domingo, 16 de fevereiro de 2025

simples

 




o rapaz que já não é rapaz quase perde a paciência comigo

tudo o que vês são figuras geométricas. é simples, não compliques. porque é que as pessoas não aceitam que as coisas possam ser simples?...

desabafa, enquanto decompõe a jarra em círculos e cilindros.

aceita que é simples, e depois arredonda as arestas, dá-lhe os pormenores, solta a mão, deixa o traço fluir. porque é que só vês o ruído? depois sai-te tudo mal...








sábado, 1 de fevereiro de 2025

amores

 




saio do horto com uma grade cheia de amores-perfeitos, dos pequeninos, daqueles que não houve no ano passado porque o inverno não trouxe frio suficiente. pois, que os amores-perfeitos pedem frio, muito frio, diria que para se enrolarem nos cobertores e aconchegarem nas lareiras acesas, em abraços onde nem a eternidade cabe.

mas, em vez de me fornecer de pencas, alhos francês, couves rábano, morangueiros, sei lá... trouxe meio mundo de amores-perfeitos. agora, aguardo mail dos inspectores comunitários a reclamar da variedade de culturas... direi, são amores, senhores, são amores...



 

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O sonho

 



O animal aproximava-se de mim lentamente. Os meus olhos fixavam os cornos pontiagudos e aguçados. Poderiam perfurar-me facilmente e eu sentia medo. Quando me alcançou, a vaca dourada pousou a cabeça nos meus ombros e eu sentia o seu pêlo macio e morno. Afinal estava segura e protegida. 





segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

vento

 




quando invertemos a direcção na nossa caminhada, somos surpreendidos por um vento que sopra no nosso rosto e no nosso cabelo.

que maravilha.... digo eu ao rapaz, abrindo os meus braços

que os silfos e as sílfides limpem o nossos campo energético e encaminhem para a luz tudo o que não nos pertence, que nos livrem do que nos bloqueia e que impede o nosso caminho.

não me estranhando, o rapaz olha-me de lado, mas sorrindo, como quem agradece aquelas bênçãos

e que venha a chuva, e que as ondinas nos lavem e apaziguem as nossas emoções  

pois... diz o rapaz... já chove... sentindo as pingas frias deste tempo invernoso

e que venha a trovoada, já agora... e que transmute tudo isto... continuo, rodopiando a minha mão à volta dele, como quem limpa, como quem varre.

é de noite e o cansaço esvoaça.





sábado, 18 de janeiro de 2025

fogo

 





observo as chamas que se enrolam à volta do pedaço de lenha, enquanto questiono sobre o que está além, sobre o que fica quando tudo acaba, sobre tudo o que sinto que existe, mas não vejo com os olhos de ver.

conheces por acaso o que já é? conheces a alma do fogo, o propósito do arder? porque ambicionas saber o que está além, se ainda desconheces sobre o que se manifesta? sussurram as labaredas naquele ronco manso do fogo enquanto arde.





terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Retrogradação

 



Depois da conversa ao almoço com os mais novos sobre o chatgpt, resolvi aliviar a minha resistência a esses modernismos, e encetar uma conversa com o dito. Num segundo alinhavou um manual que me demora semanas a elaborar consultando livros, sublinhando, resumindo, e ainda, apresentou uma proposta de promoção do evento muito mais apelativa do que eu faria. Agradeci. Retribuiu o agradecimento e desejou muito sucesso na minha empreitada.

Fiquei pasmada... o facilitismo pode tornar-se viciante. Desliguei o dito e voltei para os meus sublinhados, os meus apontamentos. 

Assumo a minha retrogradação.





sábado, 11 de janeiro de 2025

vermelho

 





assim que pôs o pé no meio dia do dia 31 parou de trabalhar. havia de servir para alguma coisa aquele modo de ganhar ou desganhar a vida sem direito a subsídios de férias e de natal. que fosse ao menos para parar de trabalhar quando lhe desse na gana. 

se em tempos tinha medo de que os clientes não achassem piada àquelas súbitas interrupções, serviu-lhe um braço partido para lhe mostrar que não. que eles esperam.

andou para aí a dar água sem caneco convencida de que o universo proviria com tudo o que precisasse. e proveu. não passou carência. dá-lhe vontade de arrastar a situação para ver até quando tudo se alinhará para que possa viver como quer, daquilo que quer. mas o saldo bancário está de uma cor que só fica bem no chakra da raiz ou num pôr-do-sol bem carregado. e voltou.





sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

dos anos

 




das armadilhas dos anos que passam, parece que difícil é manter o sorriso. ironicamente os músculos afrouxam no rosto e os cantos dos lábios tombam em modo de desagrado. será, talvez, o corpo a contradizer a alma que se vê sempre criança, sempre jovem, sempre dançante e leve.





quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Lista

 



Aparece-me, por acaso, no meio das sebentas que procuro organizar, a lista dos objectivos para o ano de 2024. Noto que está uma considerável percentagem de alineas por realizar. Dobro a folha, peço que me desculpe, encosto os lábios em jeito de beijo, e deito na lareira onde várias achas de madeira ardem.

Faço outra. Leio. Quem cum diabo faria tal lista... murmuro para mim mesma. Se não me ponho a toques, não tardará muito e não tenho sobre o que conversar, nem com quem. 






domingo, 29 de dezembro de 2024

da horta

 





colhi os olhos de quase todas pencas para o jantar de consoada. deixei ainda umas quantas folhas de fora para que as lesmas e os caracóis continuassem a refastelar-se com os pobres dos vegetais. ao fundo, os tremoços começam a romper a terra e os espinafres revoltam-se por ter arrancado as ervas ditas daninhas que os aconchegavam. 

os corações parecem rendas de bilros de tão habilidosamente terem sido devorados pelos rasteiros, mas os brócolos não conseguem disfarçar a falta de atenção e cuidado ao seu redor.

a alfazema rebelou-se. estica os ramos contra todas as regras da horta comunitária, assim como o alecrim, numa provocação em atingir o céu.

os espargos hibernaram ou foram roídos pelos ratos.

o sr. carlos lamenta que os talhões dele não dão lucro, e eu animo-o, fazendo-o ver que o lucro que nos dá é o bem que nos faz.