Friday, April 30, 2010
Abril é Ary V
Soneto do Trabalho
Das prensas dos martelos das bigornas
das foices dos arados das charruas
das alfaias dos cascos e das dornas
é que nasce a canção que anda nas ruas.
Um povo não é livre em águas mornas
não se abre a liberdade com gazuas
à força do teu braço é que transformas
as fábricas e as terras que são tuas.
Abre os olhos e vê. Sê vigilante
a reacção não passará diante
do teu punho fechado contra o medo.
Levanta-se meu Povo. Não é tarde.
Agora é que o mar canta é que o sol arde
pois quando o povo acorda é sempre cedo.
Thursday, April 29, 2010
Abril é Ary IV
De pé, oh Companheiro
Cantar aqueles que partiram
é dar força à liberdade
as flores vermelhas que os cobriram
tornaram alegre a saudade.
Foi naquela tarde de Maio
que lhes dissemos adeus
quem disser adeus em Maio
nunca se afasta dos seus.
De pé, de pé oh companheiro!
De pé e punho levantado
o que morreu é o primeiro
a estar de pé ao nosso lado.
Quem tombar no caminho
continua ao nosso lado
partir não é estar sozinho
é lutar acompanhado.
Por isso os que não ficaram
nem calados nem cativos
em Maio não nos deixaram
pois para nós só há vivos.
Na batalha que travamos
não há tristeza nem morte
a bandeira que levamos
é a razão do mais forte.
Baixando à terra com ela
quem morre devolve à terra
a semente ainda mais bela
contra a fome e contra a guerra.
Wednesday, April 28, 2010
Abril é Ary III
Os bonzinhos e os malvados
Dum lado os bonzinhos
com o seu ar sisudo
andando aos passinhos
dentro do veludo.
Do outro os malvados
cabelos ao vento
de fatos coçados
por bom e mau tempo.
Dum lado os bonzinhos
gordinhos, gulosos
comendo pratinhos
muito apetitosos.
Do outro os malvados
a ferrar o dente
em grandes bocados
de chouriço ardente.
Dum lado os bonzinhos
com muito cuidado
a dar beijinhos
com dia aprazado.
Do outro os malvados
a fazer amor
sem dias marcados
com frio ou calor.
Dum lado os bonzinhos
muito estudiosos
dizendo versinhos
em salões ranhosos.
Do outro os malvados
gritando na rua
que os braços estão dados
que a esperança está nua.
Dum lado os bonzinhos
metidos na cama
tomando chazinhos
molhando o pijama.
Do outro os malvados
os que dormem nus
sonhando acordados
com feixes de luz.
Dum lado os bonzinhos
batendo nos tectos
sempre que os vizinhos
são mais incorrectos.
Do outro os malvados
que fazem barulho
despreocupados
ao som do vasculho.
Devo ter por certo
os gostos trocados
detesto os bonzinhos
adoro os malvados.
Tuesday, April 27, 2010
Abril é Ary II
Da alavanca ao tear da roda ao torno
da linha de montagem ao cadinho
do aço incandescente a entrar no forno
à agulha a trabalhar devagarinho.
Da prensa que se fez para esmagar
à tupia no corpo da madeira
do formão que nasceu a golpear
à força bruta de uma britadeira.
Do ferro e do cimento até ao molde
que é quase um esgar de plástico sereno
do maçarico humano que nos solda
à luz da luta e não do acetileno
nasce este canto imenso e universal
sincopado enérgico fabril
sereia que soou em Portugal
à hora de pegarmos por Abril.
Transformar a matéria é transformar
a própria sociedade que nós fomos
ser operário é apenas saber dar
mais um pouco de nós ao que nós somos.
Um braço é muito mas por si não chega
por trás da nossa mão há uma razão
que faz de cada gesto sempre a entrega
de um pouco mais de força. De mais pão.
Estamos todos num único universo
e não há uns abaixo outros acima
pois se um poema é uma obra em verso
um parafuso é uma obra-prima.
Operários das palavras ou do aço
da terra do minério do cimento
em cada um de nós há um pedaço
da força que só tem o sofrimento.
Vamos cavá-la com a pá das mãos
provar que em cada um nós somos mil
é tempo de alegria meus irmãos
é tempo de pegarmos por Abril.
Monday, April 26, 2010
Sunday, April 25, 2010
Para os que O viveram há 36 anos. Para os que O vivem hoje. Para os que O hão-de saber, um dia!
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
VIVA O 25 DE ABRIL!
Saturday, April 24, 2010
Música de Abril VII
Trova do amor lusíada
Meu amor é marinheiro
Meu amor mora no mar.
Meu amor disse que eu tinha
Na boca um gosto a saudade
E uns cabelos onde nascem
Os ventos da liberdade.
Meu amor é marinheiro
Meu amor mora no mar.
Seus braços são como o vento
Ninguém os pode amarrar.
Meu amor é marinheiro
Meu amor mora no mar.
Friday, April 23, 2010
Música de Abril VI
Fala do Homem Nascido
Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci
Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr
Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham
Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu
Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar
Thursday, April 22, 2010
Música de Abril V
Menino do Bairro Negro
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar
Menino sem condição
Irmão de todos os nus
Tira os olhos do chão
Vem ver a luz
Menino do mal trajar
Um novo dia lá vem
Só quem souber cantar
Vira também
Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego
Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Olha o sol que vai nascendo
Anda ver o mar
Os meninos vão correndo
Ver o sol chegar
Se até da gosto cantar
Se toda a terra sorri
Quem te não há-de amar
Menino a ti
Se não é fúria a razão
Se toda a gente quiser
Um dia hás-de aprender
Haja o que houver
Negro bairro negro
Bairro negro
Onde não há pão
Não há sossego
Menino pobre o teu lar
Queira ou não queira o papão
Há-de um dia cantar
Esta canção
Wednesday, April 21, 2010
Música de Abril IV
Cantar de emigração
Este parte, aquele parte
E todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
Que possam cortar teu pão
Tens em troca órfãos e órfãs
tens campos de solidão
tens mães que não têm filhos
filhos que não têm pai
Coração que tens e sofres
longas ausências mortais
viúvas de vivos mortos
que ninguém consolará
Este parte, aquele parte
E todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
Que possam cortar teu pão
Tuesday, April 20, 2010
Música de Abril III
Ser Solidário
Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raiz
E improvavelmente ser feliz
De como aqui chegar não é mister
Contar o que já sabe quem souber
O estrume em que germina a ilusão
Fecundará por certo esta canção
Ser solidário assim tão longe e perto
No coração de mim por mim aberto
Amando a inquietação que permanece
Pr’além da inquietação que me apetece
De como aqui chegar nada direi
Senão que tu já sentes o que eu sei
Apenas o momento do teu sonho
No amor intemporal que nos proponho
Ser solidário sim, por sobre a morte
Que depois dela só o tempo é forte
E a morte nunca o tempo a redime
Mas sim o amor dos homens que se exprime
De como aqui chegar não vale a pena
Já que a moral da história é tão pequena
Que nunca por vingança eu te daria
No ventre das canções sabedoria
Monday, April 19, 2010
Música de Abril II
Canta Camarada
Canta camarada canta
canta que ninguém te afronta
que esta minha espada corta
dos copos até à ponta
Eu hei-de morrer de um tiro
Ou duma faca de ponta
Se hei-de morrer amanhã
morra hoje tanto conta
Tenho sina de morrer
na ponta de uma navalha
Toda a vida hei-de dizer
Morra o homem na batalha
Viva a malta e trema a terra
Aqui ninguém arredou
nem há-de tremer na Guerra
Sendo um homem como eu sou
Saturday, April 17, 2010
Música de Abril I
Canção da Beira Baixa
Era ainda pequenino
Era ainda pequenino
Acabado de nascer
Acabado de nascer.
'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.
'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.
Quando eu já for velhinho
Quando eu já for velhinho
Acabado de morrer
Acabado de morrer.
Olha bem para os meus olhos
Olha bem para os meus olhos
Sem vida são p'ra te ver...
...acabados de morrer.
Olha bem para os meus olhos
Olha bem para os meus olhos
Sem vida são p'ra te ver...
...acabados de morrer.
Era ainda pequenino
Era ainda pequenino
Acabado de nascer
Acabado de nascer.
'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.
'Inda mal abria os olhos
'Inda mal abria os olhos
Já era para te ver...
...acabado de nascer.
Thursday, April 15, 2010
Noite
É de noite que renasço cada dia. É de noite que as palavras me escorrem pelos dedos como se fossem água de um rio caudaloso que corre desenfreado até à foz. Das palavras.
É de noite que me refaço ao pôr da lua. E é de noite que a poesia se solta do meu peito como se fosse um grito que ninguém ouve porque se juntou ao rio e já desaguou no mar.
É de noite que os amores secretos se encontram. Ainda que distantes. Ainda que apenas em pensamento. É de noite que escrevo porque as palavras me regressam em cada maré. E porque gosto deste silêncio...
Tuesday, April 13, 2010
Rente ao coração
Monday, April 12, 2010
UNO
Não creias senão em ti e naquilo que te cerca.
Porque aquilo que te cerca és tu.
E, por mais que te pareça estranho e primitivo,
tu és apenas aquilo que te cerca.
Não creias senão em ti.
Bem sei que há: o eco das montanhas e o mistério das sombras.
Mas o que é o eco das montanhas senão a tua voz?
E o mistério das sombras mais que uma ausência de luz?
Bem sei que para além da ilusão do horizonte
há ainda mais coisas.
Mas não as creias diferentes e superiores a ti:
crê antes que são longe e, sobretudo, coisas como tu.
Não creias no não sei quê:
o não sei quê é sempre qualquer coisa.
O papão do oó das histórias de menino
era afinal um pobre inofensivo
ou uma velha vassoura atrás de uma vidraça.
E a palavra do morto estendido no caixão
era apenas a ruptura duma artéria qualquer.
Os teus braços, tam curtos, estão na terra toda,
e a terra, tam pequena, está em todo o universo.
Não creias em existências para além ou para aquém.
Nem que tu estás aquém ou que tu estás além.
Tu que estás em toda a parte e tudo está em ti.
Mário Dionísio
(«Com Todos os Homens nas Estradas do Mundo»)
Trazido do Cravo de Abril
Saturday, April 10, 2010
Thursday, April 08, 2010
O teu olhar
Wednesday, April 07, 2010
Um video muito especial
Recebi este video por mail. Achei que o devia partilhar convosco.
Pelo menos para pensarmos um pouco...
Tuesday, April 06, 2010
Liberta
Já te tinha dito que não se pode sepultar o amor, porque o amor tem asas.
Os amores voam. Libertam-se. O amor é a liberdade maior que temos: a de amar, Sim!
E as minhas inquietações são as mesmas, e serão as mesmas, porque as horas correm e eu não posso fazer parar os relógios. Muito menos o Tempo.
Hoje acrescentei mais uma inquietação às outras todas. Sinto que as acrescento todos os dias. Inquietações e angústias. Serão dificuldades em aceitar o que se vai passando e que eu não posso mudar. Mas tento...
Angústias dos dias passados a correr e não vividos. Das noites mal dormidas em que não vens e te sonho, apenas. Serão saudades... afinal sou feita de saudades, de angústias, de inquietações. E de amor, também.
Um dia destes vou mergulhar no mar, pois só ele me sabe lavar por dentro.
E só assim me sentirei liberta!