Fernando Nobre não acredita na neutralidade do médico. Por isso, há 25 anos fundou em Portugal a Assistência Médica Internacional.
PEDRO BASSAN Lisboa
Aos 58 anos, Fernando Nobre poderia estar em sua clínica, ser um respeitado urologista e dar entrevista em um gabinete de uma grande universidade da Bélgica. Mas há 30 anos ele trocou o hospital, a pesquisa e o conforto da Europa por terremotos, ciclones e guerras nos países mais pobres do mundo.
“Para alguns eu era uma espécie de meio louco, de original, pelo menos. Mas isso era a opinião deles, não a minha. Acho que cada um de nós tem de saber aquilo que queremos e eu sabia o que eu queria”, conta.
Um médico que fez do planeta Terra o seu consultório. Nas últimas décadas, Fernando Nobre socorreu vítimas das piores tragédias do mundo. Vive a maior parte dos dias cercado pelo sofrimento humano sem nunca se acostumar com ele.
No Chade, em 1981, Fernando Nobre era o único cirurgião em um país de 6 milhões de pessoas. “Foi muito difícil de repente passar dos meus hospitais de ponta. Sabe o que é ver mulheres com dores de barriga e pegarem pedaços de lenha na fogueira e queimarem a barriga para transferirem a dor para a superfície em vez de terem a dor profunda”, lembra.
Um ano depois ele estava no Líbano e viu de perto os massacres nos acampamentos de Sabra e Chatila. “Foi uma grande tragédia e não há perdão para o que lá se passou”, comenta.
Fernando não acredita na neutralidade do médico. Por isso, há 25 anos fundou em Portugal a Assistência Médica Internacional (AMI). É uma organização humanitária que atende os doentes e denuncia o que vê, como o massacre de Ruanda, em 1994.
Os caminhos surpreendentes da vida levaram o médico das tragédias de volta à universidade. Em Lisboa, é professor de medicina humanitária: “A essência da medicina é verdadeiramente humanitária, seja em um hospital
Nem por isso ele deixa de viajar para os cantos mais longínquos do planeta. Mesmo quando muitos acham que não há mais nada a fazer: “O médico, porque não é Deus e não pode ser Deus, quando constata que sua capacidade já está esgotada, muitas vezes vê isso como uma derrota e já não se aproxima desses doentes terminais porque ele vê isso como uma derrota, já não tem nada a fazer. Tem sempre o que fazer. Nem que seja só segurar a mão do doente e falar com ele”.
Fonte: Bom Dia Brasil 29/01/10