ANTIPOEMAA ponto de escrever
“o estado natural do homem é a tristeza”
tu te apresentastes
------------- --------- quase resplandecente
Pensava continuar
---------------- ------ “e tudo o que eu faça
será para alcançar a alegria”
e te vejo nua — como não te havia visto antes —
sardenta magríssima chorando
E talvez concluir
“o belo é a manha da morte”
para beijar teus ossos
para beijar na pele
----------------- ----- o ponto mais feliz
Tudo
---------mulher
---------------- ------ para ficar sozinho
no fim de um poema que se engana.
CRÔNICA
Talvez comer pão
esférico e dourado
depois de uma sopa lívida
com vísceras de frango.
Escovar os dentes bem devagar
garoar no espelho
com espuma de rosas e claro perfume de menta
arrumar o cabelo
a camisa e as unhas.
Descer os degrau
--------que às vezes ninguém limpa.
Subir em um ônibus que vem do inferno
cumprimentos
----avenidas
------empurrões
--------semáforos
cruzando velozmente
e chegar tarde no cinema
essa jaula com sonho e mundo retido.
E lendo o jornal
ver coisas com estas:
--------duas naves vão a Vênus
--------“a estrela d’Alva”
--------e morreu Boumediene
--------presidente da Argélia.
Depois
---provar os versos
alegres
---atrevidos
de meu amigo Jacques Prévert
------vagabundo.
E finalmente o filme
“retângulo amoroso
------tema social”
com Fellini e De Sica na tela.
Caminhar rua abaixo
------entre álamos adormecidos
policiais acordados na frente das embaixadas
padarias abertas
----gatos que se suicidam
três bancos solitários com cheiro fresco de sêmen
latões de lixo
sonâmbulos que bebem aguardente e silêncio
----até a madrugada.
Subir os degraus
que de vez em quando alguém limpa
-- -- encurvada
------redonda --
e trancar-se no quarto azul
----desarrumado
onde escrevo e transcorro.
Então o amor
------e estas palavras.
*Nascido em La Habana, Cuba - 1955. Poeta, jornalista, crítico e professor de literatura hispânica em Kenyon College. Alguns de seus livros: Con raro olor a mundo (Premio David, 1981), Noticiario del solo (Premio Plural, 1987), Cuarto de desahogo (1993), Los poemas de nadie y otros poemas (1994), El último a la feria (Premio EDUCA, 1995) y Oración inconclusa (Premio Renacimiento, 2000).