Declaração de Córdoba
XVIII Conferência Internacional do MINOM
A museologia que não serve para a vida, não serve para nada.
Córdoba / Argentina, 2017
Nós, integrantes do MINOM, presentes em Córdoba, Argentina, entre os dias 9 e 14 de outubro de 2017, repudiando os golpes contra a democracia, os direitos humanos e os direitos da natureza (a Pachamama, a Mãe Terra), entendidos como direitos integrais, Retomando as declarações do MINOM de Nazaré (2016), Havana (2014) e Rio de Janeiro (2013), Consideramos que: A museologia que não serve para a vida, não serve para nada;
Guardamos no corpo todas as memórias;
A museologia que praticamos envolve afetos, fraternidade, reciprocidade, amor, alegria e poesia;
A memória, para todos nós, constitui una forma deliberada de resistência, de luta contra a destruição dos modos de vida que não se enquadram em nenhuma forma de colonialismo, entre as quais se encontram o sistema capitalista, o patriarcado e outras.
A memória é, ao mesmo tempo, a afirmação dos valores humanos, da dignidade e da coesão social, colocando-se como ação propositiva de ocupação do presente e invenção de futuros;
O museu é um lugar de encontro que pode contribuir para una cultura de paz com voz e sem medo;
No mundo contemporâneo observa-se o recrudescimento e a multiplicação das formas de violência e fascismos dirigidas contra os povos indígenas, comunidades camponesas, comunidades urbanas populares, negrxs, mulheres, crianças, comunidades LGBTT, migrantes, imigrantes, refugiadxs e todas suas intersecções e transversalidades, incluindo todxs aquelxs que não se enquadram no modelo hegemônico;
Em nome do desenvolvimento, entendido como progresso baseado na exploração, as grandes corporações e o poder público (em aliança), avançam sobre os territórios destruindo a natureza e os vínculos sociais;
O constante deslocamento ou remoção forçada de populações e a falta de reconhecimento dos territórios ancestrais e da propriedade coletiva da terra, impõem modos de vida desumanizantes, que implicam a ruptura de laços e estruturas sociopolíticas, bem como a produção de mais fragmentações e vulnerabilidades sociais;
A noção hegemônica de patrimônio traz um vetor patriarcal y patrimonialista incapaz de abarcar os múltiplos sentidos e solidariedades implicados na produção e comunicação das culturas, onde estão presentes as condições para o reconhecimento de uma herança que se constrói e se comparte aqui e agora, e que pode ser denominada como fratrimônio e soromônio, integrando o natural e cultural, o material e o imaterial;
A censura das expressões culturais e artísticas ocorridas em nossos países são atos de exclusão que vão contra a filosofia e as práticas da Museologia Social;
Os museus são espaços potentes para enfrentar o racismo, a homofobia, a lesbofobia, a transfobia, a xenofobia, a aporofobia, o machismo e o sexismo;
As pessoas em situação de privação de liberdade (no âmbito do marco legal) sejam crianças, jovens ou adultxs, devem ter garantidos todos os seus direitos humanos, incluídos os direitos culturais;
Todas as práticas museológicas implicam compromisso ético que deve contemplar a participação das comunidades nas decisões que envolvem o uso, a exposição, a interpretação e o destino de seus bens e manifestações culturais;
Compromissos:
- Criar a partir dos museus programas e ações concretas visando a participação ativa das comunidades na tomada de decisões sobre as ações museológicas em que estão envolvidas.
- Promover mudanças internas em nossas instituições a favor da de(s)colonização de práticas pedagógicas, bem como da formação professional e da pesquisa nos museus.
- Promover políticas públicas de descentralização em museus e espaços culturais públicos que concentram recursos e influências com o objetivo de que possam abrir portas para experiências de autogestão no âmbito da Museologia Social focada no território, em articulação com os coletivos comunitários pré-existentes.
- Propor mingas (1) , mutirões e parcerias inter museu e entre museus, visando a redistribuição e circulação de recursos, saberes e experiências.
- Gerar e propiciar espaços e encontros trans e interdisciplinares com o objetivo de dar continuidade aos debates e promover a criação de redes de Museologia Social ao nível local, nacional e regional.
- Contribuir para o fortalecimento do MINOM como movimento internacional para a nova museologia.
- Promover a prática da MuseologiaSocial em espaços hegemônicos.
- Criar ambientes, espaços e estratégias que permitam o encontro crítico para o diálogo e a construção de identidades.
- Conhecer e transformar as práticas museológicas vigentes nas instituições com e a partir dos recursos disponibilizados pela Museologia Social.
- Desenvolver programas que levem os museus para fora de seus muros e convidem as comunidades a conviver com os patrimônios que os habitam.
- Criar e desenvolver agendas educativas para visibilizar situações e realidades sociais que produzam impactos na comunidade.
- Construir filosofia de trabalho que oriente as ações do museu e de seus trabalhadores visando fortalecer os movimentos de transformação social.
- Compreender a Museologia Social como una ferramenta colocada à disposição das comunidades e favor da resistência, da visibilização e da inclusão.
- Incorporar, em nossas propostas museológicas e museográficas, bem como no trabalho de mediação, uma linguagem inclusiva no que se refere à diversidade cultural e de gênero.
- Promover o desenvolvimento de espaços que fomentem relações sociais de complementariedade, autenticidade e solidariedade.
- Construir de modo participativo uma agenda de trabalho que oriente as políticas e ações dos museus, incluindo as problemáticas, interesses e desejos das comunidades e coletivos sociais com os quais nos relacionamos.
- Gerar exposições que contemplem a tomada de decisões conjuntas entre museus, comunidades e coletivos sociais em todas suas etapas (proposta conceitual, construção narrativa, proposta museográfica, montagem e proposta pedagógica).
- Ampliar a colaboração entre museus e fortalecer o trabalho em rede visando aprimorar a formação de seus trabalhadores e examinar nossas condições e práticas trabalhistas.
- Difundir e discutir a Museologia Social em nossos espaços de trabalho.
- Finalmente, Exigimos que Santiago Maldonado nos seja devolvido vivo e exigimos também a libertação de Milagro Sala. A vida dos companheirxs apontam para a emergência de um contexto de luta que denuncia a grave situação em que vivem os povos indígenas americanos, o que implica a criminalização e a judicialização de suas reinvindicações e até mesmo de suas condições de vida, incluindo a inviabilização e a negação de que possam viver em sintonia com as suas próprias cosmovisões, onde o território é parte vital. Neste contexto, exigimos a aprovação da extensão da Lei 26.160, referente à Emergência Territorial Indígena e a revogação da Lei 26.331 do Bosque Nativo, ambas na Argentina.
Reconhecemos Paulo Freire como educador e professor de educação popular, que inspira filosofias e práticas de Museologia Social em todo o mundo. Repudiamos a intenção de um grupo da sociedade brasileira que quer revogar o título de Patrono da Educação, concedido a Paulo Freire, pelo povo brasileiro, por meio do Congresso e da lei 12.612, de 03 de abril de 2012.
Por último: NENHUMA A MENOS, VIVAS NOS QUEREMOS!
"Você têm que se despreender de sua própria imaginação para comunicá-la e transmiti-la aos outros. Assim, você poderá compartilhar a sua imaginação com os outros e os outros vão deixar algo para você também” (Noam, 7 anos. Participante ativo da XVIII Conferência Internacional do MINOM)
(1) Trata-se de uma palavra de origem “Qhichua” que reúne conceitos complexos e que implica os sentidos de mutirão, parceria, fazer junto, préstimos, cooperação, reciprocidade e assim por diante. Por tudo isso, decidimos mantê-la e incorporá-la ao vocabulário do MINOM.
Mais informações em (http://www.minom-icom.net/) e http://www.museologia- portugal.net/