Agora
escrevem Abril com minúscula. É uma coisa ortográfica, na aparência, mas eu
desconfio que seja mais do que isso.
Por
mim, não consigo escrever 25 de Abril de 1974 sem a maiúscula que a palavra
merece. Porque, sabei, há 41 anos eu habitei, com outros desse tempo limpo e
lindo, o país da esperança e da liberdade. Gritei, junto a meu Pai, "Morte
à Pide!", ali mesmo às portas do edifício-sede dessa polícia (que viria a
ser, depois, sede da Direção Regional de Educação do Centro). Assisti ao
recenseamento eleitoral da minha rua, na sala da minha escola primária. Ouvi,
na escola da Mata e em Eiras, no dia das eleições enfim democráticas, gente de
todos os partidos a cantar "Somos livres, somos livres, não voltaremos
atrás!". Admirei Salgueiro Maia como se ele fosse um herói de cinema. Li
Soeiro Pereira Gomes, Sophia, Manuel Alegre, Sttau Monteiro. Decorei canções de
Zeca e Sérgio Godinho. Chamei fascistas aos árbitros que prejudicavam o União
de Coimbra ou o Sporting Clube de Portugal. Fui formosamente optimista,
ingénuo, feliz.
Gosto
que a minha filha goste do 25 de Abril como eu. E lamento muito, por outro
lado, que o espírito lindo e limpo daquela revolução se tenha tornado,
entretanto, tão distante e fugidio. Tão aquém do futuro que ela merecia (que a
juventude inteira merecia). Ela sabe que Abril valeu e vale a pena. Mas também
sabe, como eu, que ficou por cumprir muito (tanto) desse sonho honesto de
liberdade e de justiça.
Encenei
há uns anos a peça "A Noite", de Saramago, com adaptação minha. A
imagem que aqui acompanha este texto é do meu amigo Manuel Vilela e foi
desenhada para ilustrar o cartaz do espectáculo. Sirvo-me desta memória em
forma de desenho para recordar esse momento de teatro - e, evidentemente, a
mensagem fundamental que ali, então, perseguimos. Deixai que vo-la lembre: a
Noite aconteceu; a Noite acontece. O Dia fez-se; o Dia faz-se.
25 de
Abril sempre!
Ribeira de Pena, 25 de Abril de 2015.
Joaquim Jorge Carvalho