quinta-feira, 25 de setembro de 2008
arrepiante
foi simplesmente arrepiante a leitura de poemas de ruy belo por luís miguel cintra, ontem, na casa fernando pessoa. um final de tarde com as palavras de um dos mais lídimos cultores da língua portuguesa. não tenho mais palavras para descrever aqueles minutos em que a tarde morria em campo de ourique, numa sala silenciosa, onde quase podíamos ouvir a respiração de cintra a habitar e a dar vida aos geniais versos do poeta.
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
darwin lied
antes das palavras a luz
uma voz funda que ecoa nas paredes negras
uma luz que tudo submerge
não falamos de deus nem dos homens
nem de um darwin que nunca conheci
não há nome para esse momento
e no entanto sei que depois de ti
a criação tem rosto de sentimento
no princípio era o amor
uma voz funda que ecoa nas paredes negras
uma luz que tudo submerge
não falamos de deus nem dos homens
nem de um darwin que nunca conheci
não há nome para esse momento
e no entanto sei que depois de ti
a criação tem rosto de sentimento
no princípio era o amor
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Trabalho poético
A palavra é um corpo escrito
Rodeada por todos os lados:
Sangue, feridas póstumas, carreiros incendiados.
Trabalhada a partir de dentro, adere a um novo corpo
Adesão inicial, matéria firme e luminosa.
A sua breve idade é uma ondulação difícil
Um cavalo de fogo que se espanta ao sair do pensamento.
A palavra é um rumor insólito
Uma variação incomum de gente encarcerada
Um magma transitório entre o desalento e o significado.
Há palavras morte, palavras vida, palavras que se tornaram
Homens em busca de qualquer coisa e poemas que se tornaram
Buscadores de homens.
Palavras sem sentido, palavras segredo, palavras medo.
Em praias desertas, em lugares fragmentados, habitam palavras
Aguardando a existência da luz, o princípio que se abeira
Da névoa, da náusea, da carne envolvente.
Na palavra, calculando o voo necessário, estremece um pulso aberto
De um poeta excessivamente à procura
De um homem que nunca compreendeu.
Ricardo Pereira
Rodeada por todos os lados:
Sangue, feridas póstumas, carreiros incendiados.
Trabalhada a partir de dentro, adere a um novo corpo
Adesão inicial, matéria firme e luminosa.
A sua breve idade é uma ondulação difícil
Um cavalo de fogo que se espanta ao sair do pensamento.
A palavra é um rumor insólito
Uma variação incomum de gente encarcerada
Um magma transitório entre o desalento e o significado.
Há palavras morte, palavras vida, palavras que se tornaram
Homens em busca de qualquer coisa e poemas que se tornaram
Buscadores de homens.
Palavras sem sentido, palavras segredo, palavras medo.
Em praias desertas, em lugares fragmentados, habitam palavras
Aguardando a existência da luz, o princípio que se abeira
Da névoa, da náusea, da carne envolvente.
Na palavra, calculando o voo necessário, estremece um pulso aberto
De um poeta excessivamente à procura
De um homem que nunca compreendeu.
Ricardo Pereira
Idade
Passa os dias sentado à porta
Vasculhando por entre as nuvens a solidão
Houve um tempo em que olhava o mar
Por detrás de uns óculos já muito graduados
Doía-lhe o cansaço e o estremecer da luz
Conhecia tão bem o horizonte que fazia escala ao segundo.
Dizem que sempre amou e foi amado
E que perdura ainda no seu rosto gente passando à hora certa
Gente com olhos, boca, narinas,
Gente normalmente apressada arfando sorrindo
Agora
Conhece um milhão de pássaros pelo nome
E ao anoitecer adquire a forma de uma ilha remota
Rodeada de silêncio náusea agonia.
Por vezes uma cidade ocupa-lhe os olhos
Construída na longitude do sonho
Levantada todos os dias às seis horas da manhã
Uma cidade perdida
Cheia de aranhas, desempregados, enforcados, vulcões.
Já não lhe fazem os gestos de outrora
E ele bem sabe que a idade é só uma outra forma de esperar.
Deita-se, adormece,
À beira-mar lembra o velho ofício da melancolia
E nenhuma voz passada vem-lhe devolver
A arte de seguir cantando.
Ricardo Pereira
Vasculhando por entre as nuvens a solidão
Houve um tempo em que olhava o mar
Por detrás de uns óculos já muito graduados
Doía-lhe o cansaço e o estremecer da luz
Conhecia tão bem o horizonte que fazia escala ao segundo.
Dizem que sempre amou e foi amado
E que perdura ainda no seu rosto gente passando à hora certa
Gente com olhos, boca, narinas,
Gente normalmente apressada arfando sorrindo
Agora
Conhece um milhão de pássaros pelo nome
E ao anoitecer adquire a forma de uma ilha remota
Rodeada de silêncio náusea agonia.
Por vezes uma cidade ocupa-lhe os olhos
Construída na longitude do sonho
Levantada todos os dias às seis horas da manhã
Uma cidade perdida
Cheia de aranhas, desempregados, enforcados, vulcões.
Já não lhe fazem os gestos de outrora
E ele bem sabe que a idade é só uma outra forma de esperar.
Deita-se, adormece,
À beira-mar lembra o velho ofício da melancolia
E nenhuma voz passada vem-lhe devolver
A arte de seguir cantando.
Ricardo Pereira
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Apontamentos dispersos
Sabes, não encontro Deus em lado nenhum
Mas gosto das doses fatais da poesia, dos venenos naturais
A que me obriga a solidão.
Tempos houveram em que habitávamos o sol
E eu sentia-me capaz, com um relâmpago na língua, de vociferar
De esclarecer, de experimentar a longitude dos outros
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Gosto do abismo precário da flor em gestação, da noite
Com seus gestos de cinza primitiva e o vácuo: sémen obscuro,
E o sentimento de poder acabar com isto e com tudo.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Dizem que me deito sempre do mesmo lado, no lado profano,
No leito diagonal da precariedade e as lágrimas que verto
Não passam de cenas frias de um filme inacabado.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Não, nunca senti deus na luz nervosa, na assembleia matutina
Dos pássaros, tão pouco me levanto às alucinações diurnas
Às imagens folclóricas do tempo.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Sujo meus olhos de poeira nativa, de encontros inesperados,
Aqui todos habitamos a mesma rua vazia
Com os mesmos utensílios de escavar o silêncio e a dor.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
A poesia é mais uma forma de dar forma ao invisível,
O paraíso silábico, o medo filiado no peito. Perturba-me
A noite, o transe das metáforas, o metal dos astros caídos
E tudo me acompanha na sede do engano e da ilusão…
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta.
Ricardo Pereira
Mas gosto das doses fatais da poesia, dos venenos naturais
A que me obriga a solidão.
Tempos houveram em que habitávamos o sol
E eu sentia-me capaz, com um relâmpago na língua, de vociferar
De esclarecer, de experimentar a longitude dos outros
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Gosto do abismo precário da flor em gestação, da noite
Com seus gestos de cinza primitiva e o vácuo: sémen obscuro,
E o sentimento de poder acabar com isto e com tudo.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Dizem que me deito sempre do mesmo lado, no lado profano,
No leito diagonal da precariedade e as lágrimas que verto
Não passam de cenas frias de um filme inacabado.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Não, nunca senti deus na luz nervosa, na assembleia matutina
Dos pássaros, tão pouco me levanto às alucinações diurnas
Às imagens folclóricas do tempo.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
Sujo meus olhos de poeira nativa, de encontros inesperados,
Aqui todos habitamos a mesma rua vazia
Com os mesmos utensílios de escavar o silêncio e a dor.
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta
A poesia é mais uma forma de dar forma ao invisível,
O paraíso silábico, o medo filiado no peito. Perturba-me
A noite, o transe das metáforas, o metal dos astros caídos
E tudo me acompanha na sede do engano e da ilusão…
Cinge-se de grandes sombras a rua deserta.
Ricardo Pereira
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Encontro
Tocas com as tuas mãos a extensão das minhas veias.
A fadiga e o rumor da noite cercam-nos
Pelos lados mais misteriosos que o encontro possibilita.
Procuras avidamente o que o tempo não quebrou
E os teus olhos são imprevistos do dia seguinte.
Minha sombra, aliás a nossa sombra, é o centro do mundo
O centro às avessas, o simulacro de si mesmo
E tudo se encaminha para a aurora em ascensão
Como um vendaval de corpos electrocutados.
Dir-se-ia que o ilimite segue o nosso corpo,
Os ossos gastos, a cabeça, os membros desfeitos
Atravessando estações de intempéries buscando
Abrigo dos clarões envenenados do meio-dia.
Em teu seio surge uma luz de escárnio
A luz incessante faustosamente furiosa
A luz que perdura ainda pela aridez do ar.
Por dentro do sorriso amargo da morte
Colherei em tua boca a espécie rara de rosa
E unidos no beijo azul, restituiremos o amor.
Ricardo Pereira
A fadiga e o rumor da noite cercam-nos
Pelos lados mais misteriosos que o encontro possibilita.
Procuras avidamente o que o tempo não quebrou
E os teus olhos são imprevistos do dia seguinte.
Minha sombra, aliás a nossa sombra, é o centro do mundo
O centro às avessas, o simulacro de si mesmo
E tudo se encaminha para a aurora em ascensão
Como um vendaval de corpos electrocutados.
Dir-se-ia que o ilimite segue o nosso corpo,
Os ossos gastos, a cabeça, os membros desfeitos
Atravessando estações de intempéries buscando
Abrigo dos clarões envenenados do meio-dia.
Em teu seio surge uma luz de escárnio
A luz incessante faustosamente furiosa
A luz que perdura ainda pela aridez do ar.
Por dentro do sorriso amargo da morte
Colherei em tua boca a espécie rara de rosa
E unidos no beijo azul, restituiremos o amor.
Ricardo Pereira
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
na varanda da vida
Subscrever:
Mensagens (Atom)