segunda-feira, 30 de abril de 2012
CHUVA
Sentado na cabeça de um prédio, o pássaro espreita a cidade. Parece um farol a indagar o mar. Mas quando a chuva sai das nuvens, a solidão apodera-se do miradouro.
ESPINHO
suspiro e ergo as golas do casaco. na marginal de espinho, as sombras escondem delinquentes e prostitutas. mas os senhores do saber, de dentes afiados, levam os corpos para o areal, enquanto o mar chicoteia as costas das pedras.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
quarta-feira, 25 de abril de 2012
25 DE ABRIL
Revolução dos Cravos refere-se a um período da história de Portugal resultante de um golpe de Estado militar, ocorrido a 25 de Abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933, e que iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático, com a entrada em vigor da nova Constituição a 25 de Abril de 1976.
Este golpe, normalmente conhecido pelos portugueses como 25 de Abril, foi conduzido por um movimento militar, o Movimento das Forças Armadas (MFA), composto por oficiais intermédios da hierarquia militar, na sua maior parte capitães que tinham participado na Guerra Colonial e que foram apoiados por oficiais milicianos, estudantes recrutados, muitos deles universitários. Este movimento nasceu por volta de 1973, baseado inicialmente em reivindicações corporativistas como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabando por se estender ao regime político em vigor. Sem apoios militares, e com a adesão em massa da população ao golpe de estado, a resistência do regime foi praticamente inexistente, registando-se apenas quatro mortos em Lisboa pelas balas da DGS.
Após o golpe foi criada a Junta de Salvação Nacional, responsável pela nomeação do Presidente da República, pelo programa do Governo Provisório e respectiva orgânica. Assim, a 15 de Maio de 1974 o General António de Spínola foi nomeado Presidente da República. O cargo de primeiro-ministro seria atribuido a Adelino da Palma Carlos.
Seguiu-se um período de grande agitação social, política e militar conhecido como o PREC (Processo Revolucionário Em Curso), marcado por manifestações, ocupações, governos provisórios, nacionalizações e confrontos militares, apenas terminado com o 25 de Novembro de 1975.
Estabilizada a conjuntura política, prosseguiram os trabalhos da Assembleia Constituinte para a nova constituição democrática, que entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976, o mesmo dia das primeiras eleições legislativas da nova República.
Na sequência destes eventos foi instituído em Portugal um feriado nacional no dia 25 de Abril, denominado "Dia da Liberdade".
terça-feira, 24 de abril de 2012
sexta-feira, 20 de abril de 2012
SUGESTÂO
Um livro não responde. Um livro pergunta. Qual é a pergunta? “Cada rosto, cada loja, cada janela de quarto, bar e praceta escura é uma imagem febrilmente virada – em busca de quê? É o mesmo com os livros. Que buscamos em milhões de páginas? Continuamos esperançosamente a voltar as páginas – oh, aqui está o quarto de Jacob.”
Jacob é o protagonista do terceiro romance de Virginia Woolf (1882-1941), o primeiro em que ela se liberta de uma narrativa mais linear. Sim, há uma história, mas não corre como um fio. Porque a vida de um homem não corre como um fio. Existe inteira num fragmento, não a conseguimos ver do princípio ao fim, atinge-nos por um instante, e depois escapa, já foi.
Ao terminar “O Quarto de Jacob”, no Verão de 1922, Virginia (Stephen em solteira, Woolf por casamento) escreveu no seu caderno de notas o verso em que o poeta romano Catulo se despede do irmão: “Atque in perpetuum, frater, ave atque vale” (“E para sempre, irmão, salve e adeus”*). Por baixo acrescentou: “Julian Thoby Stephen (1880-1906).”
Thoby era o irmão mais velho. Tinha (como Virginia e Vanessa) um rosto comprido, olhos claros, melancólicos, queixo e lábios proeminentes. Nas fotografias, parece belo (como Vanessa, e, por vezes, Virginia). O seu círculo de amigos em Cambridge foi um dos embriões do Bloombsbury Group.
No Verão de 1906, os quatro irmãos Stephen (o mais novo era Adrian) e uma amiga partem para uma longamente desejada viagem pela Grécia. Durante a estadia, Thoby apanha febre tifóide e morre pouco depois do regresso a Londres. Tinha 26 anos. “O Quarto de Jacob” é a saudação ao irmão que morreu. Uma vida, pontos intensos de luz.
Cambridge: “Dizem que o céu é o mesmo em toda a parte. Os viajantes, os náufragos, os exilados e os que estão a morrer reconfortam-se com esta ideia; e não há dúvida de que dessa superfície inviolada jorra consolo e até explicação para quem tenha tendências místicas. Mas sobre Cambridge – ou pelo menos sobre a capela de King's College – há uma diferença. No mar longínquo uma grande cidade projecta claridade para a noite. Será demais imaginar que pelas fendas da capela de King's College o céu penetrava mais leve, mais fino, mais espumoso do que o céu doutros lugares? Cambridge estará iluminada não só de noite mas também de dia?”
A Grécia: “[...] no dia seguinte o comboio deu lentamente a volta a uma colina em direcção a Olímpia e as camponesas gregas estavam no meio das vinhas; os velhos gregos estavam sentados nas estações a berrricar vinho doce. E Jacob, embora continuasse deprimido, nunca suspeitara quão tremendamente agradável é estar só; [...] Galopar destemperadamente; cair na areia esgotado; sentir a terra girar; sentir – positivamente – um ataque de amizade pelas pedras e relvas, como se a humanidade tivesse terminado; e quanto aos homens e mulheres, quero lá saber! – não podemos negar que este desejo se apossa de nós frequentemente.”
quinta-feira, 19 de abril de 2012
DIFERENÇA
Dentro do café, os homens olham para as unhas. Alguns também fumam. A empregada, de curvas salientes, está sentada nos barris de cerveja. Tem um rosto bonito e incomum, porque as sardas, com diâmetros exagerados, dão-lhe características peculiares. As íris, pintadas a azul-bebé, e as sobrancelhas, volumosas e eriçadas, ajudam a reforçar a estética da porcelana. Por detrás da parede de vidro, as nuvens, carregadas de humidade, escondem o azul do céu. A cidade, de regresso a casa, fica pardacenta e perde o perfume da Primavera. Daqui a pouco, as lâmpadas públicas irão acender os passos dos transeuntes. Levanto-me e vou até à caixa. A empregada, lentamente, move o corpo. Depois mexe nos botões da máquina registadora e diz-me: “Três euros e trinta”, “Na semana passada, para o mesmo consumo, paguei dois euros e pouco!”, “Faça queixa ao governo”, engulo a surpresa e tiro a carteira do casaco.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
ASSALTO
O frio encrespa-se. As pessoas, de golas erguidas, correm e escondem-se nas tocas das lojas, onde os valores dos saldos são expostos nas paredes. Mas as carteiras, desprovidas de essência, avisam-nas que o momento não está para gastos. Ficam tristes e fazem beiços carregados. As empregadas, de narizes metidos na coscuvilhice, observam-nas. Subitamente, no pronto-a-vestir, que fica ao pé da câmara, é assaltada. Os ladrões, homens de estrutura volumosa, descem a correr a Rua da Liberdade. Ao pé da estátua do rei mudam de direcção e desaparecem. Os arbustos são bons para isso. Pouco depois, o carro da GNR penetra nas perguntas dos velhos e pára a dois palmos da mulher que grita. O condutor, um albino sorridente, faz mover o vidro, “Onde estão?”, “Estão ali”, e os dedos da pobre histérica esburacam o sossego do parque, “Os bandidos não vão longe”, faz-lhe uma vénia e acelera. O carro, dos anos oitenta, seguramente, incendeia de vermelho os olhos das pessoas quando trava. Mas o mistério, em forma de bruma, apodera-se da máquina.
terça-feira, 17 de abril de 2012
SOL
chove, faz frio, mas sobre o promontório as nuvens são panos rotos. o sol, matreiro, pontapeia as fissuras e desce até ao topo da montanha.
sexta-feira, 13 de abril de 2012
BIBLIOTECA
estou na biblioteca. do lado direito, está um miúdo a jogar às cartas no computador. por detrás dele está um mar de livros. e todos eles estão fechados. será que ele vai abrir algum?
quinta-feira, 12 de abril de 2012
SUGESTÃO
Joyce acabou de escrever Retrato do Artista quando Jovem em 1914, ano de publicação de Gentes de Dublin. A novela descreve a infância em Dublin de Stephen Dedalus e a sua busca de identidade. As diferentes fases da vida do protagonista, da infância à vida universitária, refletem-se em mudanças no estilo narrativo. Os aspetos biográficos são tratados com irónico distanciamento, num trajeto que culmina com a rutura com a Igreja e a descoberta de uma vocação artística. A obra é também um reconhecível auto-retrato da juventude de James Joyce, assim como uma homenagem universal à imaginação dos artistas.
quarta-feira, 11 de abril de 2012
AVES
As aves voam em círculos em redol do beiral saliente de uma casa. O ar da tarde dos princípios de abril torna o seu voo nítido, os seus corpos escuros e palpitantes projecta-se, num nítido constraste, contra o céu, como se este fosse um pano pendurado.
terça-feira, 10 de abril de 2012
RUA
No meio da azáfama dos transeuntes, que bufam palavras incultas e gesticulam verdades imaculadas para os telemóveis, sinto os efeitos do calor. De olhos esbugalhados, limpo a testa e tiro o casaco. Depois arregaço as mangas da camisa até aos cotovelos e movo-me. Quero fugir deste sítio. Ao pé do sinal que me obriga a parar vejo os automobilistas a correr. Parecem meteoritos apressados. Mas a bolinha vermelha diz aos atrasados para estacionar as máquinas em frente às riscas brancas, onde as multidões aproveitam para se cruzar. Movo-me. Sou o único a fazê-lo com lentidão. Perto do passeio oposto, as minhas mãos perdem o casaco. Para o salvar das solas que pisam o chão com negligência, dobro os joelhos e movo os braços. Mas abandono a ideia quando vejo as rodas dos carros a sair da inércia. Colado ao poste, que no cume tem três regras distintas, escondo o nervosismo atrás dos punhos e espreito o pobre casaco. Do outro lado, as vozes continuam a gritar para os telemóveis; os olhos, cravejados de brilhos, colocam calmamente o olhar na carnificina. Uma repulsa, por causa dessa coscuvilhice atrevida, por causa desse atrevimento inesperado, apodera-se da minha traqueia. A voz, no entanto, permanece inexpressiva e isso é algo que me agrada, porque se ela exprimisse o amor que sinto pelo casaco as multidões achariam que sou um pateta ou um velho sem juízo. Entretanto, os automóveis param. Tiro da cabeça a indecisão, essa coisa que me faz pensar que não tenho certezas, e olho para os olhares que se afastam do casaco e olho para as pernas que se movem. O objecto, que foi uma prenda de anos da minha falecida mulher, é de novo esmigalhado. As mangas, como não resistiram aos choques, são agora dois balões que voam por entre as pernas dos desconhecidos. Faço dilúvios nos olhos e reforço os regos do rosto, mas digo adeus à memória quando me sinto a sufocar.
sábado, 7 de abril de 2012
PÁSCOA
A mesa está cheia de amêndoas e de ovos pintados. Só falta o pão-de-ló para preencher o círculo que está no centro. Mas vai demorar, porque a entrega está atrasada. Foi o que me disseram na pastelaria. Não faz mal. Sento-me no sofá e observo as folhas das árvores. Ao fundo, o céu carrega-se de nuvens e de pássaros, “Trimmm! Trimmm!”, o telefone toca. Abandono o miradouro e vou até à cozinha. Sobre o parapeito, leio as palavras que estão no ecrã: “Desejar uma páscoa feliz aos amigos do blog”, apago o lembrete e ligo o computador.
sexta-feira, 6 de abril de 2012
NO MEIO DA PENUMBRA
O dia está frio, mas não há vento. No céu, as nuvens engolem aviões e escondem o sol. Mais a baixo, alguns pássaros olham para as ruas da cidade, onde a solidão se passeia com lentidão. Coloco o cansaço num banco e olho para o horizonte. É difícil distinguir a linha que divide os sonhos da verdade, porque as cristas dos prédios escondem partes importantes do contorno. Mas deixo de a procurar quando o chão de madeira me avisa que há alguém a caminhar. Movo o rosto. No lado oposto, vejo o corpo da minha mulher sem a vestimenta. Engulo um desejo, um desejo ardente, forte, enorme, e ergo a ansiedade. Abro os braços e abraço as ancas esfomeadas, enquanto perco as calças.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
FRIO
tenho o nariz frio; os dedos dos pés são cubos de gelo. na rua vejo pessoas com o peito à mostra. talvez a constipação seja a causa desta diferença.
quarta-feira, 4 de abril de 2012
DE MANHÃ
Acordo com a cara enterrada no pântano viscoso que brotou da minha boca. Junto a ele está o meu companheiro a lambê-lo. Reprovo-lhe a atitude através de um sopro impetuoso. O tipo, a piscar incómodos, abana a cabeça com veemência. Tenta proteger-se da tempestade. Mas a aflição leva-o até ao sobrado, “Isto não é para beber, menino!”, grito com enfado. Como não o vejo, estico o pescoço e movo a cabeça. Os gestos, violentos e irreflectidos, obrigam-me a desequilibrar. Para recompor o equilíbrio do tronco, coloco a mão esquerda no meio do pântano. Digo palavras incultas, dou suspiros nervosos, encarquilho os regos do rosto e desenho anarquias com os braços. Transformo-me num desassossego hilariante. Por isso é que a bola de pêlo fez ironias com o rosto quando me viu, “Tratante!”, pego numa almofada e atiro-a. Não consegui controlar a ira.
terça-feira, 3 de abril de 2012
NOITE
Perto dos objectos minúsculos, o crepúsculo é engolido pela noite. Da varanda do meu apartamento, que está a três pisos de altura do pavimento asfáltico, assisto ao acontecimento. O gesto, executado pela natureza, obriga-me a recordar os gestos dos homens. Mas quando as estrelas se acendem, os flagelos dissolvem-se no brilho dos meus olhos. Quase ao mesmo tempo, os candeeiros que estão presos às fachadas dos prédios iluminam os movimentos da solidão, que desce calmamente pela rua. Movo o olhar e espio-o. Sem que nada fizesse prever, a tristeza recorda-me o dia em que a minha amada morreu. Ao recuar até à tragédia, as fontes dos sentimentos enchem-se de dilúvios. Os regos do rosto, incapazes de orientar a emoção, ficam submersos. Isso permite à aflição penetrar na minha pele. Para não a ter como companheira, varro o pensamento e limpo a humidade.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
LIVRARIA ARQUIVO
No sábado, em Leiria, a livraria Arquivo foi o local escolhido para receber as palavras do remix: uma espécie de remistura a partir dos contos do Paulo Kellerman, que estão unidos num e-book. O espaço, repleto de razões empacotados em livros e de aromas magníficos, expelidos pela máquina do café e pela torradeira, esteve cheio. Tão cheio que não dava para meter mais cabeças. O que me impressionou. Como também me impressionou a emoção que saiu dos rostos quando os autores, os senhores das metamorfoses, leram os cozinhados. No final houve abraços e beijos. Alguns foram regados por lágrimas; outros pediram a tudo para que o futuro traga mais eventos.
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