Falei de livros e pedi sugestões. Agora preciso falar de minhas leituras. Acabei de ler "Sempre Viçosa", de José Dionísio Ladeira. Minha mãe nasceu nesta cidade e lá passei férias, frequentei festas de família. Assim, foi possível reconhecer pessoas e lugares que conheci menina.
Está lá, na página 315, este pequeno texto que fala da ansiedade da minha mãe à espera das cartas do meu pai:
“Zé de Zequinha circulava pela Rua do Comércio, Arthur Bernardes, Praça do Rosário, Vaz de Melo, a praça principal, acenava, de longe, com o envelope para a Helena, filha do Joaquim Leandro (irmã de Cirene), descia para a Rua dos Passos, D. Gertrudes, Dr. Brito, Muzungu, Virgílio Val e só no fim do périplo entregava a missiva à noivinha saudosa do Haroldo, que estava em Muriaé.”
O livro que sempre recomendo (e já presenteei várias pessoas com ele) é “O Arroz de Palma", de Francisco Azevedo.
Aqui, um trecho do livro:
"Velho sente saudade de mãe e de pai. Tudo faz tanto tempo! Velho quer colo, quer colher na boca vindo de longe com motor de aviãozinho, quer - banho tomado - que lhe ponham na cama, lhe aconcheguem com lençol limpo e travesseiro macio. Uma história conhecida, uma cantiga de ninar, um beijo de boa-noite. a porta do quarto um pouquinho aberta, com a luz do corredor acesa - o ponto de referência é sempre bom. Velho sente falta de instância superior. Quem o julgará com isenção e sabedoria? Quem, melhor que ele, saberá, imparcial, examinar o mérito da questão? Velho é criança de fôlego diferente. Já não lhe interessam as correrias nos jardins, o sobe e desce das gangorras, o vaivém dos balanços. É tudo muito pouco. O que ele quer agora é desembestar no céu, soltar os bichos que colecionou a vida inteira. Os bichos todos - domésticos, selvagens, úteis e nocivos. Os pesados répteis que ainda guarda no coração e as borboletas, peixes e passarinhos, tudo solto lá em cima! Tia palma dizia que velho na horinha da morte conhece o máximo e o mínimo de si mesmo. É ao mesmo tempo elefante e louva-deus. É sequoia e flor-do-campo, oceano e poça de chuva, cordilheira e grão de sal. Ela garantia que a gente sabe direitinho quando acontece a transformação. A alma começa a emitir todos os sons da natureza: ventos, águas, passos de gente no cascalho, fogo que arde, madeira que estala, respirações variadas e, de repente, um bater rápido de asas. Aí entra o coral - as vozes dos animais. A alma do velho rosna, ameaçadora - segundo movimento do concerto. A alma urra, uiva, grita, relincha e muge. Depois zumbe, trina e gorjeia. A alma se liberta rumo ao infinito e, aí sim - soprano, tenor, contralto e baixo - canta a mais bela ária da mais bela ópera! Eu, criança, piamente acreditava. Depois, homem feito, achava graça. Faz algum tempo voltei a acreditar".