segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Retalhos VI


Por Germano Xavier

LVI

Muitas vidas se resumem a isto:

.

LVII

Cego é quem enxerga cor.
Quem emprega valor.
Quem se sente reitor.
Quem não sabe do amor.

LVIII

O brasileiro é um garrote que está no curral para fim de confinamento, rumo ao matadouro.

LIX

Assim que se tentar renunciar às respostas esquemáticas do determinismo psicogenético, as questões (elas próprias) se voltam e se enriquecem.

LX - (Primeira sinopse escrita para o curta-metragem Noturno)

Produzido nos meses de junho e julho de 2006 por alunos do curso de Comunicação Social - Jornalismo em multimeios do DCH III/UNEB, o curta-metragem Noturno dialoga com algumas das inúmeras faces da noite e sua simbologia. A partir de diferentes pontos de vista, o filme mostra a magia e mistério vividos por personagens da cidade baiana de Juazeiro, que revelam os perigos e encantos da noite.

O Filme foi produzido por Álvaro Luiz, Ecliz Rodriguez, Germano Xavier, Inês Guimarães, Leônidas Vidal e Patrícia Telles.


LXI

a travessia
em flertar
em fluido ar
estar instante
a instância
magnética do
rioverde


LXII

ouço passos lá fora...
é a vida caminhando caminhos.


LXIII

Poeta-me, que eu te conjugo!
Transfigura-me, que eu te arrebato!
Ponha-me de pé, que eu te desfaço!

(Não sei o que me acontece. Sempre perco para as palavras.)

LXIV

Eu já lhe disse que era um presente. Você já viu alguém pagar por um presente? E não adianta recusar o meu PRESENTE, porque eu não aceito devolução. Isso é uma ordem!

LXV - (Story-line sobre o documentário "Buena Vista Social Club")

Depois de quase 40 anos de inatividade, velhos amigos se reúnem novamente para relembrar estórias e, principalmente, tocar juntos. Numa ótica bastante abrangente, os melhores músicos cubanos de toda uma geração provam que para a boa música não existem fronteiras.

domingo, 30 de outubro de 2011

Retalhos V


Por Germano Xavier

XLVI

Ele sempre apertava as mãos
dos outros
com uma delicadeza de pássaro...

Depois se recolhia,
no cantinho,
a pitar um cigarrinho medicinal.


XLVII

Eu,
imprevisível,
feito o mar,
desabando,
rijo,
no profundo oceano
de mim.


XLVIII

Meu melhor professor me ensinava a desaprender.


XLIX

O guarda, em sua guarita, anota em branco o dia que passa.


L

Contra ou a favor do modernoso stablishment, melhor cortar radicalmente o cabelo.


LI

Na morte da burrice, o professor foi o perito.


LII

A mulher de quarenta e quatro anos acordou e o seu coração entrou em jejum.


LIII

Quase amarelo o sapatinho guardado de andar à vontade, à vida.
Mulher de bolsos e blusas, pulseiras e pulsos.

De pulsos.
Aranha-armadeira.


LIV

Primeiras palavras de poemas que comecei a escrever e que jamais terminei.

Eu sou..
O amor é...
A vida é...
Preciso de...
Gosto mais de...
Prefiro o...
Conheço a...
Caminho para...
Cheguei ao...
No fim do mundo tem...


LV

Rá! Rá! Rá!
E ela pediu que a professora resumisse a vida numa só palavra...

Sem Título


Por Germano Xavier

Suportas o delírio da vida?
Suportas?
És forte assim, fantasma convulso?

Inda não sou bem homem,
bem velho.
Inda me perco entre sonhos
e sonhos...

E há sonhos?
Para que serve a poesia?

sábado, 29 de outubro de 2011

Retalhos III


 Por Germano Xavier

XXXI

Ontem, enquanto esperávamos pelo ônibus, acabei dando uma aula particular sobre poesia. Não desconfiava ela que eu estava apenas lendo os versos impressos nas páginas carameladas do seu olhar.

XXXII

Todas as minhas vontades me ocorrem silenciosamente, como a atitude das brisas. E de repente: Bummmm!!!

XXXIII

Um baú antigo?
Talvez
tudo o que nele estiver contido,
ou nada.
Sei que não há meio termo entre os homens.
Ou se é ou não é.

XXXIV

Primavera...
O que há de novo sobre a Terra?
Por que as flores colorem a vida?
Quais os motivos?
...
se acaso essas mesmas flores,
silenciosas,
irão ao chão...
Primavera.

XXXV

Amar poeta
C.D.A.
Mágica
Palavra:
Poesia.

XXXVI

Tudo aprendo no silêncio
ensimesmado dos meus muros
de azul. E é sorvendo
calmo o instante de ataque
que fabrico minha mágica de viver.

XXXVII

O que se faz com o verbo
no escuro de uma sala escura
é, no mínimo, muito escuro.

XXXVIII

E ela desenhava
em minha mão
sempre um coraçãozinho.
E me dava aquilo uma tristeza...
Toda vez,
manhãzinha,
olhava eu para a mão
e nada,
e nada do coração.

XXXIX

Nauta
em naufrágio?
Previsto,
esqueci das velas.
Dia sem vento:
vou de medo.

XL

A carteira é arrastada
feito a vida nossa:
é o fogo instantâneo do mundo!

XLI

Amanhã eu vou comprar a minha liberdade!
Eita dia que não chega!

XLII

O som da vida estala
indiferente
à minha espera,
desesperada,
tão inocente,
que mesmo calado,
num quase existir ausente,
sinto um reboar de sons
tão eloqüente
vindo de dentro
deste meu reino tão distante

XLIII

Em pino,
não o sol,
mas o artifício da luz.

XLIV

No poço artesiano de mim mesmo,
eu nem bem sei se me encontrei...
Mas como é bom me sentir todo repartido,
um pouquinho em cada
gotinha de chuva que escorrega
destas terras grandes...

XLV

Um pensamento pousou cor de canário em minha janela.
Cor de canário em minha janela
pousou um pensamento...
Depois bateu suas asinhas,
bateu...
bateu...

Reticências


Por Germano Xavier

qual o peso das certezas
que carrego nestes dias
de luto interior
em que me destituo
do que sou e estando
o não-ser me desconfiguro
como quem perde a face
diante dos diamantes?

Realidades essenciais


Por Germano Xavier 

“As coisas falam. Eis o indizível.”
(Afonso Felix de Sousa)

Move o teu moinho, sonhador
e errante e vazio, das frouxas potências
sempre repintadas, e afoga-te
no teu soluço e – ai! – nas lufadas,
anteriores ao teu próprio espectro,
do teu deambular sozinho.
O humano é quando cristal o pranto,
caído em ondas. Colhe, do teu olivedo
mais sofrido, o instante íntimo
de sazonar-te. E singra-te,
sem medo, no mar do teu silêncio,
que a poesia da vida é dura,
meu caro, pétrea.
Roda tuas pás, teus ferros de tanta dureza,
mesmo ao vento, quase sempre tácito
e azul, na direção de tua criança,
guardada, em espantos. Roda tuas pás
homem-pastor, e desgoverna-te, forte
em tua chama, para fora de tuas aves
de ilusão, que o amor te tem,
e ele, carne do teu mundo, vela,
envolto em águas dominantes,
a paz do teu sono meninil.
Volta à tua porta ancestral – ao teu vestíbulo -;
deposita a chave de tua tarde, alcançada em ausências,
no colo do teu branquejo galopante, e escancara,
febril e dourado, a tua nave corrompida.
E deixa – ai, deixa! – que o beijo do teu entusiasmo,
suspenso em nuvens, construa em ti
o indelével e puro obelisco de amar,
mesmo sabido como de rica florada:

eis, assim posto, do ocupado da poesia, teu maior poema.

Rádio Curaçá FM 87,9 MHz


 Por Germano Xavier

Ontem fui convidado, agora oficialmente, a fazer parte da equipe de cronistas do portal da Rádio Curaçá FM. Mais um suporte para a minha inveterada paixão pela escrita e, também, uma prática cidadã que reforça a minha vontade de gerar, com a publicação do que escrevo, sensações diversas nos leitores. Assim que o primeiro texto for publicado, informarei a todos por meio do blog Clube de Carteado. Agradeço a oportunidade de expressão à equipe da Rádio Curaçá FM, nas pessoas de José Alberto e de Delaides Rodrigues, que descobriu meus escritos via internet. Espero ser mais uma ponte para despertar na sociedade a reflexão, a construção do saber e, por que não dizer, o prazer pela leitura.

Com atenção, Germano V. Xavier.
www.curacafm.org.br

Janeiro de 2008

Quinze segundos


 Por Germano Xavier

amor:
história em quadrinhos

amor:
coluna social

amor:
mitologia pagã

amor:
deserto do Saara

amor:
tronco de baobá

amor:
magia de Merlim

amor:
homem?

Questionário


 Por Germano Xavier

- Quem és tu, moça?
- Que tu plantas?
- Por que me luzes?
- Por que me cantas?
- Por que me tintas?
- Por que me voas?
- Por que me sublimas?
- Por que me tanto?
- Por que me quando?
- Por que me ontem?
- Por que me hoje?
- Por que me andas?
- Por que me vives?
- Por que me contas?
- Por que me livras?
- Por que me vozes?
- Por que me brilhas?
- Por que me calas?
- Por que me gritas?
- Por que me dias?
- Por que me tardes?
- Por que me noites?
- Por que me almoças?
- Por que me jantas?
- Por que me lavas?
- Por que me espelhas?
- Por que me vestes?
- Por que me calças?
- Por que me ruas?
- Por que me sonhas?
- Por que me dormes?
- Por que me acordas?
- Por que, moça?
- Por quê?
- Quem és tu, moça?
- Que tu plantas?

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Semblante

*

Por Germano Xavier

trazer no rosto
o traço duvidoso
a vasta calamidade

esconder na pele
(no embalo)
o vento sombrio
mensageiro das chuvas

deixar que os poros
editem a vida
no que ainda insiste


* Imagem: http://www.deviantart.com/art/chama-se-estar-so-107908153

Opostos


 Por Germano Xavier

Enquanto alguns comemoram a vida,
enquanto outros rumam em direção ao paraíso,
continuo a me deliciar por ser a larva que sou.
Enquanto muitos sujam seus uniformes
e maculam suas peles,
eu do meu lado aprendo a aprender.
Enquanto você se masturba com ilusões
de algo que faz do teu ego assunto tão ordinário,
espero o tempo dizer o que devo fazer.
Enquanto dependes de drogas para o prazer,
escuto a música que diz em sons mortais.
Enquanto desfilam pelas ruas trajando a falsidade,
enquanto alguns dão risadas pelos cantos,
prefiro não mostrar os dentes da hipocrisia.
Enquanto cospem no rosto do amigo
e perdem peças fundamentais dos seus tesouros,
enriqueço vendo sofrer as consequências de um mundo perdido.
Enquanto se debruçam e se matam pelo dinheiro,
cruelmente festejo os insucessos
e torço ainda mais pelos fracassos.
O meu lado é oposto.
Do pomar que cultivo os frutos se alimentam.
Enquanto esforças para ter o que ostentar
e mostrar a todos com o horrível orgulho quem és,
contento-me com minhas origens e humildemente construo minha casa,
que ainda sem reboco, chora de tristeza por ter sido erguida ao lado
de residências pintadas com as cores das desgraças dos homens.

Ofício


 Por Germano Xavier

Quanta angústia ao ver a folha em branco.
No seu quarto, sozinho, ele sonha.
Quantos desejos, e um lápis na mão.
Numa noite, inspirado, ele chora.
Chora ao ver seu personagem morrer.
As lágrimas refletem o seu espírito.
Compenetrado em seu ofício, o tempo
passa. Passa, lentamente, o tempo.
O homem não é mais o poeta.
Tem os seus relatos em linhas imaginárias.
Submisso às palavras, ele agora
sente florescer uma alegria e uma dor.
O silêncio faz-se companheiro.
A lua, da janela, os olhares...
Produzindo versos sobre um assunto,
ele repara, apaga e retece.
Num momento, obstante, ele refuga.
O poeta respira, profundamente,
e da morte vai e se entrega,
quando de longe não mais se envaidece.
O poeta é mais uma criança,
a casa que abriga, a todos.
O poeta não é mais que uma mãe,
quando, do colo, vê seu filho nascer.

Das letras supostas


ao Germano Xavier


No princípio era o Verbo,
Mas antes do princípio
Que verbo era esse que
Anunciou-se na ruína breve
Da primordial poesia?

Que artes essas, poemas
Ofícios do silêncio,
Atalhos dum coração inculto,
Que anunciados como início
Da origem de todas as coisas
Findas e infinitas,
Que se tocam e não se tocam.
Onde acabarão,
Antes do seu primeiro princípio?

Onde se esconde o inicial silêncio,
Fonte original de todos os pecados,
Da palavra mais pura?
Onde se guarda esse sinal e perfil,
Da letra
A que dura, nasce e morre
Como se fora o verso original?

Onde e em que princípio?


Poema escrito por Leonardo B., Colmeal Velho, Portugal.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Objetos


 Por Germano Xavier

Tudo no meu quarto está suspenso,
neste instante de mim quieto.
A mochila vazia no prego,
pendurada, espera a aventura
perdida nas alças plásticas.
Os livros parecem estar descansando.
Da estante de madeira escura
eles me olham numa quase indiferença nua.
Objetos esparramados na mesinha
não tocam o chão. Tudo está
suspenso como esta névoa
adelgaçada que balouça as cortinas
soturnas do meu ser.
Do alto dos meus pensamentos
espero a morte descer de sua liteira
aveludada, e enfiar a espada mortal
que perfurará a carne de minha metáfora
mais viva:
e eu poeto.

O vertical


 Por Germano Xavier

b
i
c
h
o

h
o
m
e
m

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Nada muito sobre filmes (Parte XXV)

*

Por Germano Xavier


OS AMANTES PASSAGEIROS

OS AMANTES PASSAGEIROS (2013), de Pedro Almodóvar, pousa sua narrativa no interior de uma aeronave da companhia aérea Península, que por motivos esdrúxulos, corre sério risco quando da aterrissagem. Enquanto nada se resolve com o serviço de apoio, o comandante fica voando em círculos. Nesse ínterim, três tripulantes dopam todos os passageiros da classe social, assim como as aeromoças, com a finalidade de estancar o pânico. Os que continuam sóbrios, pelo fato da morte próxima, revelam-se de todas as maneiras. Um filme diferente, com todas as cores de um Almodóvar, e que em muitos momentos me fez recordar o cult AIRPLANE! (Apertem os cintos... O piloto sumiu!) Comédia inteligente. Vale uma espiadela!


LITTLE BOY – ALÉM DO IMPOSSÍVEL

LITTLE BOY - ALÉM DO IMPOSSÍVEL (2016), de Alejandro Monteverde, é um daqueles dramas que nos emocionam facilmente. Na trama, que tem a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo, o garotinho Pepper mantém uma relação de muita aproximação e amor pelo seu pai, com quem vive aventuras e fantasias inenarráveis. Quando seu pai resolve ir para a guerra no lugar do seu irmão mais velho, Pepper fica profundamente triste. Apelidado de Little Boy pelos "garotos da rua", por seu tamanho reduzido para a idade, Pepper investe em sua fé, segue uma "lista mágica" cedida pelo padre da pequena cidade de O'Hare, Califórnia, onde mora, na esperança de reencontrar seu pai. Daí em diante, muita coisa acontece. Até o inacreditável acontece. Para os desavisados, LITTLE BOY foi o nome dado à bomba nuclear lançada em Hiroshima em 6 de agosto de 1945. Recomendo a todos os mortais!


O ABRIGO

Não se deve confiar em tudo que se lê, ouve etc. O ABRIGO, de Jeff Nichols, provou isso para mim. Esperava ver algo meio hitchcockiano. Achei-o penoso. Mas, como disse, não é bom confiar em tudo que se lê, ouve etc. Boa sorte!


E.T. – O EXTRATERRESTRE

Até poucos dias atrás, eu ainda não tinha visto o longa-metragem E.T. - O EXTRATERRESTRE (1982), de Steven Spielberg, um dos grandes clássicos hollywoodianos do gênero ficção científica. Para a época, deve mesmo ter sido uma produção bem chamativa. Olhando-o no agora, confesso que não me causou grandes ou bons "espantos". Talvez eu devesse pegar uma máquina do tempo e regressar até o ano de seu lançamento para que minha ideia sobre o filme mudasse. Aliás, a infância é o ponto crucial da trama. Lendo sobre o filme, descobri que o rosto de E.T. foi elaborado tendo como molde as faces do poeta Carl Sandburg e do cientista Albert Einstein. Loucuras à parte, ei-lo! Sigamos!


CHATÔ – O REI DO BRASIL

Eu tinha cerca de 20 anos quando toquei pela primeira vez o calhamaço biográfico intitulado de Chatô - O Rei do Brasil, escrito por Fernando Morais, ali pelas prateleiras da biblioteca do Departamento de Ciências Humanas III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). O livro me chamava a atenção, por seu autor, pelo tamanho e pelo conteúdo. Chatô é matéria interessantíssima para qualquer estudante de jornalismo, hei de pensar. É história da imprensa nacional, do mundo. Faz parte, apesar de tudo. Magnata insólito das comunicações. Dono de quase tudo em seu tempo. Fez e desfez. Insano, taxado de mil coisas. O filme homônimo, CHATÔ - O REI DO BRASIL (2015), dirigido por Guilherme Fontes, depois de 20 conturbados anos de produção, conseguiu vir à tona. Apesar de um tanto confuso, a película passa uma noção básica deste Assis Chateaubriand, para quem anúncio era dinheiro e notícia era perfumaria. Recomendo a todos os mortais!


CONTATOS IMEDIATOS DE TERCEIRO GRAU

Mais um antigão do Steven Spielberg que pude ver recentemente. CONTATOS IMEDIATOS DE TERCEIRO GRAU (1978) tem até o diretor François Truffaut no elenco, para minha grata surpresa. O filme tem como mote a obsessão de um homem, Roy Neary (Richard Dreyfuss), morador de uma pacata cidade norte-americana, ao pressentir a chegada de seres extraterrenos. Depois de muita investigação e enfrentamento, parte em debandada para um local em específico, onde acredita ser estratégico para um possível contato humano-alienígena. O filme tem status de grande obra cinematográfica de teor sci-fi. Ao fim, não me arrependi de tê-lo visto. Vale a experiência, bucaneiros. Sigamos!


HOWL

A dita Geração Beat (Beat Generation) estará sempre atrelada ao marco da contracultura em todos os cantos do mundo, em todos os tempos. Para tanto, a literatura foi berço de expressão para nomes explosivos, a citar os de Kerouac, Burroughs, Ginsberg etc, que "pregavam" a "desobediência civil" e a criatividade espontânea, instantânea. O filme HOWL (2010), dirigido por Jeffrey Friedman e Rob Epstein, retrata com autoridade um pouco do que foi o impacto da publicação do livro UIVO, de Allen Ginsberg, em meados de 1956. Acusado de obsceno, o livro foi levado a julgamento nos Estados Unidos. HOWL é discretamente profundo, a ponto de ferir corações poetas com golpes contundentes de mais-amor pela palavra. Mais um belíssimo filme que traz a arte literária como protagonista. Recomendo a todos os mortais!


* Imagem: Google.

O sonho do poema


 Por Germano Xavier

O sonho do poema,
o seu maior sonho,
é o sonho da coexistência,
o sonho da confluência total.

O poema sonha ver sua matéria palávrica
tornar-se baú de imagens
na cabeça do homem.

O poema sonha desesperar-se
e jamais ser encontrado
(o poema sonha mesmo
é em se deixar encontrar
pelas crianças curiosas...

pelas crianças curiosas que existem em nós).

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O preço


 Por Germano Xavier e Luís Osete

Qual o preço do desrespeito?
Esta baleia, que nas profundezas abissais, macula a água salgada do vermelho ostracismo.

Qual o preço do ostracismo?
Esta borboleta que se cinza para alçar vôos, até onde não se alcance a imagem de ser mutante aos olhos da injustiça.

Qual o preço da injustiça?
Este animal pensante, ó pobre homem, que a cada ensejo, gesto, átimo, pulsar ofegante, vive na sombra de um outro homem mitificado numa vil glória, retrato da indiferença.

Qual o preço da indiferença?
Leão dourado vertendo por estes campos áridos, agarrando-se a todo ser vivente e jogando-o no esquecimento.

Qual o preço do esquecimento?
Esta saúva em sua caminhada eterna com seus embornais. Fica no caminho o registro de toda a sua brevidade.


Vestígios de um passado juazeirense, dum cubículo onde morríamos vivendo. Por Osete, com contribuições ínfimas da minha parte, em 2005.

O pensamento do dia


 Por Germano Xavier

meu bem,
a loucura está
em pensarmos
que só a morte pode
nos curar
dos falsos milagres

o gasto
naufrágio
é a própria vida,
e a morte...
a morte é sempre
quando alvora
o dia

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O nome errado, calam-se os homens


 Por Germano Xavier

semana de se visitar o teu estranho
país. é sempre.
senhor de todos os poderes,
enxame de palavras,
o vosso fagote soa fanho?
incluo nesta introdução de obra
minha doce ira faiscante?
que dirá o aprender, o transformar,
se vossos filhos despolarizados
andam?
semelhante diário íntimo
o de se ser o outro
viandante
e vagabundo.
pelo menos figura-se, assim,
vastas inutilidades importantes.

O grande truque


 Por Germano Xavier

Sonego o sono da voz e descubro:
minha rouquidão me esconde do que sou
feito, do que faço parte, do que habito.

Minha febre é um aviso: estou farto de tudo
que não me conjuga, verbo avesso
deslocado dos ombros dos ilusionistas.

Minha pouca doença (meu corpo ainda novo,
apesar da alma rodada), abraça o meu ser
diante do que mais sou, do que mais sei,
que é selar colheitas e ser palavra.

No fundo de tudo, escrevo apenas meus sonhos
(pois tenho mais de um). Antes, porém,
faço justiça perante o grande truque:
Valente, encanto os outros de poesia.

domingo, 9 de outubro de 2011

O descanto



 Por Germano Xavier

A morte comove os pássaros,
apaga o canto do quintal aceso
na tarde vermelha que cai.
A morte é o desacordo
entre o que vive
e o que teima.
A morte desacorda
a manhã ainda impraticada
dos meus soluços e pigarros.
Ainda persisto e ofego
em meus caminhos,
como quem busca a armadura
do silêncio azul, intransponível.
Ágil é a lida que passa,
este automóvel de ouro
que nos carrega corpos,
que nos carrega almas.

Morrer é também estar presente
na justiça dos catafalcos.
A morte é a importância
da vida,
a doação de um espaço criança,
que quereria brincar sorrisos,
derrubar os mais altos castelos
de pedra e inverdade.

Morro uma, duas,
até três vezes por dia...
Até a hora que já não suporto
mais o peso das desgraças,
e caio, em toneladas,
em campos de sono raso.

Toda palavra, todo poema,
tudo que de mim sai
em giros de carrossel,
acaba sendo porções de morte
que minha misantropia me faz
esconder em glórias egoístas.
E imaginar que a glória que sinto
não é de mais ninguém,
senão do arcanoso egotismo.
Ó morte minha diária,
dor do meu peito sempre aberto
a abarcar o mundo inteiro
e toda esta gente,
vêm e leva-me de vez
em teu carro de cortinas negras,
que eu não suporto mais
este meu estar vivo e morto
e sempre...
Que agonia!

sábado, 8 de outubro de 2011

Nipônica métrica



Por Germano Xavier

Largo, o caminho; estranha
a sensação de sentir-me
o espectro da amplidão...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Mundo da lua



Por Germano Xavier

Os ventos borrifam árvores.
A lua, nos seus sóis anoitecidos,
cresta com lanças de luz
os sumos das estrelas.

Por isso, os meninos que
vivem no mundo da lua
estão sempre bebendo nas catedrais
as auroras
e os crepúsculos
que irão nos futurar para sempre.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

As pílulas poéticas de Paulo Leminski: entre o incenso da Ditadura e a música da Realidade

*
Por Germano Xavier


“O homem cognoscente é simplesmente o guarda da realidade.”
(W.Luijpen)


Paulo Leminski, o Polaco, foi mais que um poeta contemporâneo, foi um artista da palavra-ação, com a incomum capacidade de encobrir – clareando-a, diga-se de passagem - a nefasta realidade prevista para além da ordem do dia com uma poesia do olhar diário, rápida tal qual um flash fotográfico, agregadora como se fosse uma última respiração, que não se esforçava em misturar toques concretistas a um lirismo de abraçar e aconchegar os mais gélidos corações. Mais que atuar como poeta de uma nação desequilibrada pela Ditadura Militar e todas as outras privações oriundas de tal período, Leminski mimeografou durante sua vida toda uma marca poética que se caracterizava pela erudição, mas também por um excêntrico coloquialismo.

Curitibano, nascido em 24 de agosto de 1944, Leminski falece em 1989, aos 44 anos de idade. Morte de mais um corpo comum, mas antes a redenção de mais um poeta imortal para compor a “poesia una” do mundo, como diria Elias Canetti, Nobel de literatura premiado em 1981. É dentro da esfera de autoridade do Regime Ditatorial que Leminski invade o espectro da poética nacional, no ano de 1976, lançando seu primeiro compêndio de poemas, intitulado de Quarenta clics em Curitiba, uma espécie de portfólio onde seus poemas brincavam de produzir e desconstruir sentidos ao lado de fotografias de Jack Pires. Antes disto, já havia burilado na prosa de ficção, com o experimental Catatau.

O incenso da poesia leminskiana, de ordenação clandestina e transitória, faria elevar em quem o lia ainda mais o afã pela bravura de ser quem se é, alimentando o recrudescimento perante os mandos de um determinado poder absoluto, direcionados a partir de um grupo seleto de pessoas. A literatura, observada aqui como um direito inalienável do ser humano, como preconizou Antonio Candido em um de seus Vários escritos, agiria impulsivamente, inicialmente à surdina, para depois vingar em forma de incontestável potência num travar-se em batalha contra toda e qualquer artimanha governamental que levasse em conta a violação de regimentos e leis – e tudo feito de maneira abrupta e constante, como se sabe – que tinham como destinação maior o desrespeito às liberdades civis dos brasileiros.

No Brasil, o movimento militar de 1964 determinou o fim de um período de liberdade política como nunca havia existido no país até então. As liberdades públicas foram gradativamente extirpadas e engolidas, estranguladas sem maiores explicações. A situação do povo brasileiro ficou ainda mais comprometida quando, no ano de 1968, foi decretado o Ato Institucional Nº 5. Depois de instaurado o AI-5, seguiu-se uma fase brutal de violência e repressão. Ao final de todos os embates, os 25 anos de Ditadura deixaram marcas profundas nas reminiscências históricas da nação tupiniquim.

Em uma sociedade amedrontada pelos fantasmas do movimento militar iniciado em meados da década de 60 do século passado e que, ainda nos dias atuais, convive com camuflagens de tortura, de repressão, de intimidação e de terror, a literatura exigiu num endereçamento de si mesma para o lugar do outro ou vice-versa – o do ser-leitor, num fenômeno baseado em um sentimento de alteridade, mesmo que de maneira consideravelmente tímida nos primórdios -, um lugar de respeito para se efetuar impressões e processamentos vários de natureza combativa e/ou contrária ao controle social e político despótico empregado no país naqueles idos.

Impedidos de falar, de expressar suas opiniões em plenitude, muitos artistas, poetas, jornalistas, escritores e pensadores em geral, foram impelidos a criar estratégias para fazer vingar a alma de suas palavras e de suas inquietações. Se de um lado, Platão e Aristóteles fizeram questão de destacar que a mais irredutível marca da tirania é, obviamente, a ilegalidade ou o exercício do poder pelo desejo absoluto de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, de outro lado muitos dos grandes personagens deste Brasil nebuloso preferiram acreditar no poder do verbo, do verso, da canção, do manifesto irônico e em tantos outros meios para debater as imposições deflagradas e notoriamente retirar espaço de tudo o que tivesse sido ocupado com o uso da força ou da fraude. E Leminski foi um destes.

Imerso em todo este panorama, Paulo Leminski escolheu suas armas: o poema curto, o verso torto, a naturalidade obsessiva do haicai, o inteligível das construções simples, o escracho crítico e a piada sincera, o ditado sem normas, o hermetismo das singularidades das coisas plurais, a experimentação como objeto de vida, a ficção criativa ao extremo. Outras tantas, também. Concretista nos anos 60, inventor de equadores díspares nos anos 70, poeta musical nos anos 80, a verve leminskiana é a de um poeta vanguardista, de braços abertos à marginalidade estético-estilística da época, em que é ele próprio o verso sem definição plausível ou requerido, porém providencial.

Polemicista e agitador do caos, do diferente, das rouquidões de tanto gritar por respeito às diferenças várias, Leminski pautou em suas distorções musicais e entonações poéticas todo um plano de consideração diante das diversas singularidades humanas. Foi e ainda é um poeta que conversa com todos ao mesmo tempo, do mais pobre ao mais rico, do menos letrado ao mais letrado. Como se sabe, Leminski não discutia com o destino, assinava o que pintasse em sua frente, parafraseando um de seus poemas mais conhecidos. Desta forma, seguiu um caminho que, se solitário, oportunizou a si um tempo necessário para lapidar sua voz poética aos extremos da perfeição.

Mesmo sem levantar bandeira em ostentações comuns a muitos de sua mesma laia, o poeta estreitou a ligação entre a literatura e a vida como um dos nossos muitos direitos irrevogáveis. Ao fazer isto, num tratamento lento para com as coisas do amor mais real, aquele que brota do âmago dos seres, o poeta do bigode acenou burlar o estado natural das normalidades incontestes, fez vadiagem com o sentimento de que podemos sempre ser mais do que somos agora no presente, torceu o pescoço das palavras em prol de uma ruptura com o banal, orientando-nos a nos reorientar sempre que preciso fosse.

Leminski, no supracitado processo, não nos orienta a um lugar possível. O lugar possível não existe nem faz-nos existir. Ao contrário, desorienta-nos porque não oferece um caminho facilitado para se chegar nem ao início e muito menos ao fim de algo ou alguma rota pré-estabelecida. O caminho leminskiano é o da verdade. Verdade enquanto inocência, verdade enquanto pureza. O poeta, sabedor das interferências do mundo em nossa humanidade, ofertou-nos a possibilidade da procura do sentido vital através de uma enorme avenida onde a poesia, instalada no cotidiano, é o ponto de partida para tudo.

Ao se tomar como ponto de partida o sentimento de alteridade, aquele em que o outro se transfere a outra esfera de sentido, sendo-a em sua inteireza, já que participa de toda a problemática das construções, podemos fazer uma leitura de toda a literatura leminskiana como sendo ela a presença deste outro em cada pessoa transformada, em cada verso escrito e lido e vivido como se último suspiro, em cada rompimento advindo daí como numa necessidade bruta, como numa necessidade de reconhecimento e também de autoconhecimento. Paulo Leminski não fazia poesia à toa, ao léu, a seu bel-prazer. Sabia ele, perfeitamente, que o lugar da literatura na vida das pessoas é o mesmo lugar do sangue no corpo, o mesmo lugar do sonho na alma.

Leminski parece compreender que, tal qual uma arma branca, o poema – ou a literatura em si - é uma lança afiada que perfura as estações do nada no humano, o fogo lento que faz e desfaz o que somos para nos tornar melhor a cada novo passo empregado em direção ao presente, que nada mais é que uma prévia do futuro. Concentrado em não se concentrar em absolutamente nada além de seu fazer artístico-literário, Leminski pariu desejos de juventude, formulou sentimentos de revolta, geriu sensações de liberdade, invocou percepções de transcendência, cobriu o mundo de impressões de verdade, que subsistem a partir e após a sua própria trajetória de vida, sinônimo de lealdade ao que tanto se amou ou se quis amar.


REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia. Cultura letrada: leitura e literatura. São Paulo: Editora Unesp, 2006.
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.
CANETTI, Elias. A consciência das palavras. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.
JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012.
JÚNIOR, João-Francisco Duarte. O que é realidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
WALTY, Ivete L. C.. O que é ficção. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.




Outras imagens:






* Imagens retiradas do Google.

Molde para um não-eu


 Por Germano Xavier

escorrego em planos
panos
plenos
do negro
da coletividade

e me des-
faço
a cada passo

mormaço
do maço
do cigarro aceso
a queimar o passo
do meu passo
pássarogeiro

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A branca cor dos vazios


 Por Germano Xavier

a branca cor dos vazios
morre quando amamos
a precisão

a perfeição
é fazer do branco o conteúdo
que erra
ou aquilo que sai da oficina

por isso o nada é vasto
horizonte de indefinição

por isso a cegueira branda
destes olhos que nada veem
além do vão
e o não

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Minha língua- sua história



Por Germano Xavier

Do Latim o tronco maior, o busto de ferro.
Não nasceu pronta, na Grande Praça arranjou-se.
Fez casa no Lácio, peninsular língua do mundo.
Guerreada com sangue de soldados, imposta
como lei, jogada ao vento, maltratada,
voz de conquistas e vitórias.

Minha pátria-língua, minha língua-mãe.
Minha língua sem ilhas – oh, primaz Portugal!

De êxitos políticos, gritada por generais,
ameaçada por impérios invasores, língua
quase cortada: língua transportada.
Nos navios mercantes, nas crianças brincantes
que pulavam muros, nos negócios,
norte-sul-leste-oeste...

Minha pátria-língua, minha língua-mãe.
Minha língua sem ilhas – oh, primaz Portugal!

O resmungo da elite, o protesto do povo,
o português-gema, todo o ovo, o poder
das gerações. O império ruiu, mas
fico gravado no coração das gargantas.
Minha profundidade é no outro me encontrar,
pois que não sou um falar simplesmente.

Minha pátria-língua, minha língua-mãe.
Minha língua sem ilhas – oh, primaz Portugal!

Sou daquele que se adapta, fui Visigodo,
fui Árabe... agora sou de quem?
Romance de eras, romanço febril.
Português do meu Brasil, tua roupa suja
lavada no ribeirão, oriunda do Galego,
é também gleba de latifúndio.

Minha pátria-língua, minha língua-mãe.
Minha língua sem ilhas – oh, primaz Portugal!

Diverso partido em unidades,
unidades pastoreando variedades.
Meu escudo contra a morte é
o choro do infante. Não sumo
enquanto houver paz na praça do mundo,
vivo enquanto de pé andar seguro.

Minha pátria-língua, minha língua-mãe.
Minha língua sem ilhas – oh, primaz Portugal!

domingo, 2 de outubro de 2011

Meus astros desastrosos



Por Germano Xavier

Outro dia, lendo um jornal, deparei-me
com uma frase, no mínimo, intrigante.
Dizia:

“Por erro da redação, a coluna
de astrologia de hoje foi publicada
na edição de ontem.”

Meu Deus, eis aqui uma verdadeira catástrofe!
Quais seriam as possíveis conseqüências
oriundas da constatação de tal equívoco?

Nasci
sob o signo do caranguejo, mas na verdade...
na verdade, não acredito em horóscopo
ou qualquer coisa que esteja ligada
à palavra “esotérico”.

Enquanto nos preocupamos
e forjamos regras para serem executadas
logo pela manhã,
os planetas levam seus filhotes, à passeio,
para os parques orbitais,
navegando por entre os oceanos do universo.
(Inavegáveis?)

Não! Definitivamente não tenho paciência
e não quero saber o que o sol ou a lua
querem me dizer.
Universal demais isso!

Porém, depois de muito relutar,
resolvi ler o meu astral.
E lá estava:

“Câncer (21 junho/21 julho)
... porém, é importante que você assuma
seu lado imaginativo! Com Mercúrio e
Netuno em tensão, a fluência mental
depende de uma boa dose de lirismo...”

Santa planetância, meu Deus!
Só me restou escrever este poema.

Meus animais



 Por Germano Xavier

vidro, curvo a moldura
da porta muda

forma de homem jogada
ao deus-dará
suspensa

o vidro turvo, a estante
morta

a cola, o grampo
e o refil

olor de desodorante
curto eu
em escutas
e vícios
meus animais

Meu pintado mundo



 Por Germano Xavier

meu mundo é total
mente e fácil
mente lavável

meu mundo é incrível
mente e estúpida
mente habitável

meu mundo é real
mente e irreversível
mente dual

meu mundo é fatal
mente e abstrata
mente igual

sábado, 1 de outubro de 2011

De como adornar os dentros

*
Por Germano Xavier

o homem que refaz um riso feminil
(contra todas as autoridades do tédio)
pode se sentir tão e tanto ou muito
destruidor de feios moldes

já que jardina a bela fera do humor
fios de se labirintar

o homem que souber retirar de dentro
da alma uma quimera ou um sutil
deboche, retirar (de dentro) dela
- de uma "ela", da mulher -
dar-nos-á, por semelhantes homens,
o mérito-combatente de qual bem maior

nada mais sem cor
nada mais improvável
nada mais inseguro

o riso feminino, doado tal patrimônio,
emprega na duração da verdade
o rascunho dos absolutos acabamentos

de vida

aliado ao pulso de revigor em que se observa
a máquina de sangue e sentimento com sóis-e-loas
e aos olhos de tal forma nova, brilhantes,
comunica - este mesmo riso -
a urgência de amar e se amar

brinde de privilégios


* Imagem retirada do site Deviantart.

Meu livro



Por Germano Xavier

meu livro é livre,
móvel, vivo.
abro-o, altera-me.
ouço-o, escreve-me.

meu livro cá dentro mora,
paisagem sem fim.
conta ele a história
da liberdade, de seu inventor.

apesar de assim ser
meu livro livre, móvel e vivo,
é dependente de mim.

Mesa posta



 Por Germano Xavier

- As coisas mudam, Camilo - desfiou Don'Ana.
Tão demente a noite no olhar da pureza, lua quebrada.

Chega um dia, sempre, que toda volta irá doer. Aquele paradeiro.
Aquele. Viu? Foi a palavra que passou pela cabeça do menino.
Paradeiro de tudo. E a sensação de tudo boiando
ladeira abaixo. Pior - indo para.

prateleiras tortas
pratos rasos
talher de plástico
flores mortas e vivas
sem o galo
sem o revólver velho do avô
a parede limpa
de pouco céu
o embrulho dos trapos
velhos
para doação
quem irá sentir a oração que fiz todos os dias?
quem irá se olhar rude humano e o espelho será o mesmo?
quem se tornará quem fui nas coisas que vivi?

Sabia-se que Camilo não aceitaria a errante rota que todos tomaram,
sua plateia, a nova casa, o quintal podado, sem mangas nem espadas.
Construtor de castelos... ai, Camilo!, tua mãe irá te mostrar as novidades.
E você tão doce em tua palidez, morrendo, sem pobreza alguma.
Que chegada horrenda, e que tanta poeira a cobrir o amor
que você fabricou...

- Tem aquela comidinha de sábado pós-feira de que tanto gostas, Camilo.

Olhe, sinta o cheirinho. Vês? Não fique assim, parado, como se o mundo -
achas mesmo que vale a pena abdicar, meu filho? -, fosse enterrado agora.
As coisas mudam, Camilo. Pare já com este sorriso!

Mentiras



Por Germano Xavier

Às vezes minto por obrigação.
Talvez para agradar alguém,
num momento qualquer ou
para a satisfação do meu ego.
Não sei porquê faço isso
- se ao menos soubesse
das verdades deste mundo...
Mas, por que uso dessa arma?
O mundo é cercado por mentiras,
fantasias, sonhos. Os atalhos
para o verdadeiro não conhecemos.
Buscar o valor de uma palavra,
nobre quando explana a realidade
e quando hipnotiza pessoas...
(Há tantos destinos, tantas barreiras...)
Quantas lembranças!
E pensar que tudo muda num giro
de revelações, mas que segredos são
mantidos. Apesar de tudo, as flores ainda
encantam. Apesar de tudo - não sei
se elas estão mentindo ou se sou eu
quem está mentindo -, não sei se a verdade existe.