Penny Press” ou “Jornalismo de Tostão”, além de trazer à tona a perspectiva da comunidade, da notícia local, acentuava sua expressividade pelo fator do baixo custo, o que tornou possível a sua visibilidade ampliada e percebida em segmentos sociais onde nunca se imaginaria antes. O “Herald” e o “Tribune”, que posteriormente se fundiram, são os seus maiores expoentes. Já o “Yellow Press” ou “Jornalismo Amarelo”, caracterizou-se pelo tratamento sensacionalista das matérias, agregando valor exacerbado à fotografia, prejudicando a qualidade textual; trazia manchetes enormes (geralmente com letras negras), o que fazia com que a realidade ficasse distanciada e distorcida. O “World” de Pulitzer e o “Journal” de Hearst são seus principais representantes. Tanto o “Jornalismo de Tostão” (Penny Press) quanto o “Jornalismo Amarelo” desenvolveram a maior de suas características: o caráter mercadológico da informação, através do aprimoramento esquemática de suas formas de arrecadação financeira (os assinantes, em primeiro caso, e os anúncios publicitários), além de influenciar o jornalismo brasileiro com a questão da objetividade.
Nélson Werneck Sodré, ao apontar as inúmeras características da Grande Imprensa, deixa claro que a maior peculiaridade desse modelo é o caráter mercantil da informação, ou seja, jornalismo que visa primorosamente o lucro. Para isso, a notícia passa por um processo de transformação e de lapidação, o que não significa um melhoramento em seu teor, apesar de ser mais qualificado, por ter corpo técnico/profissionais. É nesse modo de jornalismo que surge a divisão de tarefas; o corpo redatorial se define. Há uma esquematização do processo de trabalho assalariado. A transmissão das mensagens é feita através de uma linguagem mais adequada e, muitas vezes, padronizada. Há espaço para o jornalismo de opinião, o que não ofusca a relevância maior do jornalismo de informação. A periodicidade é regular e as temáticas variadas. Desse modo, Sodré faz uma análise amplificada do modo atual de se fazer jornalismo, apontando seus aspectos mais duvidosos e, também, seus caracteres positivos, além de assinalar que a “Grande Imprensa” é propriedade de famílias, respondendo a interesses de classe, etc.
O jornal “O Momento”, fundado por Giácomo Dias é relativamente pequeno e regional, todavia, de ambição de massa. O vínculo político/partidário com o PSDB não o impediu de vislumbrar um público mais numeroso, nascido nos idos de 1945, o jornal utilizava uma linguagem simples, mas que conseguia dialogar com os diversos segmentos sociais. A linha editorial era composta pelo trato marcante e diversificado das temáticas que mais interessavam à classe trabalhadora e menos favorecida. Lutava-se contra a carestia, os abusos políticos e as injustiças da sociedade. O corpo redatorial era composto por intelectuais da época, jornalistas, poetas e escritores bastante influentes em meados do século XX. Sosígenes Costa e Jorge Amado são algumas de suas peças mais fundamentais e notórias. A notícia era trabalhada; o repórter tinha de estar presente no local do acontecimento, o que dava mais realismo e credibilidade do conteúdo publicado. Assim, a notícia conseguia penetrar com mais facilidade todos os recantos do leitor. Depois de feita essa análise, podemos considerar “O Momento” como um jornalismo diferente no modo de querer atingir a massa, pois não explicitava a ânsia por lucro – ao contrário, desejava-se a massa através de seus próprios recortes, pensando de maneira notável na influência do modo de fazer jornalismo social, podendo ser também considerado referência para outros jornais por ter colocado em pauta temáticas sociais relevantes, como a luta dos trabalhadores, em contraste com jornais como A Tarde, O Globo, Folha de São Paulo e Cia, possuindo também periodicidade e noticias locais, apesar de ser partidário.
Dito isto, é mesmo impossível pensar em comunicação sem a visão lucrativa da coisa? É mesmo impossível informar formando? Mas, e a função da propaganda... não é a de propagar algo, uma idéia? Por que não usá-la para a propagação de um bem inquestionável, o do direito à cidadania plena? Por quê? Falar em cidadania é falar em liberdade, que, nos dias atuais, é uma tarefa difícil, dificílima. Agora imagine se o devido tema estiver ligado à palavra "Imprensa". Em épocas tão conturbadas e de custosos afloramentos de sensibilidade, a autonomia de pensamentos e idéias nos meandros de uma sociedade é, cada vez mais, assunto de destaque em discussões envolvendo profissionais do setor jornalístico, entre outros. Todavia, como é possível tratar esse objeto se, a cada ano que se passa, o número de jornalistas assassinados aumenta consideravelmente - só para citar um exemplo de "trucidação no meio"?
A população tem por direito conhecer os principais fatos que, cotidianamente, sufocam e despertam o seu interesse. Mas, se as pessoas encarregadas de levar a informação para todos os segmentos da comunidade estão sendo liquidadas, torna-se quase que impraticável o advento da liberdade de imprensa. A atividade de informar e opinar está se tornando um artigo de luxo, fomentando assim um povo débil e acrítico consumidor de asneiras modistas. Somente com o alimento da informação é que os indivíduos alcançarão o título da cidadania plena, com certa independência e capacidade para gozar de suas justas regalias. É incompatível depositar credibilidade na existência da falta de interesse dos jornais e dos próprios jornalistas, quando se trata da transmissão de notícias.
Saber compartilhar princípios de caráter básico sem prejudicar a transparência da comunicação é, atualmente, o maior desafio da imprensa em todo o mundo, e que deveria ser também da propaganda que usa dos mass media para existir e dar vazão aos seus pressupostos. É mais que necessário, em tempos de informação globalizada, que o acesso desse tipo de constituinte formador às comunidades mais desprezadas seja facilitado através de novas políticas de integração social. Não há mais espaço para nenhum modelo de censura no campo da comunicação. Vaidades à parte, a liberdade de expressão tem de assumir, verdadeiramente, o caráter de ser um manifesto livre de aprisionamentos. Só assim a imprensa e o jornalista serão capazes de, juntos, exercerem suas devidas funções perante a sociedade, começando por injetar doses e mais doses de esclarecimento ao povo.