Por Germano Xavier
Após a 2ª Grande Guerra, o poeta chileno Pablo Neruda ( Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto) é exilado por causa de sua militância comunista. Ao lado de sua companheira, é recebido festivamente na Itália e passa a residir numa casa modesta na zona rural de um povoado da pequena ilha de Cotto. Ali, a atividade econômica básica dos ilhéus é a pesca. Um destes ilhéus, Mario Ruoppolo, se emprega nos Correios, como carteiro, e tem como único destinatário justamente Pablo Neruda, de quem se aproxima e trava relações de amizade. Mario lê os livros de Neruda, conhece suas ideias e se deixa fascinar pela personalidade carismática do seu amigo poeta. Nesse ínterim, Mario se apaixona por Beatrice Russo, sobrinha da dona da taverna, com quem se casa tendo Neruda por padrinho. Neruda é anistiado pelo governo chileno e resolve regressar à sua pátria. Mario adere à doutrina comunista e se torna ativista da causa; numa manifestação pública, na qual é solicitado a subir ao palanque, para declamar um poema, tem início um tumulto provocado pela repressão policial e Mario vem a falecer em virtude de agressões dos policiais, deixando a esposa viúva e um filho, Pablito, a quem não chegou a conhecer. Neruda, de passagem pela Europa, resolve rever o local do seu exílio e fica sabendo por Beatrice do passamento de Mario. Neruda vai à casa onde morou, ouve a fita gravada por Mario enquanto olha a paisagem, anda pela praia...
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O filme mostra como a beleza, em forma poética, pode recobrir os fatos mais simples do cotidiano, a amizade, o trabalho, a bandeira dos ideais libertários, a paisagem prosaica de igualdade e justiça social. Os diálogos, entremeados com as imagens e a música sugerem sentimentos íntimos de solidariedade humana. Os homens de culturas diferentes, com históricos de vida diversos, estabelecem um diálogo amistoso numa cosmovisão fraterna possibilitada pela sensibilidade à beleza das coisas simples, à emoção das coisas mais elementares. A beleza não é exatamente um componente externo ao homem, mas uma faculdade íntima com que o homem envolve tudo que ama e reputa justo. Os dois personagens centrais interagem com um diálogo franco no qual as aflições humanas, como o sentimento de justiça, afloram espontâneos em palavras e gestos tácitos, inarticulados, mas propriamente sentidos. O filme exprime percepções universais que promove uma empatia, certo sentimento de solidariedade, que aproxima aqueles dois homens e atrai a simpatia dos observadores mais isentos. Os elementos que o filme reúne, o enredo, as imagens, a música distendem uma emanação que se expande e nos envolve num amplexo amoroso. O veículo do poeta, a poesia, nos desperta o condão adormecido de perceber a beleza da natureza, a música da vida que corre silente no rio subterrâneo de nossos seres; acorda em nós os elementos divinos inauditos - intuídos porém - da humana capacidade de - aglutinados os caracteres semelhantes - promover a emersão num mundo fraterno onde todos viviam em harmonia com tudo e com todos. O filme não é uma obra, diríamos, de consumo - para desafogar-se do tédio nas horas de ócio; é uma iguaria fina para degustar no silêncio das nossas reflexões. É um filme que propõe mais do que entretenimento; nos provoca a reflexão.
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Na insula de Cotto, como de resto nos lugarejos e povoados mais afastados dos grandes centros urbanos, as pessoas se movem na apatia do tempo que se alonga, naquela percepção, infindo; onde os gestos e as atividades do cotidiano geram uma vibração de prazer, bem-estar que se dilata do indivíduo até às bordas do infinito; emoção envolvente que não descarta nenhum dos elementos circundantes, os vizinhos, a solidariedade dos mutirões, o ritmo pachorrento das estações que se desdobra em lances conhecidos, sem surpresas, como que adormentando os caracteres humanos e os reduzindo à satisfação mínima das demandas básicas. Daí, a disposição para a comunhão dos eventos prosaicos e a proximidade compassiva das aspirações que faz os espíritos moverem-se quase como um só corpo. O universo delimitado pelos horizontes perceptuais torna aqueles homens partícipes dos mesmos anelos e como que sujeitos aos mesmos destinos. Nos grandes centros urbanos, na nossa sociedade de consumo, mormente, os valores estabelecidos pelos grupos dominantes, propagados pelo marketing dos meios de comunicação, incitam os atores sociais dispostos no mercado de trabalho a uma disputa encarniçada para afirmar-se, cada qual, como o portador sobremodo excelente das virtudes requeridas pelos segmentos específicos do mercado, essa hidra faminta que consome nos refolhos do seu ventre todo tempo, todo esforço e todo caráter mais propriamente humano de que o homem possa ser possuidor. As relações humanas são fragmentadas pelas posições, postos no mercado - consignados por relações de subalternidade mensuradas pelo nível ou capacidade de consumo. A mentalidade média segue o discurso do individualismo excludente. Nesta guerra não declarada já não basta ganhar a vida, persegue-se o status em detrimento dos sentimentos motivadores de conduta e das ações compassivas, solidárias. Num ambiente que sobreleva a importância de ter e usufruir, os impulsos mais nobres do coração é sacrificado, imolado na fogueira do consumismo ególatra.
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O filme é dirigido por Michael Radford e conta com as atuações de Massimo Troisi (Mario Ruoppolo) e Philippe Noiret (Pablo Neruda).
4 comentários:
Crédito da imagem:
"il poeta sei tu che leggi .
by *Miss-SpUn-SuGaR"
Deviantart
Excelente seu artigo
Bjs,Neusa
Ah, Neruda. Tem uma cena muito doce no filme.
Lindo o livro, lindo o filme, lindo o seu texto, Germano!
Realmente é um filme para sentir e pensar.Perceber a grandeza de Neruda ao dialogar com aquele simples carteiro acerca de tudo, de igual para igual nos faz pensar no respeito que advém, não dos títulos que se possui, mas da importância do ser.
Adorei esse texto!
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