Chegado das suas férias (que espero que tenham sido pantanosas), Zé Eduardo, num discurso que lhe deixou gosma acídica no canto dos lábios, apressou-se a justificar a sua absurda infâmia. Num programa de televisão que por acaso vi na RTP2, ZE tinha um painel de comentadores e jornalistas claramente contra ele. Estavam todos curiosos por ouvir como se iria defender o tipo.
Depois de ter sido lembrado que dias antes do seu cobarde ataque tinha dito que Marco Silva era um bom treinador, rapidamente explicou que a sua posição em nada tinha de inconsistência: Marco é de facto um bom treinador e isso não estaria em causa, mas sim o "facto" do seu projecto pessoal não coincidir com o projecto Sporting. É difícil abstrairmo-nos da ideia de que ZE assumida e pateticamente virou-se contra MS com extrema virulência apenas após o segundo lhe ter rejeitado a possibilidade de se reunirem numa garagem dum hotel de Lisboa, mas a verdadeira falácia, tristemente engolida pelos comentadores desse programa, prende-se na ideia de que um clube de futebol pode ter um projecto extremamente bem definido pelo seu presidente e que um treinador é um mero peão desse mesmo projecto, um empregado contratado para executar uma função altamente técnica estilo meter jogadores a driblar pinos e outros exercícios, tendo mesmo de convocar os jogadores que a direcção acha que encaixam no projecto.
É para isto que os sportinguistas votaram em Bruno de Carvalho? É que é preciso que se defina muito bem isso.
BC tem feito um trabalho notável em vários aspectos (embora mantendo alguns vícios portugueses de dar tachos aos amigos, como aparenta o exemplo mas explicado do Jornal Sporting). Fiquei satisfeito por ter ganho as eleições. Mas suspeitei dessa sua vertente autocrática, que detesto.
Tem obviamente de haver uma linha de pensamento que una as decisões que se tomam no Sporting. Chamemos-lhe projecto. Mas é absurdo pensar-se que em futebol essas decisões possam ser muito concretas. Queremos um "futebol de ataque", queremos "apostar na formação", queremos "tentar ganhar um título nos próximos 3 anos". Tudo coisas sim senhora e depois é arranjar um técnico que partilhe os mesmos princípios.
É assim que todos clubes fazem. O Barcelona do Guardiola foi o Barcelona do Guardiola e não do Laporta, o mesmo se diz do Ajax do Van Gaal, do Arsenal de Wenger ou Man Utd do Ferguson. A nível mais próximo temos o extraordinário Benfica de Jesus (e de mais ninguém), mas tal qual o Porto de Pedroto ou de Artur Jorge ou Mourinho.
Os presidentes de futebol não são eleitos para definirem ao pormenor todos os aspectos do futebol do clube. Aliás, nem têm as competências para tal. Bruno de Carvalho tem pouco mais no seu cv do que "sócio do SCP". Dele se espera apenas que tenha a lucidez de escolher as pessoas certas e capacidade de as atrair para os respectivos cargos.
É de todo normal que um treinador tenha o seu "projecto pessoal". Todos temos uma espécie de projecto pessoal. Zé Eduardo tentou embaraçar Marco Silva por se mover a pensar nisso. Mas pressupondo que o seu interesse pessoal seja vencer, não há nada de embaraço nisso. É, aliás, um direito universal.
Em suma, ZE tentou influenciar os sportinguistas com uma estratégia antiga, muito católica, essa de acusar o menino cujo pecado é pensar por si mesmo. Mas, graças a deus, já pouca gente vai à igreja.