13 de nov. de 2009

percussiva

tudo é preto tudo é branco
tudo é não sim

onde se esconderam as verdades
que moravam em mim?

tudo pode ser nada
nada pode não ser tudo assim

nada de poder tudo ou não
pode tudo nada tudo se danar

preta branca verdade
tudo se esconde

nada branco pode preto sim
tudo não haver danado ser onde?

sonora mentira

2.

as flores secas
os pássaros se foram

sequer há vento
a soprar as cortinas

12 de nov. de 2009

1.



dança na janela
vermelha e branca – asa
pássaro é flor

11 de nov. de 2009

ando assim

"ventos fortíssimos por dentro
e a calma da água no pote"

by Lalo Arias

10 de nov. de 2009

cristaleira


Paris 1964 - Lady / Window - Jon Goell

cristaleira, meu coração
prateleiras
---------------------muitas taças
vazias, translúcidas, solitárias
desparceiradas
------potes de mel, chás, aveia
gergelim,pistache
bombons, biscoitos finos
-------------------------amaretos
vinhos, absintos, licores
águas ardentes
------------------------------
litros
-------------desbotadas as cores
no solo instável em que habito
tremores constantes
-------------------a todo instante
um deles transborda
e a cristaleira tange
------------a canção dos cristais
à espera
do grande terremoto
-----que engole transparências

sonhos e cacos

9 de nov. de 2009

dois poemas de Víctor Rodríguez Núñez*



ANTIPOEMA

A ponto de escrever
“o estado natural do homem é a tristeza”
tu te apresentastes
------------- --------- quase resplandecente

Pensava continuar
---------------- ------ “e tudo o que eu faça
será para alcançar a alegria”
e te vejo nua — como não te havia visto antes —
sardenta magríssima chorando

E talvez concluir
“o belo é a manha da morte”
para beijar teus ossos
para beijar na pele
----------------- ----- o ponto mais feliz

Tudo
---------mulher
---------------- ------ para ficar sozinho
no fim de um poema que se engana.


CRÔNICA

Talvez comer pão
esférico e dourado
depois de uma sopa lívida
com vísceras de frango.
Escovar os dentes bem devagar
garoar no espelho
com espuma de rosas e claro perfume de menta
arrumar o cabelo
a camisa e as unhas.
Descer os degrau
--------que às vezes ninguém limpa.
Subir em um ônibus que vem do inferno
cumprimentos
----avenidas
------empurrões
--------semáforos
cruzando velozmente
e chegar tarde no cinema
essa jaula com sonho e mundo retido.
E lendo o jornal
ver coisas com estas:
--------duas naves vão a Vênus
--------“a estrela d’Alva”
--------e morreu Boumediene
--------presidente da Argélia.

Depois
---provar os versos
alegres
---atrevidos
de meu amigo Jacques Prévert
------vagabundo.
E finalmente o filme
“retângulo amoroso
------tema social”
com Fellini e De Sica na tela.
Caminhar rua abaixo
------entre álamos adormecidos
policiais acordados na frente das embaixadas
padarias abertas
----gatos que se suicidam
três bancos solitários com cheiro fresco de sêmen
latões de lixo
sonâmbulos que bebem aguardente e silêncio
----até a madrugada.
Subir os degraus
que de vez em quando alguém limpa
-- -- encurvada
------redonda --
e trancar-se no quarto azul
----desarrumado
onde escrevo e transcorro.
Então o amor
------e estas palavras.

*Nascido em La Habana, Cuba - 1955. Poeta, jornalista, crítico e professor de literatura hispânica em Kenyon College. Alguns de seus livros: Con raro olor a mundo (Premio David, 1981), Noticiario del solo (Premio Plural, 1987), Cuarto de desahogo (1993), Los poemas de nadie y otros poemas (1994), El último a la feria (Premio EDUCA, 1995) y Oración inconclusa (Premio Renacimiento, 2000).

7 de nov. de 2009

in memoriam


jon goell - 1964

meus vivos meus mortos
já não os distingo

e eles me olham
com a habitual indiferença

mais um porta-retrato
em preto e branco

na prateleira da memória

e o pó
nas molduras

sequer
o vento sopra

faz sol e ainda é cedo



abro meus olhos e as janelas do dia. abrirei portas.

café com pão sagrados. respiro fundo, pé na estrada. já de saída, três vira-latas na festa da rua. é muito azul e verde, a liberdade plena - há que celebrar. sinto pena do meu cão atrás das grades. sigo em frente.

um sapo - estatelado no asfalto, seco - vira pedra. um pássaro de peito amarelo e mudo - ainda é um pássaro. um bem-te-vi cinzento quase arrebenta garganta e arame farpado.

um guard-rail metálico, que violenta a mata, corre - ao lado da cicatriz de concreto. mais um passo. em pencas, a natureza - mãe - se vinga - flores vermelhas que se atiram suavizando cinzas e metais.

olho a montanha. quase encoberto por árvores imensas, velho chalé resiste. fumaça... chego ao imenso portal que dá no nada. chegadas e partidas são só pedaços. o mesmo trem, se houvesse. dou meia volta. feliz hoje retomo minha caminhada.

amanha já não sei. ninguém sabe amanhã. e a tarde quem sabe? lembro-me do sonhos da noite. apesar da lembrança que engoliu a saudade que engoliu a tristeza que quase me engoliu, a manhã está clara.

faz sol e ainda é cedo. eu, outra vez no caminho.

5 de nov. de 2009

anǐma

soprei

versos
sem alma

que andam
por aí

feito zumbis

até

que o corpo
se desfaça

ou a vida
retorne

3 de nov. de 2009

minguante

a lua era cheia
andei delirante
caí na real minguante

2 de nov. de 2009

um poema de Aramis Quintero*


a Cesar Vallejo

Enquanto Fala

Um homem morto lá em seu pé repousa,
e com sua mão livre nos cumprimenta
enquanto a outra arranha tristemente a terra.

Como nos amou então seu cabelo.
Como nos ama agora. Quanto sente
cumprimentar-nos assim, sem o lenço.

Como nos diz agora que já volta,
que não demora, só
o que gasta para ver como está seu pessoal,
tomar café, se for o caso, e estar de volta.

Como nos diz agora que já volta, e sabe
que para nós dava no mesmo, e não sabe
como agora queríamos
que secasse sua mão, a que arranha,
e com as duas nos abraçasse, e depois
reunidos, comemos alguma coisa e olhamos
como se já não fosse embora e amanhã
voasse para Lima ou Paris. Quase o vemos
lá outra vez, amando-nos.

E, enquanto fala, cai
um distante pó de biscoitos.

* Nascido em Cuba, 1948, reside no Chile. Poeta, narrador e ensaísta, licenciado em Língua e literatura hispânica, pela Universidade de Havana.

ritual

mais cedo
que de costume

acordo

e entre ciprestes
cumpro

o ritual da saudade

o pássaro
leva nas asas

o abraço e a prece

30 de out. de 2009

espelho d’água


Helder Afonso - Olhares

dérmicas escamas
sopradas pelo vento

barbatanas

revérbero dos peixes
e outros seres do abismo

mundo invisível
onde a luz é apenas
uma miragem

quem?
habita meus olhos
onde?
a máscara do sol

quem?

sabe dos sonhos submersos
das camadas da pele
do sal dos olhos míopes

cristalinas águas a se perder
contidas

pelas ásperas bordas do vazio

28 de out. de 2009

memória silenciosa


Tomasz Gudzowaty - Jovem Jóquei da Mongólia

nos olhos do cavalo
- um brilho
reflexo vítreo
de sílicas epidermes
- verdes
e o cavalo galopa
- sem saber que brilha
sem saber que o pássaro
olhos de nuvem
- espia
nos seus
olhos de pássaro
- um brilho

nos olhos do menino
- faíscas
a voar dos cascos
sob a luz vermelha
- do sol
dos nossos olhos
- um flash
e o instante retido
- memória silenciosa
na prata do papel
- o verde
em preto e branco
- um brilho

27 de out. de 2009

ser enquanto ser



gato no telhado
- tantra
cão no quintal
- quasar

sapo no mangue
- mantra
boi no pasto
- prana, paz

eu
- tanto faz

26 de out. de 2009

um poema de Abel G. Díaz*

SENTIDO

Caminho passando a língua pelo tempo
ficando sem lábios
sem mãos para pôr sobre a toalha da casa
e sem casa onde meter minha única viagem

Não levo guarda-chuva nem esparadrapo
unicamente esta noite viúva de parágrafos
estas gavetas sem vida privada
esta incursão solene e futura

Avanço até a porta
são cinco horas
despeço uma mulher

tomo a vela e rezo:
“Pai meu — digo
Pai meu, obrigado
os galos me enchem as mãos de suor
e a salvação é uma dor de cabeça cheia de pássaros,
ao centro a aspirina de teus olhos”

e digo bom dia
e que em paz descanse o que eu disse

* nascido em Morón, Cuba - 1952
English French German Spain Italian Dutch Russian Japanese Korean Arabic Chinese Simplified