quinta-feira, fevereiro 28, 2008

POESIA


Na aguarela flamante que é a vida
Passo deslizando quase etérea.
Para mim já não há rostos nem há sons
E à minha volta há apenas névoa
E a recordação do tempo que se evola.
Estou presa numa cela sem ter grades
Nada me prende e tudo me subjuga
Todos condenam mas ninguém me julga.
Oh! meu amor pudesse eu fugir de tudo,
Entregar-me toda a ti sem ter receio
Que a vida volte a ter formas concretas,
Mas olho em volta e apenas resta
A recordação do mundo dos teus olhos
E dos braços meigos com que tu me apertas.
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Autor desconhecido

domingo, fevereiro 24, 2008

MEU SONHO




(Cecília Meireles)


Parei as águas do meu sonho

para teu rosto se mirar.

Mas só a sombra dos meus olhos

ficou por cima, a procurar...


Os pássaros da madrugada

não têm coragem de cantar,

vendo o meu sonho interminável

e a esperança do meu olhar.


Procurei-te em vão pela terra,

perto do céu, por sobre o mar.

Se não chegas nem pelo sonho,

por que insisto em te imaginar ?


Quando vierem fechar meus olhos,

talvez não se deixem fechar.

Talvez pensem que o tempo volta,

e que vens, se o tempo voltar.


segunda-feira, fevereiro 18, 2008

VOLTA


Volta que eu abro-te a porta,
Ao menos p'ra convencer-me
Que nunca vivi sem ti;
Volta que eu já não me importa,
Agora quero esqucer-me
Do tempo que te esqueci.

Volta, que eu já perdoei...
Vem à hora que quiseres,
Escusas de fazer alarde;
Tu has-de voltar, bem sei...
Volta hoje se puderes
Que amanhã pode ser tarde.

Dize que vens, e que é certo,
Jura p'la amizade nossa,
Que inda a não perdi...
A morte já anda perto.
Ao menos deixa que eu possa
Morrer abraçada a ti...


(Desconheço a autora)

sábado, fevereiro 16, 2008

CRISÁLIDA


Nas horas de silêncio, olhos fechados
Ao beijo hipnótico do luar bendito,
Que asas leves são essas que eu agito
Por longínquos caminhos ignorados?
Que assa fluidas são essas que, se fito
Do alto delas os mundos afastados,
Meus olhos logo sinto deslumbrados
Na luz dessas pupilas do Infinito?!
Asas leves, mais leves do que a aragem...
E fluidas, vaporosas como a imagem
Dum clarão sobre as águas fugidias...
Asas que me arrebatam, céus em fora,
Para onde o sonho vive e onde a luz mora,
Ao êxtase das divinas alegrias!
Beatriz Pinheiro

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

POESIA


"Esta saudade és tu.. . E é toda feita
de ti, dos teus cabelos, dos teus olhos
que permanecem como estrelas vagas:
dois anseios de amor, coagulados.

Esta saudade és tu ... É esse teu jeito
de pomba mansa nos meus braços quieta;
é a tua voz tecida de silêncio
nas palavras de amor que ainda sussurram.

Esta saudade são teus seios brancos;
tuas carícias que ainda estão comigo
deixando insones todos os sentidos.

Esta saudade és tu ... é a tua falta
viva, em meu corpo, na minha alma, viva...
enquanto eu morro no meu pensamento.


( J. G . de Araujo Jorge - coletânea -"Poemas do Amor Ardente" 1a ed.1961)

sábado, fevereiro 02, 2008

NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.



Fernando Pessoa