Foi numa quarta-feira, há algumas semanas. Era um dia de sol, passava das 10 da manhã e eu estava regando as plantas da varanda. Aproximei-me do ficus já pressentindo o cheiro gostoso de terra que costuma subir das raízes, quando meus olhos cruzaram por um breve instante com a foto sobre a estante. E, assim de repente e sem nenhum aviso, me veio a inexorável realização de que meu pai não vai voltar nunca mais.
Fiquei por um instante imóvel. Senti as pernas falharem. Fui me abaixando lentamente e me sentei no tapete num canto da sala. Senti o peso de uma viga de cimento na cabeça e uma dor lancinante no coração.
Meu pai falecera em dezembro, na semana do Natal. Foram dias de providências, viagem, pouco sono, muita adrenalina. A inquietude do sobressalto é seguida de uma tristeza profunda que provoca uma sensação de serenidade e calma quase reconfortantes. Apoiei-me no consolo de que meu pai teve uma vida longa e plena, e uma morte digna. Mas nada me preparara para a saudade que vem com o tempo e que chega sem sobreaviso.
Eu ainda trago na carteira o cartão de agendamento das consultas médicas, às quais íamos sempre juntos. E quando passo em frente da casa eu muitas vezes me pego olhando sem pensar para o banco do jardim esperando vê-lo sentado observando o movimento da rua. A dor da perda vai se tornando em saudade boa, mas alguns dias ainda são mais difíceis que outros.