Talvez isso seja um relato pessoal
Mesclado com toques de ensaio sobre literatura
Ou sobre cultura de massa
Ou nada disso (ou tudo isso)
Com certeza não é um escrito com pretensões literárias
Mas tem ambições de um público amplo, talvez (ou não),
E de um público restrito (isso certamente),
Muito belo e charmoso, inclusive.
(Ao terminar de escrever, percebo que posso chamá-lo de uma espécie engraçada de carta.)
Escreve-se literatura por um sem-número de motivos. Nem como estudante apaixonada, já há tantos (posso até usar essa palavra, puxa vida) anos, tenho a possibilidade de listá-los. Nem pretendo fazer exatamente isso agora.
Me comovem, contudo, as aparições mínimas, como um pirilampear de vagalumes, da literatura na escuridão do cotidiano. Do fato, do relato, do insight que, de alguma forma, tem um valor literário reconhecido e, em função disso, desperta uma voz alheia ou interna: é preciso escrever sobre isso.
Qual será a natureza dessas aparições, eu não saberia dizer sem cair nos grandes clichês - me falta destreza para esse tipo de descrição. Sensibilidade não me falta. Pelo contrário: ela me veio de sobra no carregamento que os astros me entregaram tão logo eu vim parar nesse mundo que, na impossibilidade de descrevê-lo com mais paciência, chamo de louco. Só na loucura cabe tanto paradoxo simultâneo (somos tradicionalmente filhos do logos, respeitando nossa cultura ocidental).
Já fui mais dada a esse tipo de prática, a de traduzir em palavras um emaranhado de pensamentos fixos decorrentes de acontecimentos. Talvez uma excessiva auto-crítica e uma boa dose de covardia não me permitam me entregar a essa tentação à forma de outrora.
Mas não há muito como fazê-lo, por vezes. E na verdade, só estou aqui, agora, porque escutei em duas situações diferentes, em um curtíssimo espaço de tempo (que expressão engraçada essa!), a mesma sentença: você precisa escrever sobre isso (em que o pronome em questão não possui o mesmo referente, mas isso só vem ao caso de forma secundária).
(Como a escrita revela o escritor: estou dando voltas e voltas pouco objetivas, fazendo toda uma ambientação para justificar o meu discurso final. Deixo a análise para os analistas, contudo, se os houver.)
Pois aqui estou, mais me escondendo do que me mostrando, mais ocultando do que dizendo, dissertando motivada, em primeira instância, não pelo apelo alheio, mas - e aí entra a questão da cultura de massa - por uma imagem digital que, não mais que de repente (veja como me agradam os clichês literários), me incitou a suspirar de forma leve e agradável. Terceiro pirilampear: o decisivo, por ser uma voz interna, que eu tenho uma rebeldia muito própria na hora de decidir o que fazer. Alguns chamam isso de orgulho - outro conceito filosoficamente delicioso de se refletir sobre.
Não quero fazer um estudo de caso sobre os efeitos do Facebook nas nossas emoções. Até porque não quero me alongar muito mais, para não sofrer mais acusações (além das minhas próprias - todas cobertas de razão, devo dizer) de ser uma autêntica enroladora. Para os mais místicos, um não casual alinhamento dos planetas Marte e Mercúrio com a constelação de Libra serve de explicação suficiente para tantas voltas.
A imagem, a sentença, as motivações. Ao fim e ao cabo, o que eu gostaria de dizer é que, diferentemente da imensa maioria das lembranças romântico-afetivas que os meios digitais evocam em mim - tão carregadas de uma memória impregnada de auto-depreciação e revolta - ver a sua imagem me fez suspirar, e me fez lembrar de que me falaram para escrever o meu relato emocionado sobre você. E faço isso com uma boa vontade incomum. Faço isso por uma necessidade também, e principalmente, própria, como disse alguns parágrafos atrás. E isso me parece muitíssimo significativo.
Me comoveu essa aparição da necessidade de traduzir um discurso que, se ao ouvido alheio pareceu intenso, possui uma conotação tão leve para o meu logos e para o meu pathos. Talvez não sejam contraditórias essas duas características - leve e intenso. O andar felino, o voo de uma ave-do-paraíso: exemplos que talvez possam abranger os dois adjetivos. Se existe na Natureza, esse conceito soa válido à minha percepção das coisas do mundo.
Mas é só dessa forma, apenas isso tudo que eu vou dizer o que me pareceu que eu deveria dizer. Não sei o que te parecerá, sei muito pouca coisa, e nem se eu quisesse, seria possível sabê-lo exatamente agora, às vinte e uma horas e quarenta e um minutos do dia nove de novembro do ano de dois mil e dezesseis. Corrijo-me na minha sentença inicial: escreve-se por um sem-número de motivos. Escondi no meio da minha confusa verborragia meus particulares motivos. Corrijo-me pois não pretendi escrever literatura, afinal; mas foi sobre escrever, principalmente, que escrevi. Creio ser isso o que todo aquele que escreve termina por fazer - o grande exercício metalinguístico nosso de cada dia. Eis-me aqui, toda enrolada, terminando de escrever o que me pareceu que eu deveria dizer. Se necessário, outra hora eu volto. Sabe-se lá o que mais há de pirilampear no cotidiano, não é mesmo?