Alex Figueira, Licenciado em Publicidade e Marketing. Amesterdão, Holanda
O meu caso é bem diferente da maioria dos que aqui regularmente aparecem. A começar pelo facto de nunca ter feito Erasmus e o de não ser apenas português. Também sou venezuelano. Nasci e cresci naquele paraíso petroleiro, filho de emigrantes (e aqui vem o cliché) madeirenses. Nunca tinha saído da Venezuela até aos 16 anos, quando chegou a altura de entrar na faculdade e a situação económica da minha família não mo permitiu. Surgiu então a hipótese de emigrar pra a Madeira e continuar os estudos por lá. Sendo músico (tocava bateria), a hipótese de vir algum dia empreender a actividade no circuito musical independente da Europa tornou-se imediatamente um grande aliciante mas o facto de não saber falar português e nunca ter estado na terra dos meus pais inibiram-me ao princípio. Contudo, a insegurança, a desigualdade e a injustiça da sociedade venezuelana eram motivos de peso suficiente. Os meus pais e meu irmão ficaram por lá. Na Madeira morei um ano com os meus avós e fiz o 12º (na Venezuela são 11). Devo admitir que embora na Venezuela tivesse passado a vida a mudar constantemente (de zona, de cidade e de escola), aquele ano foi muito longo, uma vez que a mudança duma cidade como Caracas, com mais de 4 milhões de habitantes para uma diminuta vila com 5.000 pessoas, foi bastante dura de assimilar. Isto aliado ao facto de que a Madeira é um sítio, ao meu ver, extremamente retrógrado em termos de ideias e costumes. Porém, consegui aprender a língua que os meus pais não me conseguiram ensinar e logrei entrar na Escola Superior de Comunicação em Lisboa, para o curso de Publicidade e Marketing, depois de ter hesitado muito entre este último e o de Educação da Infância.
O retorno a uma grande cidade dera-me novo fôlego pra continuar a longa caminhada depois da pausa na Madeira. Lisboa parecera-me uma cidade lindíssima e realmente europeia, tal como imaginava eu este tipo de cidades quando ainda morava na america latina. Fiquei deslumbrado no início e nem mesmo o senhorio indecente que me roubou dois meses de renda, nem a arrogância da maioria das pessoas perante o carácter "esquisito" do meu peculiar sotaque, nem as diversas tentativas de assalto as que conseguira fugir na zona de Bénfica, onde morava (afinal, eu vinha da terceira cidade mais perigosa do planeta), foram capazes de opacar o carinho que começava a desenvolver pelo meu novo lar. Lembro-me de ouvir os meus colegas na faculdade a queixarem-se constantemente do "terrível estado" do país, da sua economia, das suas instituições etc... e de ficar extremamente admirado e replicar que aquilo não era assim tão mau. Conseguira uma bolsa da acção social que me dava algum dinheiro para os gastos e um quarto gratuito numa barulhenta residência de estudantes, portanto estava bastante feliz e agradecido. Mas claro, eu cheguei a Lisboa muito mais preocupado com a cena musical independente que propriamente com as condições da faculdade ou mesmo da cidade como um todo. E nesse aspecto realmente era muito melhor que a Madeira (onde isso simplesmente não existe) mas ainda ficava muito aquém do esperado para uma capital europeia. Toquei em algumas bandas e tentei incansavelmente desenvolver iniciativas dentro dos estilos que mais apreciava (Ska, Soul, Punk) mas os resultados sempre foram desalentadores. O desinteresse das pessoas, muito mais preocupadas com o preço da cerveja do bar do que com a música que neste estivesse a tocar, a total carência de infraestrutura, sem salas de concertos dedicadas por inteiro e com condições aptas a essa labor e a falta de recursos e apoios das mais diversas espécies faziam-me pensar duas vezes. Essa desmotivação radicalizara-se depois de ter saido de Lisboa pela primeira vez. Fui até Madrid ver os Skatalites e conferi como as coisas eram diferentes por lá. Fora aquele o momento de ruptura e a lua de mel com Lisboa acabara-se.
Fiquei com menos vontade de acabar o curso, que já por si era bastante pouca devido à natureza nada aliciante deste (nunca tive lá grande vocação pra aquilo) e à própria mediocridade daquela escola, onde, entre muitas outras coisas, trabalhavam vários professores que deixaram de ter qualquer ligação com o mundo activo de trabalho há vários anos e que mesmo assim agiam com a arrogância de quem possuia todas as fórmulas e truques. Era a prepotência daqueles que encarnavam o deplorável complexo do "Senhor Doutor".
Na residência conheci entre os muitos estudantes de Erasmus que por lá passaram, uma miúda de Educação da Infância do sul da Holanda, a Diane. Uma rapariga interessante, linda de morrer e de mente aberta, factores que a tornavam muito diferente das restantes "residentes" do sexo feminino. Tivemos a nossa paixoneta que acabou, logicamente, quando ela voltou pra o seu país.
Eu ficara no mesmo sítio, ainda mais desmotivado. No entanto, continuei a tocar em bandas e a organizar festas com os mesmos resultados anteriores mas já com a convicção de que, tal como acontecera com a Madeira, a minha estadia não seria muito prolongada.
A meio do curso decidi combater a minha desmotivação com um "inter-rail" adaptado as minhas capacidades financeiras: pedi boleia até Bruxelas aos camiões de Vilar Formoso, e fiquei lá um par de meses. Aproveitando a proximidade decidi ir visitar a minha grande amiga Sara, que na altura fazia Erasmus em Den Haag (Holanda). Estando tão perto decidi contactar a Diane novamente, sem segundas intenções, mas acabei por descobrir que estava apaixonado por ela e isso serviu-me pra transformar a pouca vontade de morar em Portugal e acabar um curso "de encher chouriços", em força de vontade e pujança para romper de vez com tudo o que detestava no país e ir morar com ela na Holanda, onde tinha acabado de confirmar que a música independente era levada muito a sério e onde de facto existia uma sólida e muito abrangente infraestrutura para tal.
De volta a Portugal, com energias renovadas, conheci então as pessoas com as que viria a formar a banda que tinha andado a procurar desde que saira da Venezuela: uma banda de Ska 60's. Pessoas com as que criei laços fortíssimos e que estimo profundamente. Chamamos-lhe CONTRATEMPOS. Tocávamos muito e fazíamos um bocado aquilo que eu andara a fazer desde a minha chegada: "evangelizar" um público que não conhecia aquele tipo de música e que no entanto, ia crescendo aos poucos. Gravamos um CD que fora bem acolhido e recebemos convites maravilhosos. Apareciam cada vez mais concertos e com eles as dificuldades iminentes a qualquer banda pequena em Portugal, chegando muitas vezes a situações insultantes, como na ocasião em que nos cancelaram o concerto quando as portas já tinha sido abertas (Festival Oeiras Reggae). A minha indignação crescia a medida que este tipo de episódios se sucediam. Concertos não pagos, técnicos de som incompetentes, "tournées" organizadas às três pancadas e a minha incansável luta por lograr algum respeito da minha condição de Vegan (que era na altura) e que os organizadores de concertos normalmente entendiam como uma anedota, uma vez que raramente havia comida pra mim.
Embora continuasse com vontade de me ir embora, os bons resultados obtidos na faculdade e na musica faziam-me sentir cada vez mais integrado e chegou-me a passar pela cabeça ficar por lá, mas muito fugazmente, uma vez que a finalização do curso acordou-me para uma realidade bem mais dura. Fui literalmente corrido da residência mal acabei a última cadeira e não tive tempo algum de digerir a drástica mudança. Tive a imensa sorte de contar com amigos que me apoiaram e acolheram, sem cobrar um tostão de renda, e mesmo sem saber bem como iria fazer, decidi colocar data à minha partida: Janeiro do ano seguinte (2006). Não estava disposto a me sujeitar à humilhação dos estágios não pagos e sempre tivera bem claro que não seria publicitário, pelo qual tentei procurar um emprego minimamente bem pago, onde o canudo recém-obtido valesse alguma coisa e que me fornecesse sustento e me permitisse poupar o dinheiro necessário à partida para a Holanda. Bati todas as portas sem resposta alguma. Decidi então esquecer os hipotéticos benefícios da licenciatura e procurei emprego nas mais diversas lojas, também sem qualquer tipo de resposta (supostamente por "sobre qualificação", viria depois a saber). Estava a ficar seriamente desesperado quando um amigo meu entregou o meu CV no seu local de trabalho: o call center da TV Cabo. Fiz a formação e consegui o lugar. Arranjei mais um emprego no Teatro da Trindade, como assistente de Sala, que fazia depois de resolver os mil e um sarilhos relacionados com Sport TV e Power Boxes e que me proporcionava mais uns trocos, que eram zelosamente acumulados para os primeiros tempos como emigrante.
Lembro-me das condições de trabalho no call center não serem propriamente as melhores mas a triste realidade é que ganhava muito mais que qualquer um dos meus colegas de curso, todos eles, a sobreviverem com migalhas camufladas sobre denominações antecedidas pelo termo "subsídio" (alimentação, transporte, etc).
Com os dois empregos e a banda, a minha vida ganhara um ritmo estonteante mas o dinheiro acumulado já era suficiente como para chegar ao destino com alguma margem de manobra. Chegou o ano novo e com ele, a tão ansiada vida nova. Despedi-me de quase todos e lembro-me de, pela primeira vez desde que saira da Venezuela, ter sentido saudades por antecipado, daquelas que rasgam o peito. E isto pelas maravilhosas pessoas que lá deixava. Por Portugal, restava pouco mais que uma enorme desilusão, causada pela discrepância entra a realidade encontrada e ideia europeísta romântica, que eu trazia do terceiro mundo metida na mala.
Chegado à Holanda fui ter com o meu "quase-irmão" Pedro, que fazia Erasmus em Amsterdão. Era mais fácil estabelecer-me aqui porque era uma cidade muito mais "internacional" e com mais emprego que qualquer outra no país. No início encontrei um inverno bem mais rigoroso que o lisboeta e um "quase irmão" com muito pouca paciência pra aturar o meu medo e insegurança. Diane morava em Dordrecht, a 2 horas de comboio, e eu ia visitá-la de vez em quando. Ela também não tinha lá grande paciência pra o meu fragilizado estado de espírito. Passadas as primeiras duas semanas descobri que a casa que o Pedro supostamente me tinha conseguido arranjar, afinal, não ia dar pra eu alugar. á difícil procura de emprego juntara-se agora a procura de casa (uma grande dor de cabeça em amsterdão). Na terceira semana o Pedro anunciara que ia estagiar pra Curaçao e a Diane deu-me com os pés.
O meu caso é bem diferente da maioria dos que aqui regularmente aparecem. A começar pelo facto de nunca ter feito Erasmus e o de não ser apenas português. Também sou venezuelano. Nasci e cresci naquele paraíso petroleiro, filho de emigrantes (e aqui vem o cliché) madeirenses. Nunca tinha saído da Venezuela até aos 16 anos, quando chegou a altura de entrar na faculdade e a situação económica da minha família não mo permitiu. Surgiu então a hipótese de emigrar pra a Madeira e continuar os estudos por lá. Sendo músico (tocava bateria), a hipótese de vir algum dia empreender a actividade no circuito musical independente da Europa tornou-se imediatamente um grande aliciante mas o facto de não saber falar português e nunca ter estado na terra dos meus pais inibiram-me ao princípio. Contudo, a insegurança, a desigualdade e a injustiça da sociedade venezuelana eram motivos de peso suficiente. Os meus pais e meu irmão ficaram por lá. Na Madeira morei um ano com os meus avós e fiz o 12º (na Venezuela são 11). Devo admitir que embora na Venezuela tivesse passado a vida a mudar constantemente (de zona, de cidade e de escola), aquele ano foi muito longo, uma vez que a mudança duma cidade como Caracas, com mais de 4 milhões de habitantes para uma diminuta vila com 5.000 pessoas, foi bastante dura de assimilar. Isto aliado ao facto de que a Madeira é um sítio, ao meu ver, extremamente retrógrado em termos de ideias e costumes. Porém, consegui aprender a língua que os meus pais não me conseguiram ensinar e logrei entrar na Escola Superior de Comunicação em Lisboa, para o curso de Publicidade e Marketing, depois de ter hesitado muito entre este último e o de Educação da Infância.
O retorno a uma grande cidade dera-me novo fôlego pra continuar a longa caminhada depois da pausa na Madeira. Lisboa parecera-me uma cidade lindíssima e realmente europeia, tal como imaginava eu este tipo de cidades quando ainda morava na america latina. Fiquei deslumbrado no início e nem mesmo o senhorio indecente que me roubou dois meses de renda, nem a arrogância da maioria das pessoas perante o carácter "esquisito" do meu peculiar sotaque, nem as diversas tentativas de assalto as que conseguira fugir na zona de Bénfica, onde morava (afinal, eu vinha da terceira cidade mais perigosa do planeta), foram capazes de opacar o carinho que começava a desenvolver pelo meu novo lar. Lembro-me de ouvir os meus colegas na faculdade a queixarem-se constantemente do "terrível estado" do país, da sua economia, das suas instituições etc... e de ficar extremamente admirado e replicar que aquilo não era assim tão mau. Conseguira uma bolsa da acção social que me dava algum dinheiro para os gastos e um quarto gratuito numa barulhenta residência de estudantes, portanto estava bastante feliz e agradecido. Mas claro, eu cheguei a Lisboa muito mais preocupado com a cena musical independente que propriamente com as condições da faculdade ou mesmo da cidade como um todo. E nesse aspecto realmente era muito melhor que a Madeira (onde isso simplesmente não existe) mas ainda ficava muito aquém do esperado para uma capital europeia. Toquei em algumas bandas e tentei incansavelmente desenvolver iniciativas dentro dos estilos que mais apreciava (Ska, Soul, Punk) mas os resultados sempre foram desalentadores. O desinteresse das pessoas, muito mais preocupadas com o preço da cerveja do bar do que com a música que neste estivesse a tocar, a total carência de infraestrutura, sem salas de concertos dedicadas por inteiro e com condições aptas a essa labor e a falta de recursos e apoios das mais diversas espécies faziam-me pensar duas vezes. Essa desmotivação radicalizara-se depois de ter saido de Lisboa pela primeira vez. Fui até Madrid ver os Skatalites e conferi como as coisas eram diferentes por lá. Fora aquele o momento de ruptura e a lua de mel com Lisboa acabara-se.
Fiquei com menos vontade de acabar o curso, que já por si era bastante pouca devido à natureza nada aliciante deste (nunca tive lá grande vocação pra aquilo) e à própria mediocridade daquela escola, onde, entre muitas outras coisas, trabalhavam vários professores que deixaram de ter qualquer ligação com o mundo activo de trabalho há vários anos e que mesmo assim agiam com a arrogância de quem possuia todas as fórmulas e truques. Era a prepotência daqueles que encarnavam o deplorável complexo do "Senhor Doutor".
Na residência conheci entre os muitos estudantes de Erasmus que por lá passaram, uma miúda de Educação da Infância do sul da Holanda, a Diane. Uma rapariga interessante, linda de morrer e de mente aberta, factores que a tornavam muito diferente das restantes "residentes" do sexo feminino. Tivemos a nossa paixoneta que acabou, logicamente, quando ela voltou pra o seu país.
Eu ficara no mesmo sítio, ainda mais desmotivado. No entanto, continuei a tocar em bandas e a organizar festas com os mesmos resultados anteriores mas já com a convicção de que, tal como acontecera com a Madeira, a minha estadia não seria muito prolongada.
A meio do curso decidi combater a minha desmotivação com um "inter-rail" adaptado as minhas capacidades financeiras: pedi boleia até Bruxelas aos camiões de Vilar Formoso, e fiquei lá um par de meses. Aproveitando a proximidade decidi ir visitar a minha grande amiga Sara, que na altura fazia Erasmus em Den Haag (Holanda). Estando tão perto decidi contactar a Diane novamente, sem segundas intenções, mas acabei por descobrir que estava apaixonado por ela e isso serviu-me pra transformar a pouca vontade de morar em Portugal e acabar um curso "de encher chouriços", em força de vontade e pujança para romper de vez com tudo o que detestava no país e ir morar com ela na Holanda, onde tinha acabado de confirmar que a música independente era levada muito a sério e onde de facto existia uma sólida e muito abrangente infraestrutura para tal.
De volta a Portugal, com energias renovadas, conheci então as pessoas com as que viria a formar a banda que tinha andado a procurar desde que saira da Venezuela: uma banda de Ska 60's. Pessoas com as que criei laços fortíssimos e que estimo profundamente. Chamamos-lhe CONTRATEMPOS. Tocávamos muito e fazíamos um bocado aquilo que eu andara a fazer desde a minha chegada: "evangelizar" um público que não conhecia aquele tipo de música e que no entanto, ia crescendo aos poucos. Gravamos um CD que fora bem acolhido e recebemos convites maravilhosos. Apareciam cada vez mais concertos e com eles as dificuldades iminentes a qualquer banda pequena em Portugal, chegando muitas vezes a situações insultantes, como na ocasião em que nos cancelaram o concerto quando as portas já tinha sido abertas (Festival Oeiras Reggae). A minha indignação crescia a medida que este tipo de episódios se sucediam. Concertos não pagos, técnicos de som incompetentes, "tournées" organizadas às três pancadas e a minha incansável luta por lograr algum respeito da minha condição de Vegan (que era na altura) e que os organizadores de concertos normalmente entendiam como uma anedota, uma vez que raramente havia comida pra mim.
Embora continuasse com vontade de me ir embora, os bons resultados obtidos na faculdade e na musica faziam-me sentir cada vez mais integrado e chegou-me a passar pela cabeça ficar por lá, mas muito fugazmente, uma vez que a finalização do curso acordou-me para uma realidade bem mais dura. Fui literalmente corrido da residência mal acabei a última cadeira e não tive tempo algum de digerir a drástica mudança. Tive a imensa sorte de contar com amigos que me apoiaram e acolheram, sem cobrar um tostão de renda, e mesmo sem saber bem como iria fazer, decidi colocar data à minha partida: Janeiro do ano seguinte (2006). Não estava disposto a me sujeitar à humilhação dos estágios não pagos e sempre tivera bem claro que não seria publicitário, pelo qual tentei procurar um emprego minimamente bem pago, onde o canudo recém-obtido valesse alguma coisa e que me fornecesse sustento e me permitisse poupar o dinheiro necessário à partida para a Holanda. Bati todas as portas sem resposta alguma. Decidi então esquecer os hipotéticos benefícios da licenciatura e procurei emprego nas mais diversas lojas, também sem qualquer tipo de resposta (supostamente por "sobre qualificação", viria depois a saber). Estava a ficar seriamente desesperado quando um amigo meu entregou o meu CV no seu local de trabalho: o call center da TV Cabo. Fiz a formação e consegui o lugar. Arranjei mais um emprego no Teatro da Trindade, como assistente de Sala, que fazia depois de resolver os mil e um sarilhos relacionados com Sport TV e Power Boxes e que me proporcionava mais uns trocos, que eram zelosamente acumulados para os primeiros tempos como emigrante.
Lembro-me das condições de trabalho no call center não serem propriamente as melhores mas a triste realidade é que ganhava muito mais que qualquer um dos meus colegas de curso, todos eles, a sobreviverem com migalhas camufladas sobre denominações antecedidas pelo termo "subsídio" (alimentação, transporte, etc).
Com os dois empregos e a banda, a minha vida ganhara um ritmo estonteante mas o dinheiro acumulado já era suficiente como para chegar ao destino com alguma margem de manobra. Chegou o ano novo e com ele, a tão ansiada vida nova. Despedi-me de quase todos e lembro-me de, pela primeira vez desde que saira da Venezuela, ter sentido saudades por antecipado, daquelas que rasgam o peito. E isto pelas maravilhosas pessoas que lá deixava. Por Portugal, restava pouco mais que uma enorme desilusão, causada pela discrepância entra a realidade encontrada e ideia europeísta romântica, que eu trazia do terceiro mundo metida na mala.
Chegado à Holanda fui ter com o meu "quase-irmão" Pedro, que fazia Erasmus em Amsterdão. Era mais fácil estabelecer-me aqui porque era uma cidade muito mais "internacional" e com mais emprego que qualquer outra no país. No início encontrei um inverno bem mais rigoroso que o lisboeta e um "quase irmão" com muito pouca paciência pra aturar o meu medo e insegurança. Diane morava em Dordrecht, a 2 horas de comboio, e eu ia visitá-la de vez em quando. Ela também não tinha lá grande paciência pra o meu fragilizado estado de espírito. Passadas as primeiras duas semanas descobri que a casa que o Pedro supostamente me tinha conseguido arranjar, afinal, não ia dar pra eu alugar. á difícil procura de emprego juntara-se agora a procura de casa (uma grande dor de cabeça em amsterdão). Na terceira semana o Pedro anunciara que ia estagiar pra Curaçao e a Diane deu-me com os pés.
Bem diz o ditado que quando uma porta se fecha, é certamente pra abrir alguma outra. Antes de o Pedro se ir embora (tava a morar no sofá dele) consegui arranjar um quarto no norte da cidade. Uma cena ilegal, claro está, como a grande maioria das casas que se alugam aqui, mas por uma quantia irrisória: 100 euros / mes. Era mesmo o que eu precisava enquanto não tinha emprego. O quarto foi uma grande sorte. Era perto do centro, quentinho e tinha grandes colega de casa, com os que dava pra ter conversas de jeito até as tantas da noite.
A procura de emprego foi outra fase complicada. Penso que me mostrava bastante desesperado (e de facto estava) nas entrevistas e isso acabava por inibir os potenciais empregadores. Fiz então o mesmo que em Lisboa, procurei em todo lado: bares, cafés e lojas, mas embora toda a gente fale inglês, é necessário falar a pavorosa língua local pra trabalhar na maioria dos sítios. Também o facto de ter cabelo preto e pele pouco clara não ajudou muito (sim, também há racismo por estes lados). A minha ideia era arranjar um emprego qualquer pra colmatar o alto custo de tudo nesta cidade. Ao contrário do que alguém referiu sobre este sítio, parece-me que tudo é bastante caro. Um Bilhete de cinema custa 8,5€ e um saco de laranjas pequeno 2€, só pra terem noção.
Passaram-se então tres longos meses e ainda não tinha arranjado nada. Quando já estava prestes a ir limpar os quartos de um hotel qualquer (o que não quis antes fazer por causa dos meus problemas de costas) candidatei-me a uma proposta que parecia interessante numa agência de emprego pra estrangeiros. Queriam alguém que falasse Português e Espanhol pra trabalhar em "customer service" numa empresa chamada Plantronics. Pagavam mais do triplo do que ganhava em Portugal e o ambiente parecia excelente. O meu supervisor era da América Latina e os colegas directos (espanhóis e italianos) eram uns porreiraços de primeira.
Quando me deram o emprego foi uma alegria tremenda, já que o dinheiro começava a escassear. Passados alguns meses conheci a Hester, uma miúda maravilhosa com quem moro hoje.
Já lá vai um ano e dez meses (ou coisa parecida) e entretanto o emprego, que embora pouco alentador e monótono, era bastante tolerável, virou uma porcaria por mero capricho do mega chefe de departamento, um senhor bastante desprezível e de incompetência reafirmada, que só promove e privilegia as pessoas que se dão bem com ele, manda bocas parvas e diz "let's say" antes e depois de quaisquer outras 4 ou 5 palavras.
De acordo com isto, a Mariana (a minha colega portuguesa) e eu, vamos ser despromovidos em Janeiro (depois de ter recebido inúmeros elogios a nossa performance, diga-se de passagem) e vamos passar a fazer as actividades de call center. Os colegas franceses e alemães estão prestes a mandar isto as urtigas, já que existe uma oferta de emprego tremenda para os que falam essas duas línguas, mas nós portugueses, temos de aturar esta e as outras faltas de consideração que estiverem pra vir, uma vez que a oferta na nossa língua é bem mais reduzida.
Uma coisa é vir pra aqui como arquitecto, engenheiro ou informático (que há muitos) e chegar com a papelada facilitada pela companhia empregadora e passar a alugar um apartamento numa das zonas Yuppies da cidade. Nesses casos não existe qualquer risco e julgo que não se pode sequer falar em verdadeira emigração mas apenas em mobilidade. Aqueles que como eu, possuem canudos com profissões que não dão direito a ser chamado de "doutor" na santa terrinha, têm histórias bem menos coloridas pra contar (a minha é das melhores, se comparada), uma vez que ficamos a meio caminho entre a imigração operária (limpezas, obras, etc) e os da chamada "fuga de cérebros" (profissões acima mencionadas). Conheço vários artistas, desenhadores e historiadores que sao recepcionistas ou limpam escritórios e nao tencionam voltar a Portugal.
Aliás, se me perguntarem, penso igual. Prefiro trabalhar aqui num call center do que qualquer outro emprego de "maior requinte" em Portugal. A dolorosa verdade é que nesta terra pode-se ter um emprego da cha-cha e viver dignamente. Consigo juntar dinheiro pra projectos futuros, posso ir ver vários concertos por semana (que aqui eles existem!) e estou neste momento a comprar casa com a minha namorada. Também registei vários progressos na música (o meu objectivo de vida), aumentando enormemente a minha colecção de discos, organizando diversas iniciativas (com muita mais facilidade e resultados positivos) e chegando inclusive a fundar a minha própria editora, que aos poucos lá se vai estabelecendo. Para alguém como eu, que quer fazer vida da música que não se ouve na rádio, as oportunidades encontradas aqui não têm simplesmente qualquer termo de comparação com a falta de seriedade e as inúmeras limitações encontradas em Portugal. Tudo o que consegui atingir, no espaço de menos de dois anos, seria absolutamente impensável em Portugal.
Voltar esta fora de questão, pelo menos até a minha geração conseguir levar avante uma verdadeira revolução dos costumes, que logre derrocar a hegemonia do clientelismo, o "deixa-andar", os favoritismos duvidosos, o vazio de valores e o despotismo asfixiante, consagrados na sociedade portuguesa de hoje. Espero sinceramente que consigam, porque existe muito talento desperdiçado, que merece melhor destino que as caixas do Mini Preço, Modelo e Continente.
Cumprimentos,
Alex Figueira.
PS: a todos os que queram sair, sem saber muito bem porque, aconselho vivamente a leitura do livro "Portugal Hoje, Medo de Existir", do brilhante filósofo José Gil, um excelente manifesto para todos os que se recusam a cair no conformismo.
12 comments:
gostei de ler o teu testemunho, diferente mas inspirador. nao deixar os sonhos para tras!
tudo de bom!
também eu tenho vontade de sair de portugal mas no entanto há sempre aquele medo do que nos espera do lado de lá. a tua história ajudou-me a dar um passo em frente. obrigado
Bem, isso 'e que tem sido uma vida atribulada. Mas 'e de louvar a tua grande forca de vontade. parabens prlo que tens conseguido ao longo da vida e com toda essa energia e vontade de vencer com certeza vais conseguir muito mais.
Parabéns Alex por estares a viver o teu sonho. Gostei imenso de começares por dizer que não participaste no programa Erasmus e afinal participaste e de que maneira através dos amigos, amigas, namoros, etc.
Acho o Erasmus uma revolução lenta mas segura na mentalidade europeia e acima de tudo nos costumes portugueses. E terá certamente o seu pequeno papel na volta que a sociedade portuguesa necessita.
Fantástico o teu relato. E a visão diferente dos casos que até por aqui passaram. Suspeito que a minha futura aventura terá alguma coisa em comum com a tua, mas como ainda não saí daqui de Portugal, ficará para mais tarde...
"Portugal hoje o medo de existir" é fantástico e explica muito do modo de ser português, e o "Conta-me como foi", série que dá actualmente na RTP.
Vai atrás dos teus sonhos!
Mucha suerte paisano! Gracias por tu comentario.
Pablo
Alexzinho, aos poucos, por ali e por aqui, lá vou sabendo mais qualquer coisa sobre ti e sobre o significado que tantas voltas tiveram para ti.
Admiro-te, entre muitas outras coisas, por conseguires ser feliz longe da segurança de uma casa, de uma terra, por conseguires "ser de todo o lado". Mas o que não podes nunca esquecer, é que enquanto nós estivermos aqui, tu és de cá, sim senhor.
És o maior, pá. Ainda por cima entrevistas o Ruggiero. Muitos beijinhos,
Teresa
querido Alex, a tua história, ao princípio tão aterradora, vai-se transformando, à medida que a contas, numa linda história de encantar...
Todos sabem que os contos têm bruxas más mas são elas que nos fazem sair de um estado de letargia e lutar por uma vida melhor. É maravilhoso ver como de "imigrante-sapo" te transformas em "aventureiro-príncipe". PARABÉNS!
alex, de todas as histórias q ja ouvi de pessoas q sairam de pt a tua foi provavelmente a mais incrivel, por ter dado tantas voltas... es um exemplo de persistencia e força de vontade!
parabens!
olá alex! fico contente em saber de ti...eu tb ando em terras estrangeiras e tao cedo nao volto a PT...
um beijinho,Maria (prima da ana do panamá)
gostei! a vontade os ideais e os sonhos fazem parte daqueles,como tu Alex, que lutam para serem felizes! Estive em Amsterdam em Setembro e adorei...Parabéns, fizeste uma otima escolha.
Nada acontece por acaso!
Simone
Fala meu amigo Alex, Saudades de você cara !!!
Bom, pra você não ficar a puxar muito pela cabeça pra se lembrar de mim, vou te ajudar...
Sou o Francisco, o brasuca que trabalhou contigo na TVcabo em Lisboa, hehehe tás lembrado ?
Eu já tentei várias vezes te mandar um mail, mas aquele endereço que me tinhas dado, aquele bem manhoso e grande já não existe. Os mails voltavam sempre com erro.
Mas aí o que eu fiz, fui ver se te procurava de alguma forma na net.
E depois de muita procura eu encontro o teu blog, no início quando comecei a ler não fazia ideia que eras tu, mas depois cada palavra que ia lendo eu ia tendo a certeza que eras tu.
Que maravilha poder saber noticias tuas meu amigo.
Olha, faz assim fica com meu mail crow_night@hotmail.com.
E diz alguma coisa, tá?
Vê se não some agora, hehe
Um grande abraço amigo.
Francisco Junior
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