terça-feira, 15 de dezembro de 2015






elizabeth gadd


















e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
al berto







há cinco anos teu corpo entregou-se à terra. foi a enterrar no cemitério da aldeia. rodeado de gente. gente boa. gente que te amava. que te sabia os dias dedicados ao terço e à magia da fé - todos os dias dezoito dezembro cresce no meu peito. a morte assalta-me e tudo em mim morre de te saber tão morta - avó. tenho saudades dos dias pequenos. da quentura da lareira com os teus joelhos perto. da cevada acabada de fazer e do cheiro a eucalipto interrompendo o inverno - nunca o frio se sentiu tanto. nunca as  saudades se demoraram assim na pele. nunca a vida fez sentido - e o medo do mundo regressa da infância para me desterrar. a vontade de ir para sempre. fazer-me margem. dizer-me longe. sentir-te perto - avó. que regresses a mim e este natal possas abraçar-me para sempre




















quarta-feira, 2 de dezembro de 2015





mariam sitchinava











Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs.
miguel torga








um ano de vida são trezentos e sessenta e cinco dias de magia - a cada dia um novo recomeço. a cada olhar um novo ser-se inteiro - conhecer-se é o primeiro passo para o renascimento. mas é um caminho duro. às entranhas. aos não lugares de que somos feitos - quando damos passos seguros rumo ao futuro. sabemos de que limites somos feitos. e crescemos com o coração integro





aos que me visitam, aconselho: http://birthtorebirth.weebly.com










quinta-feira, 12 de novembro de 2015







 ezgi polat












Começarei morrendo pelo coração.
Gostarei sempre dele, como se gosta do que está extinto, sejam os dragões, os anjos ou as distâncias. Histórias de coisas que não voltam. O meu coração sem visitas perderá a memória e, quando nos separarmos de vez, certamente será mais feliz. Se me perguntarem, direi que nasci sem ele. Jurarei e mentirei sempre.
valter hugo mãe





em novembro os dias encolhem de tal modo. que o coração mingua. e respirar custa tanto. mais do que viver - a poucos dias do meu aniversário tenho pensado mais em ti. e uma vontade tão grande de chorar pelos anos que passaram. pela vida que tenho tido. tudo sem ti - é uma tristeza amena. curta. como os dias no outono. esta falta que me fazes - quero dizer-te o mundo. queres ouvi-lo - fecha os olhos que amanhã é dia. e de olhos fechados a manhã chega mais depressa - assim adormecia - fecho os olhos e as nossas manhãs não chegam - estes dias têm sido a repetição do teu nome - assim como era no princípio. agora e sempre - valentina - e a mesma dor pequena. todos os anos. a tua ausência por direito interrompe os dias. é novembro. e será dezembro. e então grande a dor implode. 






terça-feira, 3 de novembro de 2015





laura makabresku
















morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento
mia couto







avó. tenho pensado muito de ti - viverás para sempre no meu coração. como uma luz tão forte que cega. que nem te vejo. mas sinto. em cada veia do corpo. o teu amor. para sempre - quero contar-te dos dias felizes que tenho vivido. que é como se não existisse tempo e vivo. deixando o corpo livre e o coração entregue - tenho saudades tuas. e não me esqueço. a tua mão tão dada à minha indicando o caminho. e vou. com o silêncio na boca. segura dos meus passos. até ao infinito











quinta-feira, 29 de outubro de 2015






ezgi polat







às vezes ancorado a um
sítio como a uma palavra
dessas que se gastam
e depois já não se gostam

a um som. dos que entraram
na íris, por uma abertura
na falta de ar, e saíram
para o bolso,
esse beco que temos sempre
de um lado ou de outro
das calças que forram as pernas
que correm na memória, e fogem
levando o bolso
cheio

às vezes ancorado a um
sítio como se fosse às vezes
ancorado a dois.

manuel cintra




por dentro da noite um homem só caminha - o ar dos dias curtos instala-se na sala e perco o norte - que ninguém diga que vive feliz sem norte. que as memórias de todos os meus dias felizes lhe pertencem. e o cheiro da floresta aquece a pele - e querer ser feliz a sul inventando memórias sem nome. de lugares que o corpo não recorda - ao longe uma fogueira e o silêncio perturba o coração. mal habituado - todas as vozes regressam da infância para me indicar o caminho. acordo o grito e regresso a casa - sem medo avanço. permaneço. invento. e mais longe vou de braços abertos e o corpo todo desperto. 












segunda-feira, 12 de outubro de 2015





ezgi polat










'de noite, os seres mudam seu valor.
o dia mostra os defeitos do mundo: rugas, poeiras, vincos, tudo na luz se vê.
à noite se olha mais, se vê menos.
cada ser se revela apenas pela luz que dele emana'
mia couto









de corpo feito à luz. sem medo. avanço - aos dias dedico grandes odes de vento. e a chuva leve. regressa à pele. para me recordar dos dias sem nome. em que me abraçavas para me contar o amor. como se o amor sobrevivesse às estações mais húmidas e frias - sem medo. caminho. devagar. depressa. às vezes paro. quero inventar outras paisagens. com encostas bravas voltadas para o mar. de água tão pura que cristalize os olhos. para sempre - o deserto tem invadido lugares e tempos. por quarenta dias e quarenta noites. sem cruzes. a fé persiste











quinta-feira, 17 de setembro de 2015






 ezgi polat







Partir
en cuerpo y alma
partir.

Partir
deshacerse de las miradas
piedras opresoras
que duermen en la garganta.

He de partir
no más inercia bajo el sol
no más sangre anonadada
no más fila para morir.

He de partir

Pero arremete ¡viajera!

alejandra pizarnik










havíamos de ali passar. ser outono. estalar como as folhas secas - e viver lentamente. como quem sabe que o coração quando parte é para sempre - às vezes abeiro-me do silêncio. como de um precipício. para ali descobrir os teus braços. flácidos. à espera que os meus os segurem - o mundo assim inteiro dói mais fundo - fecho os olhos e sei da tua boca. afogada de lágrimas. gritando o infinito - senta-te no meu colo. cobrirei o teu corpo com os mais belos poemas. aquecerei a tua pele de sorrisos. e a tua existência não mais terá tempo - enche o peito de ar puro. fresco. cor de eucalipto. deixa a humidade entrar. fazer-se musgo. criar raízes - um dia limparemos a casa com perfume de salva e incenso de mirra. e cuidadosamente afastaremos os fantasmas que te impedem a cura - talvez então a vida seja perene. e fechar os olhos te transforme na mais bela princesa que o mundo conheceu -