sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Wellington na Batalha de Salamanca

Com algum atraso é publicado este apontamento sobre a Batalha de Salamanca.  Não gostaria de deixar para o próximo ano o que deve ser publicado ainda em 2012. Possivelmente deveria ser revisto e corrigido mas todos sabemos que a intenção é lembrar ou divulgar factos da nossa História Militar e não produzir uma obra literária de qualidade. A minha preocupação é apenas a de publicar textos facilmente compreensíveis. Se assim não forem, utilizem o espaço dedicado aos comentários, sem qualquer cerimonia.  Tentarei no ano de 2013 publicar os artigos referentes aos acontecimentos de 1813. Bom ano a todos os leitores, com paz, saúde e força para vencer os obstáculos.

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 Muitos militares franceses, e também muitos historiadores, viram Wellington como um comandante vocacionado para as acções defensivas. Excessivamente prudente.  Por outras palavras, era suposto que Wellington, sempre que dispusesse do terreno adequado, assumisse uma postura defensiva. Nesta forma de ver, quase poderíamos dizer que Wellington não ganhava as batalhas, mas o adversário perdia-as.
Desde a sua primeira estadia na Península Ibérica, em 1808, até à Batalha de Salamanca, em 1812, Wellington conduziu acções defensivas e ofensivas. Vejamos, de forma muito sumária, os principais acontecimentos.
1º Duque de Wellington

O Tenente-general Sir Arthur Wellesley chegou a Portugal no Verão de 1808, durante a Primeira Invasão Francesa. No seu avanço para Sul (o objectivo era Lisboa), atacou as forças francesas sob o comando do General Henri François Delaborde na Roliça e avançou até à região do Vimeiro onde colocou as suas forças num dispositivo defensivo destinado a proteger o desembarque de mais tropas britânicas em Porto Novo, na foz do rio Alcabrichel. Wellington regressou a Inglaterra em 1808 e voltou a Portugal no ano seguinte, durante a Segunda Invasão Francesa, para expulsar o exército do Marechal Jean de Dieu Soult. Neste caso as suas acções foram sempre ofensivas e a Batalha do Douro mostrou a disposição de aproveitar todas as oportunidades para atacar mesmo em situações que envolviam maior risco. Foi também ofensiva a atitude seguinte que conduziu à Campanha de Talavera. A pouca ou nenhuma vontade dos Espanhóis em colaborarem com Wellington obrigou-o a uma postura defensiva na Batalha de Talavera (importante vitória britânica) a que se seguiu uma retirada para a região de Elvas. Mas no ano de 1810 houve ainda uma Terceira Invasão Francesa.

As acções do exército anglo-luso em 1810 foram sempre defensivas. Começaram com o Combate do Côa e o Cerco de Almeida. Seguiu-se a Batalha do Buçaco em que Wellington colocou o seu exército numa formidável posição defensiva. Foi a primeira grande batalha do exército anglo-luso contra as forças francesas. Esta batalha terminou com uma vitória dos Aliados que conseguiram manter as suas posições fazendo fracassar o ataque francês. No entanto, quando as tropas francesas começaram a tornear as posições defensivas do Buçaco, Wellington teve de dar ordem de retirada. Esta foi uma operação defensiva que terminou quando o exército anglo-luso entrou no sistema defensivo constituído pelas Linhas de Torres Vedras e foi ainda numa atitude defensiva que se mantiveram estas forças até Março de 1811, quando o comandante francês, André Massena, iniciou a retirada.

Wellington não foi suficientemente enérgico na perseguição às forças francesas em retirada? Não procurou aniquilar a força inimiga, limitando-se a impedir que esta se organizasse defensivamente? Wellington foi, principalmente, prudente. Por duas razões: primeiro, porque o avanço das suas forças estava condicionado pela capacidade do apoio logístico; segundo, o exército de Massena continuava a ser uma força difícil de bater. Os recursos logísticos eram essenciais para manter a operacionalidade das tropas e, durante a perseguição, as tropas anglo-lusas tiveram de fazer uma pausa para permitir que os abastecimentos chegassem de Coimbra. A alternativa seria a de ficarem na mesma situação de penúria alimentar que os seus oponentes. Mas estes eram ainda uma força temível e Wellington tinha boa consciência disso. Basta seguir o excelente trabalho feito pela guarda de retaguarda sob o comando do Marechal Michel Ney. Por fim, as forças francesas, exaustas, fizeram uma pausa demasiado longa e o resultado foi a Batalha do Sabugal. Wellington não perdeu uma excelente oportunidade de lançar um ataque destinado a aniquilar todo um corpo de exército. A má execução de William Erskine, então comandante da Divisão Ligeira, impediu que esse objectivo fosse atingido, mas o brilhante comportamento dos seus comandantes de brigada permitiu empurrar o exército francês para fora de Portugal.

A justificar a prudência de Wellington, o Exército de Portugal, sob o comando de Massena, recompôs-se rapidamente. Apenas um mês depois da Batalha do Sabugal, os dois exércitos defrontavam-se em Fuentes de Oñoro. Os Aliados ocuparam uma posição defensiva e o ataque francês fracassou. Almeida seria libertada poucos dias depois com a espectacular fuga da guarnição francesa. Agora, para avançar sobre a capital espanhola, Wellington teria de garantir o controlo das praças que dominavam os corredores de invasão: Almeida e Ciudad Rodrigo a Norte, Elvas e Badajoz a Sul. Ciudad Rodrigo caiu a 19 de Janeiro de 1812 e Badajoz a 6 de Abril desse ano. Só então estavam reunidas as condições para avançar em Espanha, quer a Norte, quer a Sul. O próximo objectivo seria Salamanca.

Durante este período, de 1809 a 1812, vemos o exército anglo-luso realizar acções ofensivas e defensivas, recuar e avançar. No final, os avanços prevaleceram sobre os recuos e não encontramos nenhuma batalha importante em que Wellington tenha sido derrotado. Recuou após a Batalha de Talavera porque houve falta de apoio por parte dos generais espanhóis e porque corria o risco de ficar com as suas linhas de comunicação cortadas, mas não foi derrotado. Recuou após a Batalha do Buçaco para ocupar posições nas Linhas de Torres Vedras e aguardar por condições mais favoráveis para retomar a iniciativa, o que aconteceu em Março do ano seguinte. O seu exército voltou a travar batalhas defensivas em Fuentes de Oñoro e Albuera (aqui sob o comando de Beresford) para protegerem as operações de cerco em Almeida e em Badajoz.


A atitude defensiva que durante muito tempo Wellington foi obrigado a assumir permitiu-lhe poupar o seu exército e, tão importante como isso, os seus opositores viram-no cada vez mais como um comandante muito prudente. Se o viam ocupar uma posição para aceitar batalha, concluíam que ele tinha concentrado a totalidade da sua força e, certamente, encontrava-se numa situação de alguma vantagem. Mas a conquista da praça de Badajoz revelou um outro lado do seu carácter. Nesta operação Wellington tinha limitações de tempo. A praça deveria estar tomada antes que os exércitos franceses do Norte e da Andaluzia se reunissem para o atacar e empurrar para o território português. Este factor tempo obrigou que o assalto à praça fosse efectuado antes de o trabalho da engenharia e da artilharia estar terminado. O sucesso foi obtido com o lançamento de três ataques simultâneos (dois foram bem sucedidos) e à custa de elevadas baixas. Charles Oman explica-nos que «Ele mostrou aqui, pela primeira vez, que podia, se fosse necessário, “gastar” sem remorsos a vida dos seus homens por forma a terminar em poucos dias uma tarefa que, se demorasse muito mais, teria que ser abandonada.»

Salamanca

Após um longo período defensivo, que teve início com a retirada de Talavera, Wellington reunia em 1812 as condições necessárias para um grande movimento ofensivo. Não se tratava de uma operação geral contra os exércitos franceses na Península. O objectivo era mais limitado: destruir o Exército de Portugal, agora sob o comando do Marechal Marmont, antes que qualquer dos outros exércitos franceses pudesse acorrer em seu socorro. 

O exército anglo-luso chegou a Salamanca no dia 17 de Junho. A cidade foi ocupada com excepção de três posições fortificadas mantidas por uma guarnição francesa. O Exército de Portugal, sob o comando do Marechal Auguste Frederic Louis Viesse de Marmont, encontrava-se em Fuentesauco, cerca de 35 Km a NE de Salamanca, mas ainda não estava completo. Algumas unidades ainda se encontravam em marcha e só ali chegaram depois do dia 20. Wellington deixou a 6ª Divisão em Salamanca, para conquistar as posições fortificadas, e ocupou uma linha de alturas entre San Cristóbal e o rio Tormes, a cerca de 9 Km a NE de Salamanca. Esta teria sido uma boa oportunidade para Wellington atacar Marmont? 

Se Wellington avançasse para atacar o exército francês corria o risco de perder o controlo das passagens do rio Tormes para algumas forças francesas que se encontravam mais a Sul. Por outras palavras, a sua linha de comunicações, já demasiado estendida, por onde recebia os abastecimentos essenciais à manutenção do seu exército, podia ser cortada. Wellington não podia correr esse risco. No entanto, três dias mais tarde (20 Junho), Marmont fez avançar o seu exército de forma que parecia ir atacar a posição defensiva dos Aliados. Wellington considerou que, apesar de essa ser uma ocasião favorável para atacar um inimigo que ainda não dispunha da totalidade das suas forças e não se encontrava em terreno favorável, seria mais vantajoso aguardar o ataque pois a «acção podia ser realizada com menos perdas do nosso lado» (despacho de Wellington para o Secretário da Guerra e Colónias, Lord Liverpool, a 25 de Junho). Um dos oficiais do estado-maior de Wellington, Sir William Warre, em carta da mesma data, escreveu que atacar os Franceses significava «… desistir de uma posição vantajosa, avançar uma grande distância num terreno plano sem qualquer cobertura, expondo as tropas a um intenso fogo inimigo. … as suas perdas seriam muito superiores do que as que teria esperando pelo inimigo e que uma grande vitória para o seu exército seria quase uma derrota (devido às perdas daí resultantes).»

Wellington seguiu o exército francês até ao Douro quando aquele passou para a margem Norte do rio. Dadas as condições do terreno não se atreveu a lançar um ataque que dificilmente teria sucesso. Quando Marmont voltou a atravessar o Douro e se dirigiu para Salamanca, ambos os exércitos executaram o mesmo movimento, paralelamente, vigiando-se mais numa atitude de prudência que da procura de uma oportunidade para atacar. Segundo nos descreve o historiador britânico Sir John William Fortescue, Wellington afirmou que não atacaria Marmont sem se encontrar em posição vantajosa e que, acreditava, o comandante francês faria o mesmo.

Na margem Sul do Tormes o exército francês seguiu para Oeste, na direcção da fronteira portuguesa. A linha de comunicações de Wellington ficava ameaçada e, portanto, ele corria o risco de ficar isolado no território espanhol, perante o exército de Marmont e outras forças que eventualmente poderiam começar a chegar e a reforçar o Exército de Portugal. Nesta situação, para um comandante que não deseja de forma nenhuma correr o risco de atacar uma força de dimensão idêntica, apenas resta a solução da retirada. Ao longo do dia, apesar de algumas posições dominantes do terreno virem a ser disputadas aos Franceses em combates de menor importância, a maioria dos oficiais do exército anglo-luso acreditava que o próximo passo seria a retirada para Portugal. Os trens já tinham sido enviados pela estrada para Ciudad Rodrigo, escoltados por um regimento de cavalaria português. Marmont estava igualmente convicto que esta seria a atitude de Wellington. A ideia que tinha do comandante britânico era que se tratava de um oficial tímido, excessivamente prudente e, por isso, não iria arriscar o seu exército num confronto de desfecho duvidoso. Marmont não teve presente a atitude audaciosa de Wellington na batalha do Douro em 1809 nem a determinação evidenciada nos cercos de Ciudad Rodrigo e Badajoz, já em 1812.

O comandante francês não podia observar todo o exército anglo-luso. Uma boa parte dele estava oculto pelos acidentes do terreno. Por outro lado, ao observar a poeira levantada na estrada para Ciudad Rodrigo pelos trens em retirada, ficou convencido que as forças anglo-lusas que conseguia localizar não constituíam mais que uma guarda de retaguarda. Por isso, mandou avançar algumas das suas divisões para Oeste, estendendo demasiado o seu dispositivo. As três divisões da frente ficaram fora do alcance de apoio do restante exército. Wellington viu esse erro de Marmont e não perdeu tempo. Tinha surgido uma oportunidade que só um comandante tímido e excessivamente prudente iria desperdiçar. 

O resultado foi a Batalha de Salamanca em que o Exército de Portugal sofreu a sua pior e definitiva derrota. O ataque súbito e imprevisto do exército anglo-luso, a derrota de todo um exército num espaço de tempo tão curto (a batalha foi decidida numa tarde), deram a Wellington uma ascendência moral sobre os Franceses que ele não perdeu até ao fim da guerra apesar de ainda vir a ser obrigado a efectuar algumas retiradas. O General Foy, que esteve presente na batalha deixou no seu diário observações que comparavam Wellington a Malborough ou a Frederico, o Grande. E acrescenta: «Até este dia, conhecíamos a sua prudência, a sua capacidade para escolher boas posições e a habilidade com que as utilizava. Mas em Salamanca ele mostrou ser um grande e competente mestre a manobrar.» Para o resto da guerra, foi esta a sua característica mais visível sem que a prudência alguma vez o impedisse de optar por atitudes defensivas sempre que tal se revelou vantajoso.

Vale a pena ver:



terça-feira, 27 de março de 2012


A propósito do Combate de Arroyo de Molinos



No dia 28 de Outubro de 1811 registou-se o combate de Arroyo de Molinos sobre o qual foi, recentemente, publicado um artigo na Wikipédia. Há um aspecto desta operação militar que merece ser realçado: a marcha.

Como podemos ver no artigo acima referido, a perseguição às tropas de Girard começou a 22 de Outubro. Isto significa que a marcha executada pelas tropas britânicas, portuguesas e espanholas, que perseguiam, e as tropas francesas, que eram perseguidas, durou seis dias. No primeiro dia os Aliados percorreram perto de 50 Km. No último dia de marcha antes do combate (27 de Outubro), os Aliados percorreram cerca de 45 Km. A maior parte do percurso foi feito debaixo de chuva intensa. Para descansar, à noite, tinham o solo molhado e embrulhavam-se nas suas mantas ou capotes encharcados.

Devemos ter em atenção, antes de mais, que não estamos a falar de militares fardados com uniformes adequados a um determinado clima, protegendo-se com impermeáveis leves, calçando botas confortáveis com sola de boa borracha, comendo rações de combate estudadas por nutricionistas, etc. Estamos a falar de soldados que fardavam com tecidos grosseiros e calçavam sapatos de sola e estavam, normalmente, mal alimentados. Estavam habituados a uma vida dura? Sem dúvida, mas isso apenas os preparava para suportar melhor as situações difíceis por que passavam sem lhes aumentar a resistência.

Na época da Guerra Peninsular, as longas marchas eram a única forma de transportar as tropas por terra. Se os rios eram navegáveis e se existiam meios disponíveis, o percurso podia ser feito em embarcações fluviais. Mas este meio apenas podia ser aplicado a um número limitado de tropas. Era pois necessário preparar os soldados para essas marchas.

Se procurarmos nas Ordens do Dia de Beresford, encontramos algumas referências a esse treino e à forma como as marchas deviam ser executadas. As transcrições que a seguir se apresentam dão-nos uma ideia das preocupações relativas a esta actividade. Vejamos então:


ORDEM DO DIA DE 15 DE SETEMBRO DE 1809
que os Corpos de Infantaria além de se instruírem em exercícios, se instruam também em marchas, para o que duas vezes cada semana de manhã cedo sairão do seu Quartel, e marcharão até à distância de légua e meia, e mesmo duas léguas, sem tocarem os tambores, levando uma vanguarda, e uma retaguarda, e seguindo todas as mais regras, e com a mesma exacção, como se estivessem próximos do inimigo: e os Oficiais superiores obrigarão os Capitães a que cumpram os seus deveres, e estes os seus Subalternos, e os Oficiais Inferiores a cumprirem com os seus, e particularmente em fazerem que os soldados marchem no seu lugar, e na melhor ordem, e será o primeiro cuidado da retaguarda impedir que ninguém fique atrás.

Nota: a légua era uma medida de extensão variável de local para local. A légua portuguesa, que era igual à castelhana, tinha 6.195 metros. Normalmente, defenia-se a légua como sendo a distância que um homem a pé podia percorrer numa hora. Para uma informação sobre as medidas podem-se ler, além do que foi publicado na Wikipédia (com uma boa bibliografia), o artigo Do Pé Real à Légua da Póvoa, pelo Tenente-coronel José João de Sousa Cruz, publicado na Revista Militar nº 2491, página 1035, de 2009 (pode ser lido em http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=500 )

ORDEM DO DIA DE 5 DE ABRIL DE 1810

O Illmo e Exmo Senhor Marechal Beresford, Comandante em Chefe do Exército, atendendo a que os Corpos de Infantaria estão presentemente chegados a um ponto de disciplina bastante avançado, Determina aos Senhores Comandantes de Brigadas e de Corpos, apliquem dois dias de cada semana para o exercício de marcha d’estrada, ao qual não faltará indivíduo algum, excepto Recrutas e Instrutores: Os Corpos se formarão para esta qualidade de exercício, preparados da mesma forma, e com bagagens e munições, como se pratica nas marchas, e marcharão até uma ou duas léguas de distância dos seus Quartéis, conforme julgarem conveniente os Senhores Comandantes. Durante a marcha os Soldados serão exercitados no modo de passar obstáculos, diminuindo e aumentando a frente das Divisões, e a formar em linha na marcha sobre a direita e sobre a esquerda, e sobre toda qualquer outra direcção. Os Corpos serão também instruídos na diferença que há de Coluna de marcha a Coluna de Manobra, e da necessidade de observar as regras da primeira, assim como, que para se executarem bem as manobras é preciso observarem as regras da segunda.

Ordena o Senhor Marechal, que daqui em diante Corpo algum de Infantaria marche do lugar, onde estiver de Quartel mesmo sendo para um lugar vizinho a fazer exercício, sem as suas vanguardas regulares, e que nas marchas acima determinadas os Senhores Comandantes façam conhecer o uso destas vanguardas, e retaguardas, e lhes ensinem a prática.

É contra a intenção do Senhor Marechal que as sobreditas marchas interrompam a instrução das Recrutas; só as devem fazer aqueles indivíduos que já estão instruídos no exercício, e que tem sido julgados capazes de entrarem nas fileiras, e deseja que nestas marchas não se obrigue o Soldado a ir de modo que lhe resulte absoluta fadiga: quatro ou cinco horas de marcha com meia hora de descanso não produzirá um tal efeito; porém a prudência dos Senhores Comandantes deve regular esta objecto, tendo eles atenção às circunstâncias em que se acharem os Corpos.


terça-feira, 1 de novembro de 2011

Combate de El Bodón nas Ordens do Dia de Wellington e de Beresford



Os Aliados tinham iniciado o bloqueio a Ciudad Rodrigo. Apesar disso, esta praça foi abastecida pois uma força consideravelmente mais numerosa que os Aliados, constituída por tropas do Exército de Portugal e do Exército do Norte, sob o comando do Marechal Marmont, garantiu não apenas o abastecimento mas ainda que as tropas de Wellington fossem obrigadas a recuar (temporariamente) para o território português. Foi nesse âmbito que se travou o Combate de El Bodón a 25 de Setembro de 1811 e, dois dias mais tarde, os combates de Aldeia da Ponte. 

No dia 9 de Outubro de 1811, com o Quartel General em S. José de Riba-Mar, era publicada a Ordem do Dia de Beresford que, por sua vez, transcrevia a Ordem do Dia de 2 de Outubro de Wellington. Trata-se de uma descrição dos acontecimentos em El Bodón que vale a pena ler. Nesta transcrição foi actualizada a ortografia e trancreve-se a parte em que se descrevem os combates.


Quartel General de S. José de Riba-Mar 9 de Outubro de 1811

ORDEM DO DIA

Ordem do Dia de 2 do corrente de S. Ex.ª o Sr. Marechal General

O Comandante das Forças deseja atraír a atenção do Exército sobre o comportamento do 2º Batalhão do Regimento 5, e do 77; do Regimento 21 Português, e da Artilharia Portuguesa do Major Arentschild, debaixo do Comando do Hon. Major General Colville, e do 11 de Dragões ligeiros, e 1º de Hussardos debaixo das Ordens do Major General Alten na acção que houve com o Inimigo em 25 do mês passado. Estas tropas foram atacadas por 30 a 40 Esquadrões de Cavalaria, com seis peças de Artilharia, sustentados por uma Divisão de 14 Batalhões de Infantaria, e Artilharia Competente.
Os Soldados Artilheiros Portugueses preferiram ser acutilados junto às suas peças, a desampará-las, mas o 2º Batalhão do Regimento 5 atacou a Cavalaria, que tinha tomado as Peças, e as retomou. Ao mesmo tempo o Regimento 77 foi atacado em frente por outro Corpo de Cavalaria, sobre o qual avançou, e o repeliu.

Enquanto se praticavam estas acções, a Brigada do General Alten, de que somente ali haviam três Esquadrões, combatia na esquerda com um número, que lhe era infinitamente superior. Estes esquadrões atacaram repetidas vezes, sustentando-se mutuamente, e tomaram mais de 20 Prisioneiros; e teriam conservado o seu posto, apesar da imensa superioridade do Inimigo, se o Comandante das Forças não tivesse mandado retirar as Tropas, vendo, que o combate se tornava ainda mais desigual, pois que provavelmente entraria nele a Infantaria Inimiga, antes que chegassem os Reforços que se tinham mandado ir para sustentar o Posto.

As Tropas então se retiraram com o mesmo decisivo valor, e naquela mesma boa ordem, com que tinham conservado o seu posto, em dois quadrados, um composto dos segundos Batalhões do Regimento 5, e 77; outro do Regimento 21 Português, sustentados pela Cavalaria do General Alten, e Artilharia Portuguesa. A Cavalaria Inimiga atacou as três faces do quadrado da Infantaria Britânica, mas foi repelida; e conhecendo, que eram infrutíferas as suas repetidas tentativas, e que aquelas valorosas Tropas não podiam ser rotas, contentou-se de as seguir de longe, e de lhes fazer fogo com a sua Artilharia, até que as tropas se reuniram ao resto da 3ª Divisão e foram depois sustentadas por uma Brigada da 4ª Divisão.

Ainda que o Regimento 21 Português não foi efectivamente atacado pela Cavalaria, a sua firmeza, e valor foi evidente; e o Comandante das Forças observou com prazer a ordem, e regularidade, com que foram feitos os seus movimentos, e a confiança, que todos mostraram ter nos seus Oficiais. …

domingo, 22 de maio de 2011

Infantaria versus Cavalaria
O caso de Albuera

Na época napoleónica, a maior parte da Infantaria combatia em ordem cerrada, isto é, em formações densas em que os seus elementos se dispunham em linha ou em coluna consoante se pretendia tirar maior partido do poder de fogo ou do poder de choque. Em qualquer dos casos, os soldados de infantaria actuavam integrados num dispositivo que devia manter-se coeso. Por norma, só as companhias de infantaria ligeira, representadas em Portugal pelos Caçadores, combatiam em ordem aberta. Quando atacada pela cavalaria, a infantaria utilizava, sempre que possível, o dispositivo mais adequado para enfrentar aquela ameaça: dispositivo em quadrado.

Fosse qual fosse o dispositivo adoptado - linha, coluna, quadrado, ordre mixte - cada companhia de infantaria (seis a nove companhias formavam um batalhão) formava em linha com duas ou três fileiras de profundidade, com uma frente de trinta ou quarenta homens. A linha foi o dispositivo normal da infantaria no século XVIII e manteve muita da sua importância nas Guerras da Revolução Francesa e nas Guerras Napoleónicas. Ao dispor os soldados em linha tirava-se o máximo rendimento dos mosquetes disponíveis, ou seja, obtinha-se o máximo poder de fogo pois a maior parte das armas podia ser utilizada.

A linha apresentava, no entanto, algumas desvantagens. Entre elas, a de que os seus flancos  tornavam-se muito vulneráveis a um ataque lançado de surpresa pela infantaria ou cavalaria inimiga. Esta situação podia pôr em perigo a sobrevivência de uma brigada, ou até de uma divisão. Para minimizar este perigo eram adoptadas medidas especiais de protecção: os batalhões em cada extremo da linha formavam em coluna ou em quadrado.


Representação da cavalaria ligeira britânica durante as comemorações do bicentenário da batalha de Albuera.
O cavaleiro da esquerda, à frente, enverga a farda dos Hussardos. Os restantes elementos da fotografia usam a farda dos dragões ligeiros.
Fotografia de José Vieira Pimenta, Torres Vedras.



A cavalaria foi sempre um elemento temido no combate, especialmente pela infantaria. A infantaria ligeira, dispersa no terreno, não tinha muitas possibilidades de sobreviver a um ataque da cavalaria. Apenas um terreno impróprio para as montadas a podia proteger. Por seu lado, a cavalaria não entrava no terreno ocupado por uma infantaria devidamente formada e coesa porque, para ter sucesso, precisava de quebrar a coesão do dispositivo da infantaria e isto significava que era necessário levar a infantaria a vacilar e, se possível, a fugir.

Para que a cavalaria conseguisse este objectivo tinha de assustar os combatentes de  infantaria, fazer com que perdessem o domínio das suas acções. A velocidade com que a cavalaria atacava era assim mais importante do que a ordem ou dispositivo em que o fazia, embora devesse ter o cuidado de manter o máximo controlo da sua acção. A velocidade excitava os cavaleiros e dava-lhes coragem para ignorarem o fogo da infantaria e manterem o ímpeto do ataque. A infantaria, perante esta ameaça, corria o risco de cometer erros e o mais vulgar era começar a fazer fogo demasiado cedo, a um alcance a que, naquela época, as armas não permitiam obter a precisão do tiro. Os cavaleiros, por sua vez, ao constatarem a ineficácia do fogo da infantaria, sentiam-se encorajados, avançavam e tornavam-se tanto mais assustadores quanto mais próximos se encontravam. Um dos lados, infantaria ou cavalaria, tinha que ceder (MUIR, p. 130).

O melhor dispositivo que a infantaria podia adoptar contra este tipo de ataque era o quadrado. Um quadrado oco, em que cada um dos lados, com cerca de trinta metros, era formado pela infantaria disposta em linha com quatro a seis fileiras de profundidade. A fileira da frente colocava um joelho em terra, mantinha os mosquetes apontados para o exterior, assentava a coronha no chão e tinha as baionetas colocadas. À frente das restantes linhas que faziam fogo com os mosquetes, a primeira linha apresentava uma fileira de baionetas que conferiam segurança às linhas de trás. Estas iam-se revezando nas acções de disparar e carregar a arma.

Neste tipo de dispositivo, os oficias e os sargentos encontravam-se no centro do quadrado, de onde podiam mais facilmente acorrer aos pontos em que se verificasse algum sinal de desordem. Desta forma, era mais fácil manter a disciplina e o moral porque cada um dos homens sentia que estava integrado num conjunto firme. Eles sabiam também que o inimigo nunca os conseguiria atacar pelos flancos ou pela retaguarda pois o dispositivo estava voltado para todas as direcções. Mais do que no seu fogo, a infantaria formada em quadrado confiava na sua solidez. E este era o mais difícil obstáculo que a cavalaria tinha de vencer. Se a infantaria mantivesse a serenidade, um quadrado bem organizado era quase invulnerável.

O primeiro ataque a um quadrado era, normalmente o mais perigoso porque, se a infantaria vacilasse e a cavalaria entrasse no quadrado, dificilmente haveria nova oportunidade de  reorganizar o dispositivo. No entanto, se o ataque da cavalaria era repelido, a infantaria ganhava confiança e, por isso, maior possibilidade de resistir. Mas o fogo dos mosquetes também era importante e, se a infantaria não conseguisse executar o tiro com um mínimo de precisão e a cavalaria mantivesse a capacidade de continuar a pressionar, é quase certo que a infantaria acabaria por ceder. Outra forma de "quebrar" o dispositivo era utilizar a artilharia o que era muito difícil atendendo à distância a que esta normalmente se encontrava e à falta de precisão que então se verificava a distâncias maiores. Quase todos os grandes sucessos da cavalaria ocorreram quando os seus oponentes foram apanhados de surpresa, ou estavam já empenhados contra outras tropas, ou já tinham perdido a capacidade de decisão.

No decorrer de um confronto, a dificuldade que a infantaria encontrava frequentemente era a de formar o quadrado em tempo oportuno. Fazê-lo em presença do inimigo era perigoso e requeria muito treino e calma para executar os complicados movimentos para formar o novo dispositivo. Por vezes, não era possível formar o quadrado e a infantaria era obrigada a enfrentar a cavalaria com a formação em linha ou em coluna. Neste caso, para ter alguma possibilidade de sucesso, devia proteger adequadamente os seus flancos.

Dispositivo em quadrado

No decorrer da Batalha de Albuera, o comandante da 2ª Divisão britânica, Major-general William Stewart, enviou a brigada sob o comando do Tenente-coronel John Colborne para atacar o flanco esquerdo da divisão francesa sob o comando do General Jean-Baptiste Girard (com duas brigadas, uma sob comando de Gazan e outra do próprio Girard). A brigada britânica partiu para este ataque com o dispositivo em linha, contra vontade do seu comandante que actuou desta forma por imposição do comandante da divisão. À medida que os batalhões de Colborne chegavam à frente, eram imediatamente formados em linha. Quando os três primeiros batalhões, o 1/3rd Foot (1º Batalhão do 3º Regimento de Infantaria de Linha), o 2/48th e o 2/66th avançaram, ainda o 2/31st não tinha formado em linha pelo que ficou para trás.

Inicialmente este contra-ataque teve o efeito desejado pois começou por quebrar o ímpeto da infantaria francesa mas, enquanto a Brigada de Colborne se empenhava no combate, os franceses enviaram uma brigada de cavalaria formada por dois regimentos: os Uhlans do Vístula, cavalaria polaca ao serviço da França, e o 2º Regimento de Hussardos. A chuva intensa que então caiu reduziu muito a visibilidade e impediu que a infantaria britânica se preparasse a tempo para enfrentar aquela ameaça. Pelo contrário, foram surpreendidos de tal forma que apenas um dos batalhões, o último a avançar, conseguiu formar um quadrado.

O 1/3rd Foot foi o primeiro a ser atacado, no flanco direito da brigada, e a cavalaria francesa atingiu logo de seguida a retaguarda dos 2/48th e 2/66th. O 2/31st, ainda ligeiramente afastado dos outros batalhões, teve tempo para formar um quadrado e conseguiu repelir os lanceiros do Vístula que tinham chegado até à sua posição. Este combate entre a infantaria britânica e a cavalaria francesa só terminou quando se deu a intervenção da cavalaria britânica, sob o comando do Major-general William Lumley. 

As baixas foram realmente pesadas: o 1/3rd Foot perdeu 643 homens, o 2/48th Foot perdeu 343, o 2/66th Foot perdeu 272 e o 2/31st Foot perdeu 155. No total, a Brigada de Colborne, que tinha um efectivo de 2.066 homens (dos quais contavam 100 oficiais), perdeu 1.413 (348 mortos, 586 feridos e 479 desaparecidos que, na situação em análise, se podem considerar prisioneiros dos franceses). As perdas menores foram do 2/31st que formou em quadrado. Este regimento sofreu algumas baixas ao defender-se da cavalaria francesa mas não sofreu prisioneiros e esta situação mostra-nos bem o valor do quadrado como dispositivo da infantaria para enfrentar o ataque da cavalaria.

Na fase final da batalha, ainda em Albuera, há uma intervenção da 4ª Divisão de Infantaria, sob o comando do Major-general Lowry Cole, de que fazia parte a Brigada de Infantaria portuguesa sob o comando do Brigadeiro-general Harvey. Foi desencadeado um contra-ataque sobre a infantaria francesa, de forma semelhante ao que tinha sido feito pela 2ª Divisão mas, desta vez, foram tomadas as devidas precauções. Consciente do perigo que a cavalaria francesa representava, Cole atacou com a sua divisão britânica em linha, com a brigada de Hervey à direita e a brigada de Meyers à esquerda, mas nos seus extremos colocou batalhões que utilizavam o dispositivo em coluna: no flanco direito, um batalhão formado por nove companhias ligeiras retiradas de todos os restantes batalhões da 4ª Divisão e, no flanco esquerdo, um batalhão da Leal Legião Lusitana. Além deste dispositivo adoptado pela infantaria, toda a cavalaria sob o comando de William Lumley encontrava-se à sua retaguarda.

De forma idêntica ao que tinha acontecido com a Brigada de Colborne da 2ª Divisão, a cavalaria francesa atacou esta força de contra-ataque a fim de libertar a sua infantaria para prosseguir a ofensiva. Quatro regimentos de dragões atacaram o centro da Brigada portuguesa de Harvey. O objectivo era criar uma situação de pânico por forma que esta infantaria não só não conseguisse a eficácia do seu fogo mas também, se possível, que vacilasse e quebrasse o dispositivo. Ao contrário do que a cavalaria francesa esperava, os militares portugueses da Brigada de Harvey mantiveram-se firmes no terreno e não vacilaram perante a aproximação da cavalaria inimiga, mantiveram a coesão do dispositivo e, com uma série de descargas dos mosquetes, efectuadas com calma, repeliram os dragões franceses.

Este foi um comportamento brilhante de tropas que nunca tinham participado em nenhuma batalha. O seu comportamento permitiu manter a integridade do dispositivo da 4ª Divisão e prosseguir o contra-ataque contra a infantaria francesa. Neste caso, não foi um dispositivo em quadrado que provocou o fracasso do ataque da cavalaria mas sim a firmeza com que a infantaria aguardou esse ataque e a calma que lhes permitiu executar um fogo de mosquete com eficácia.

Estes foram acontecimentos em que as tropas portuguesas mostraram estar ao nível dos melhores exércitos da Europa. Albuera é em Espanha mas isso não justifica que aqui, em Portugal, no dia 16 de Maio, este acontecimento tenha passado despercebido. Assim como já não tinha acontecido com a Batalha de Fuentes de Oñoro

BIBLIOGRAFIA

MUIR, Rory, Tactics and the Experiences of Battle in the Age of Napoleon, Yale University Press, Londres, 1998.

OMAN, Sir Charles Chadwick, A History of the Peninsular War, volume IV, 1911, Greenhill Books, Londres, 2004.















domingo, 15 de maio de 2011

Albuera, 16 de Maio de 1811

No dia 16 de Maio de 2011 comemora-se o bicentenário da Batalha de Albuera, a mais sangrenta das batalhas da Guerra Peninsular.

Beresford
Por decreto de 7 de Março de 1809, William Carr Beresford foi nomeado Marechal e Comandante em Chefe do Exército Português. Em pouco tempo, teria de transformar numa força de combate eficiente um exército que quase tinha deixado de existir devido às medidas tomadas por Junot durante a Primeira Invasão Francesa. Este foi, inegavelmente, um excelente trabalho realizado por Beresford. Basta ver o comportamento das tropas portuguesas e os resultados obtidos nas batalhas do Buçaco (27 de Setembro de 1810) e de Fuentes de Oñoro (3 a 5 de Maio de 1811).

Porém, o seu comportamento como comandante do Exército Aliado em Albuera foi alvo de críticas por parte de vários autores de obras sobre a Guerra Peninsular, muito em especial do militar e historiador William Francis Patrick Napier que também combateu na Península. Outros autores foram mais moderados e acabaram por criticar também o próprio Napier pela falta de objectividade com que apreciou a situação.


William Carr Beresford, 1º Visconde Beresford, 
1º Marquês de Campo Maior e 1º Conde de Trancoso. 
Quadro pintado por Sir William Beechey, 
National Portrait Gallery, Londres.

As críticas a Beresford, enquanto comandante militar em campanha, começaram por se referir à sua conduta nas operações durante a Segunda Invasão Francesa. Beresford mostrou-se retraído quando podia, numa atitude mais agressiva, ter entrado em Trás-os-Montes para enfrentar ou perseguir as tropas de Loison, eventualmente o exército de Soult se este conseguisse retirar por aquela região. Teria medo de avançar sem conhecer o comportamento das suas tropas, maioritariamente portugueses, sem qualquer experiência de combate cujas unidades tinham começado a ser reorganizadas há tão pouco tempo? Então que dizer do Brigadeiro Silveira que, com um corpo de tropas mal organizado e deficientemente armado, resistiu tanto tempo na defesa da linha do Tâmega e acabou em perseguidor das tropas de Loison? Defenitivamente, o comando de tropas em campanha não era o ponto forte de Beresford. A sua reputação não era alta entre os outros oficiais britânicos. Edward Pakenham considerava-o "um camarada inteligente mas sem qualidades para general; a sua ansiedade era demasiado grande ..." e, depois da batalha, um capelão escreveu: "Beresford parece ter-se comportado tão bem quanto os seus escassos talentos prometiam" (GLOVER, pp. 207 e 208).


Beresford a desarmar um lanceiro polaco durante a batalha.
Pintura de T. Sutherland, 1831


Nem tudo o que correu mal em Albuera pode ser imputado a Beresford. Os generais espanhóis Joachim Blake e Carlos de España concordaram em servir sob a direcção de Beresford mas não obedeceram prontamente às suas ordens. Michael Glover (p. 208) afirma que Beresford tinha levantado a hipótese de retirar e não oferecer batalha pois entendia que o cerco de Badajoz não tinha progredido o suficiente para justificar uma batalha que poderia acarretar perdas muito graves. O corpo de tropas à sua disposição era numericamente superior ao de Soult mas à custa de elevado número de tropas espanholas em que ele não confiava e de quatro brigadas de infantaria portuguesas, sem qualquer experiência de combate. Além disso, as tropas espanholas de Joachim Blake só chegaram ao flanco direito da posição de Beresford às primeiras horas da manhã do dia da batalha. Tinham demorado um tempo imenso a percorrer pouco mais que 10 Km e encontravam-se em grande confusão. Só ao nascer do dia foi possível colocá-los nas suas posições. Quando a batalha foi iniciada ainda não estavam completamente dispostos no terreno.

Foi exactamente sobre esse flanco que Soult lançou o esforço do ataque. Beresford, assim que compreendeu que a sua direita estava ameaçada, deu as ordens adequadas para controlar a situação. O que começou por correr mal foi o facto de Blake não cumprir essas ordens e, quando o fez, apenas movimentou parte das forças. Foi assim criada uma situação muito difícil que só não deu origem a uma derrota imediata dos Aliados porque as tropas espanholas sob o comando do General Zaya tiveram um excelente comportamento. A desobediência de Blake, no entanto, pôs esse esforço em causa e foi necessária a intervenção da 2ª Divisão que, por seu lado, também não foi bem executada, resultando daí numerosas baixas. Durante a batalha, quando a cavalaria polaca avançou, Beresford encontrava-se muito próximo da linha de combate e teve de se defender de um cavaleiro polaco. Mereceu o seguinte comentário de um oficial do seu estado-maior: "o nosso marechal expôs-se com bravura mas não deu ordens e os oficiais do seu estado-maior atuaram da forma que lhes pareceu melhor" (Muir, p. 153).







Batalha de Albuera, gravura de T. Sutherland, in
http://ab.dip-caceres.org/g_independencia/grab_mapas.htm


A Batalha de Albuera foi a última acção de campanha em que Beresford participou. Após a batalha, regressou à sua tarefa principal, a de reorganizar o Exército Português. Aqui foi, sem dúvida nenhuma, um oficial brilhante. O comando das forças anglo-portuguesas que actuavam no Sul de Portugal, quando Wellington não estava presente, passou para o General Sir Rowland Hill. Quando visitava os hospitais, depois de chegar a Badajoz, Wellington dirigiu-se a um grupo de feridos do 29th e disse-lhes: "Eu lamento ver tantos de vós aqui". Em resposta a essa observação ouviu de um deles: "My Lord, se estivesse estado connosco, não estariam tantos de nós aqui" (Glover, p. 238).

O primeiro contacto com os Uhlans do Vístula

A Península Ibérica não é um bom terreno para a cavalaria. O exército de Wellington actuou em apenas duas regiões onde é possível manobrar grandes corpos de cavalaria: os planaltos entre Ciudad Rodrigo e Burgos e os planaltos da Estremadura, entre Badajoz e Sierra Morena. Não só o terreno não era apropriado para este tipo de unidades como o clima e o sistema de abastecimento disponível tornavam difícil manter os cavalos, o que provocava entre estes numerosas baixas mesmo fora das acções militares.



Lanceiro do Vístula em acção, in


Albuera situa-se numa dessas regiões mais favoráveis ao emprego da cavalaria. O Exército Aliado dispunha de cavalaria na proporção de 11% do total das suas tropas e Soult dispunha de 16%. Em Fuentes de Oñoro Wellington tinha 5% de cavalaria e Massena tinha 6%. Em Austerlitz, na Europa Central, a cavalaria francesa representava 30% das forças de Napoleão enquanto os Aliados dispunham de 24%. Quando Massena invadiu Portugal, em 1810, o seu exército dispunha de 13% de cavalaria a qual nunca conseguiu utilizar em todas as suas possibilidades.

Entre as unidades de cavalaria que Soult utilizou em Albuera encontravam-se os Uhlans do Vístula, lanceiros polacos ao serviço de Napoleão. Este ficou de tal forma bem impressionado com o desempenho daquelas unidades que, em 1811, deu ordens para seis regimentos de dragões adoptarem a lança. Este tipo de cavalaria, que tinha caído em desuso na Europa Ocidental entre os séculos XVII e XVIII, reviveu inesperadamente e manteve-se até ao fim do século XIX.


Soldado britânico atacado por um Uhlan
in
http://forum.axishistory.com/viewtopic.php?t=17888



Quando a 2ª Divisão avançou, em Albuera, para apoiar as tropas espanholas do General Zaya, utilizava o dispositivo em linha e não protegeu os seus flancos utilizando aí os batalhões em coluna. A Brigada de Colborne avançou contra uma coluna francesa que se encontrava empenhada contra as tropas espanholas. Desprotegidos foram objecto do ataque de uma brigada de cavalaria francesa que não perdeu a oportunidade de carregar sobre um alvo desprotegido. Dessa brigada fazia parte um regimento de lanceiros polacos. A força de cavalaria francesa não foi detectada a tempo devido à chuva intensa que então caía, os batalhões não adoptaram a formação adequada para se defenderem da cavalaria, isto é, não formaram em quadrado, e desta forma, três dos quatro batalhões britânicos foram atingidos e destruídos em poucos minutos. Sofreram 76% de baixas. Em 1.648 homens tiveram 319 mortos, 460 feridos e 479 desaparecidos, a maioria prisioneiros. Dos 880 homens da cavalaria francesa e polaca, caíram cerca de 200 (Muir, p. 135). Só o quarto batalhão conseguiu formar um quadrado a tempo.

As tropas portuguesas em Albuera

As tropas portuguesas em Albuera – infantaria, cavalaria e artilharia – representavam 29% das forças presentes. Os Britânicos representavam 30% e os Espanhóis 41%. Estas proporções explicam, em parte, os receios de Beresford.

Infantaria

A Infantaria portuguesa presente em Albuera consistia em uma Divisão e duas Brigadas, um total de 9.131 baionetas, ou seja, 30% de toda a infantaria presente. No final, tinha sofrido 375 baixas (99 mortos, 250 feridos e 26 desaparecidos/capturados) o que representou 9,2% do total de baixas dos Aliados. Estava distribuída da seguinte forma:


Mapa da Batalha de Albuera (1)
in  
http://ab.dip-caceres.org/g_independencia/grab_mapas.htm

Divisão de Infantaria sob o comando do Marchal de Campo John Hamilton, constituída por oito batalhões de infantaria pertencentes, cada conjunto de dois, aos seguintes regimentos: Infantaria 2, Infantaria 4, Infantaria 10 e Infantaria 14, um total de 4.819 baionetas. Esta Divisão sofreu cerca de 21% das baixas portuguesas.

9ª Brigada de Infantaria, sob o comando do Brigadeiro William Moundy Harvey, era constituída por quatro batalhões de infantaria pertencentes aos regimentos de Infantaria 11 e Infantaria 23 (dois batalhões de cada) e o 1º Batalhão da Leal Legião Lusitana que, por portaria de 4 de Maio de 1811, passou a constituir o Batalhão de Caçadores 7. Ao todo constituía uma força de 2.927 baionetas. Esta brigada estava integrada na 4ª Divisão de Infantaria Britânica, sob o comando do Major-general Galbraith Lowry Cole. Foram as tropas desta brigada que maiores baixas sofreram, especialmente Caçadores 7, quando se deu o contra-ataque efectuado pela 4ª Divisão. Caçadores 7 sofreu 84% (171) do total (203) das baixas da Brigada e 45,6% de todas as baixas da infantaria portuguesa (375).

Mapa da Batalha de Albuera (2),
in  
http://ab.dip-caceres.org/g_independencia/grab_mapas.htm

10ª Brigada de Infantaria, sob o comando do Coronel Richard Collins, era constituída por dois batalhões do Regimento de Infantaria 5 e por Caçadores 5, um total de 1.385 baionetas. Esta Brigada só foi empenhada na fase final da batalha e acabou por sofrer 91 baixas (15 mortos, 65 feridos e 11 desaparecidos/capturados), 24% das baixas da infantaria portuguesa. 

Cavalaria

O corpo de cavalaria portuguesa presente em Albuera estava sob o comando do Coronel Loftus William Otway e compunha-se de 849 sabres pertencentes aos regimentos de Cavalaria 1, Cavalaria 5, Cavalaria 7 e Cavalaria 8. Colocado na ala esquerda do dispositivo de Beresford, como guarda de flanco, manteve-se nessa missão até ao fim da batalha. Constituía 22% de toda a cavalaria dos Aliados. O seu empenho foi, portanto, longe dos combates que decidiram a batalha e apenas sofreram dois feridos.

Artilharia

A artilharia portuguesa estava presente com duas Baterias, uma do Regimento de Artilharia 1, sob o comando do Capitão S. J. de Arriaga, outra do Regimento de Artilharia 2, sob comando do Capitão W. Braun. Somavam 221 homens, constituíam 1/4 das bocas de fogo do exército de Beresford e estavam sob o comando geral do Major Alexander Dixon..Durante os combates sofreram 10 baixas.


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Extracto de um poema de Lord Byron, Childe Harold's Pilgrimage, canto 1, XLIII

Oh, Albuera! glorious field of grief!
As o'er thy plain the Pilgrim prick'd his steed,
Who could foresee thee, in a space so brief,
A scene where mingling foes should boast and bleed!
Peace to the perish'd! may the warrior's meed
And tears of triumph their reward prolong!
Till others fall where other chieftains lead,
Thy name shall circle round the gaping throng,
And shine in worthless lays, the theme of transient song.

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Para uma grande parte dos militares portugueses presentes esta foi a sua primeira experiência de combate. Em seguida, recomeçou o cerco de Badajoz.

Para os que dominam o Inglês recomendam-se as páginas seguintes que contém muita informação importante:

Trophies of Albuera (May 16, 1811)



segunda-feira, 2 de maio de 2011

Fuentes de Oñoro



Apontamentos sobre a Batalha de Fuentes de Oñoro 
3 a 5 de Maio de 1811
A duração da batalha
Comemora-se nos dias 3, 4 e 5 de Maio de 2011 o bicentenário da Batalha de Fuentes de Oñoro, tentativa de Massena para libertar a praça de Almeida do bloqueio imposto pelas tropas de Wellington, manter a posse daquela praça e, desta forma dominar (já tinha a posse de Ciudad Rodrigo) o principal eixo de invasão de Portugal na região Norte. Derradeira batalha desse grande general que foi André Massena, l'enfant chéri de la Victoire, como lhe chamou Napoleão.
A Batalha de Fuentes de Oñoro fugiu à regra ao ser travada durante mais do que um dia. Teve início na tarde de 3 de Maio de 1811, parou ao longo do dia 4 e foi decidida a 5. Se analisarmos as batalhas, não só da Guerra Peninsular mas de todas as campanhas napoleónicas, verificamos que a maioria foi completada num único dia de luta, por vezes utilizando apenas uma parte do dia. Talavera (27 e 28 de Julho de 1809), Wagram (5 e 6 de Julho de 1809) e Leipzig (16 – 19 de Outubro de 1813) fazem parte das excepções. Compreende-se que estas duas últimas batalhas, pelos efectivos que estiveram presentes, se tenham prolongado por mais tempo. Em Wagram estiveram presentes 154.000 homens do lado dos Franceses e seus aliados e 130.000 Austríacos. Em Leipzig os números eram ainda mais elevados pois as forças em presença somavam mais de 200.000 no exército de Napoleão e 360.000 do lado dos Aliados. Efectivos tão elevados demoravam a dispor no terreno e proporcionavam sucessivos combates antes do confronto principal que  devia decidir a batalha. Este não foi o caso de Fuentes de Oñoro em que estiveram presentes cerca de 46.500 homens do lado francês e 37.000 do exército de Wellington.
Quartel General de Wellington em Freineda
in http://www.peninsularwar200.org/fuentesdeonoro.html
A acção de Massena
A descrição da batalha (ver na Wikipédia: Batalha de Fuentes de Oñoro) mostra-nos Massena a lançar um ataque sobre a parte mais forte do dispositivo de Wellington antes de mandar realizar as acções de reconhecimento necessárias para escolher a melhor modalidade de acção. Mas não foram realizadas as acções de reconhecimento, exactamente como não o tinham sido, no ano anterior, quando atacou as posições do Buçaco. Massena atacou as posições da povoação de Fuentes de Oñoro com uma divisão constituída por 10 batalhões. Pouco foi feito a norte ou a sul de Fuentes de Oñoro. As tropas Aliadas resistiram bem, entre recuos e avanços, os ataques terminaram ao cair da noite com resultados nulos e Massena, no dia seguinte, não retomou a ofensiva. Este primeiro ataque às posições defendidas por tropas britânicas e portuguesas custou-lhe 652 homens. Os Aliados perderam 259 e, entre estes estavam 48 portugueses.
No dia 4, Massena ordenou a Montbrun que efectuasse reconhecimentos do lado de Poço Belo e Nave de Haver (a Sul) para se inteirar sobre o terreno, a existência e estado de estradas que por ali passassem, e o posicionamento das forças de flanco inimigas. Estes reconhecimentos demoraram quase todo o dia. Durante a manhã deste dia registaram-se combates de fraca intensidade na área de Fuentes de Oñoro mas estes tinham terminado antes do meio dia. Tivesse Massena realizado estes reconhecimentos antes de lançar o ataque e teria descoberto que o flanco sul dos Aliados estava fracamente defendido. Com base nos reconhecimentos feitos, Massena alterou o seu dispositivo de ataque, obrigando  Wellington a reajustar a disposição das unidades para a defesa.
A acção de Wellington
Wellington colocou a sua 7ª Divisão na área de Poço Velho e a cavalaria britânica em Nave de Haver onde já se encontravam os guerrilheiros de Julian Sanchez. Estas medidas foram manifestamente insuficientes pois, na manhã do dia 5, os Franceses atacaram com força a ala direita dos Aliados criando uma situação de grande perigo para Wellington. A 7ª Divisão, de formação recente e a mais fraca das divisões de Wellington, foi colocada demasiado longe e, perante o ataque da cavalaria francesa, foi obrigada a recuar com o apoio da Divisão Ligeira e da cavalaria britânica. Rory Muir considera que este foi o mais grave erro táctico de Wellington na Guerra Peninsular.
As estreitas ruas de Fuentes de Oñoro
in http://www.peninsularwar.org/images/fuentes2.jp
De facto, Wellington estava preocupado em proteger o bloqueio de Almeida onde ainda se encontrava uma guarnição francesa. Mas, se Massena contornasse o dispositivo em vez de atacar o flanco Sul, a linha de comunicações de Wellington ficaria seriamente ameaçada. De qualquer forma, a eventualidade de ter de atravessar o Côa para procurar posições mais seguras, abandonando o bloqueio de Almeida, seria sempre uma operação que acarretaria grande prejuízo pois Wellington dificilmente  conseguiria salvar os trens e a artilharia. Se as tropas apeadas ou a cavalaria podiam escolher vários (não muitos) pontos de passagem do rio, aqueles equipamentos teria necessariamente de utilizar pontes e, como explica Charles Oman, apenas dispunha de três pontos de passagem a uma distância razoável da posição de Fuentes de Oñoro: Ponte Sequeiro, mais a Sul, a cerca de 16 Km, a Ponte de Castelo Bom, a cerca de 10 Km, e Ponte de Almeida (utilizada por Craufurd no Combate do Côa em 1810 e muito danificada), a 12 Km de distância. Wellington estava bem consciente dos riscos que corria e,  apesar de terem sido preparadas ordens para uma retirada, acreditava que conseguiria deter o avanço francês.

A unidade de comando
John Frederick Charles Fuller escreveu na sua obra A Conduta da Guerra, de 1789 aos nossos dias (p. 33) que Napoleão considerava a unidade de comando a necessidade primeira da guerra. A unidade de comando exige a reunião de todas as forças disponíveis sob as ordens de um único general para que seja possível aplicar de forma decisiva o potencial de combate disponível. Só assim se poderá garantir a convergência de esforços necessária que visa a consecução de um objectivo. No seu nível mais elevado e na perspectiva mais abrangente, a unidade de comando só é possível quando a direcção política e militar se encontra nas mãos de um único homem. Isto sucedeu com Napoleão desde que se tornou Primeiro cônsul em 1800. Mas vamos descer ao nível em se travou a Batalha de Fuentes de Oñoro. O comando da força pertencia a Massena mas, na prática, não funcionou bem assim. 
Ao reorganizar o seu exército para voltar a Portugal, Massena solicitou apoio ao Marechal Bessières que era, então, o comandante do Exército do Norte. Bessières não só não foi generoso no apoio fornecido como decidiu estar presente no local das operações. Massena queixava-se junto do seu estado-maior: "Ele podia ter feito melhor enviando-me mais alguns milhares de homens, mais géneros alimentares e mais munições, e devia ter ficado no seu quartel-general em vez de vir para aqui examinar e criticar todos os meus movimentos" (Oman, p. 304). Bessières apoiou Massena com duas Brigadas de Cavalaria, sob o comando de Lepic e Wathier, e uma Bateria de Artilharia.
No dia 5 de Maio, quando Montbrun, o comandante da Reserva de Cavalaria, pretendeu lançar uma carga geral sobre a 1ª Divisão e enviou ordens a Lepic (do Exército do Norte) para avançar, este recusou mover as suas tropas e mandou dizer que se encontrava pronto para atacar mas teria de receber ordens directamente do Marechal Bessières. Enquanto o Marechal era procurado passou a oportunidade de lançar a carga, isto é, não foi possível obter a convergência de esforços necessária. Não devemos especular sobre o que teria sucedido se a carga de cavalaria fosse lançada em tempo oportuno sobre a 1ª Divisão mas podemos ver o que sucedeu (ou deixou de suceder) por ter sido quebrada a unidade de comando: o ataque francês perdeu o ímpeto, não foi obtido o sucesso no dia 5 e a escassez de recursos e a fadiga das tropas determinaram o fim da operação.
Municiar as tropas
Rory Muir menciona na sua obra que um escritor anónimo do 71st Light Infantry (Highland Light Infantry), da 1ª Divisão, escreveu que o número de tiros disparados pelos homens da sua unidade, durante os combates do dia 3, terá atingido  a média de 107 tiros por homem. É um número de disparos elevado. Em geral, cada combatente de infantaria transportava entre 50 a 60 munições. Quando as tropas são envolvidas em combates intensos podem esgotar rapidamente as munições.
 
Brown Bess, a famosa espingarda britânica utilizada na Guerra Peninsular, in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7f/Brown_Bess.jpg
Os soldados de infantaria britânicos, especialmente os destinados à Infantaria Ligeira, recebiam uma instrução cuidada e, quanto à utilização das armas de fogo, eram provavelmente os que dedicavam mais tempo ao treino de tiro tanto na instrução inicial como na que era planeada anualmente e que hoje chamaríamos “tiro de manutenção”. Neste caso estava previsto realizarem 50 tiros com munição real e 60 tiros com cartucho de instrução (sem a bala). Este último mostra a necessidade de treinar o manejo da arma por forma a manter uma cadência de tiro tão alta quanto possível. Quando em instrução se alcançam velocidades de tiro da ordem dos 4 ou 5 tiros por minuto (tpm), isso significa que em combate essa velocidade de tiro andará entre 1 e 2 tpm e esta cadência não era mantida durante muito tempo. Além disso, no caso da Infantaria Ligeira, o tipo de acção para a qual era preparada exigia, principalmente, precisão no tiro. Os recrutas franceses, segundo David Chandler, não dispunham de mais que dois tiros para treino.
As munições distribuídas inicialmente aos combatentes podiam não ser suficientes até ao fim do combate. Isso dependia da sua intensidade e duração. Não é raro encontrar referências a escassez de munições durante as batalhas. Era necessário reabastecer as tropas e estas iam aproveitando as munições dos que morriam ou ficavam feridos. Normalmente existiam grupos que transportavam munições de armas ligeiras até à frente, o mais perto possível das Divisões. Eram colocadas caixas de munições, a cerca de 50 ou 100 passos à retaguarda da linha combatente, de forma que os homens iam aí levantar as suas dotações quando necessário. Mas para além dos limites impostos pelas munições disponíveis, existiam também limites para a capacidade física do atirador. O escritor anónimo do 71st escreveu: «na manhã seguinte, acordámos surdos, empenados e cansados. Dificilmente podia tocar na cabeça com a minha mão direita; o meu ombro estava negro como carvão».
As tropas portuguesas em Fuentes de Oñoro
As tropas portuguesas em Fuentes de Oñoro – infantaria, cavalaria e artilharia – representavam 32,2% do exército de Wellington e pertenciam às seguintes unidades:
Infantaria
Soldado de Caçadores
A Infantaria portuguesa constituía 32,5% de toda a Infantaria Aliada presente. As brigadas portuguesas estavam, em geral, integradas nas divisões britânicas. Apenas uma brigada actuava independente. Os regimentos estavam presentes com dois batalhões cada e as unidades de Caçadores indicadas constituíam cada uma um único batalhão. Eram as seguintes:
Cavalaria
A Cavalaria portuguesa, 16,8% de toda a cavalaria que Wellington dispunha em Fuentes de Oñoro, estava representada por uma Brigada sob o comando do Coronel Francisco Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, 2º Conde de Barbacena; era constituída 104 sabres do Regimento de Cavalaria 4 e 208 do Regimento de Cavalaria 10.
Artilharia
A Artilharia portuguesa estava representada por quatro baterias (24 bocas de fogo – metade da artilharia disponível) do Regimento de Artilharia 1; estavam presentes 550 homens sob o comando do Capitão Cunha Preto.
As baixas
As forças portuguesas sofreram 48 baixas no dia 3 de Maio - quase todas das companhias ligeiras empenhadas na povoação de Fuentes de Oñoro – e 259 baixas no dia 5 – principalmente de Caçadores 2, 3 e 6 e do Regimento de Infantaria 21. O exército de Wellington sofreu 4,8% de baixas (1.804 homens), e 17% delas eram de tropas portuguesas (307). A percentagem total de baixas pode parecer elevada se comparada com os 2,4% da Batalha do Buçaco mas esteve longe dos 16,7% que viriam a ser registados na Batalha de Albuera.

Bibliografia
Chandler, David G., Dictionary of the Napoleonic Wars, 1979, Macmillan Publishing Co., Inc, New York, 1979.
Fuller, John Frederick Charles, A conduta da guerra (de 1789 aos nossos dias), Biblioteca do Exército - Editora, Rio de Janeiro, 1966.
Glover, Michael, Wellington as Military Commander, 1968, Penguin Books, Classic Military History, England, 2001
Muir, Rory, Tactics and the Experience of Battle in the Age of Napoleon, 1998, Yale University Press, London, 2000.
Oman, Sir Charles Chadwick, A History of the Peninsular War, volume IV, 1911, Greemhill Books, 2004.
Oman, Sir Charles Chadwick, Wellington's Army 1809 - 1814, 1913, Greenhill Books, 2006



Chartrand, René,

Fuentes de Oñoro, 

Wellington's liberation of Portugal
Osprey