É bom que se diga que os famosos “capitães” que têm a fama de terem feito o libertador 25 de Abril de 74, não o fizeram com o altruísmo de libertar a população do jugo ditatorial em que na realidade se encontrava, mas sim o fizeram a pensar nos seus bolsos e, goste-se ou não, apenas por razões salariais...Isto é mentira e uma enorme injustiça. É verdade que, ainda em 1973, as primeiras movimentações dos capitães foram corporativas (não salariais, antes de antiguidade na carreira), mas logo evoluíram, surpreendentemente, para a contestação à guerra colonial, primeiro, e a seguir para a consciência de que esse drama só se resolveria com uma mudança de regime. É por isto que muitos militares, de posto superior e de maior consciência política, desconfiaram inicialmente do movimento mas depois o conduziram com grande apoio de "base". Não é por acaso que inicialmente se falava do "movimento dos capitães" e depois ficou como MFA. No 25 de Abril, saíram à rua oficiais, sargentos e soldados. Do quadro e milicianos, muitos dos quais meus companheiros do movimento associativo. Também a Armada, nada corporativa e muito politizada.
Cito três exemplos de militares do 25 de Abril: Vasco Gonçalves esteve envolvido na revolta da Sé. Varela Gomes esteve preso vários anos pelo golpe de Beja. Melo Antunes foi, entre muito mais, candidato pela CDE nas eleições de 1969, embora a Pide o tivesse vetado.
É certo que houve alguns casos lamentáveis. Para mim, homem de esquerda, fica-me para a vida o desgosto do percurso de Otelo, que condeno inteiramente. Mas também houve ao contrário. Por exemplo, José Bernardo Canto e Castro - por alguma razão era protegido de Salazar! - passou de membro da coordenadora do MFA a militante do ELP e fornecedor de bombas assassinas (lembram-se de que o terrorismo do ELP matou gente, até um bebé?).
O que eles nunca julgaram foi serem “apanhados” pelo povo (e por alguns partidos políticos, mais ou menos organizados) o que acabou por transformar um Golpe de Estado em uma Revolução (desorganizada, mas uma revolução)... Revolução essa que caminhou rapidamente para a anarquia e na prática, de novo para uma nova ditadura, só que agora de outra vertente (para não dizer mesmo de uma outra cor)...A arrogância intelectual de quem julga que a história é desenhada a régua e esquadro. Quem é que hoje rejeita a imensa herança da revolução francesa? e, no entanto, houve Robespierre, o terror, a guilhotina, o processo de Lavoisier. Mas também a revolução francesa teve o seu 25 de Novembro, o 18 Brumaire, Napoleão, o domínio de uma nova oligarquia, a guerra e a miséria levadas a toda a Europa.
É exemplo de liberdade e bem saber governar a maneira como se deu a já devida independência às antigas colónias ultramarinas, levando para a desgraça e miséria milhões de indivíduos lá e cá???!!! Criando uma vaga de Retornados e Refugiados (refugiados sim... porque os nascidos e criados lá são refugiados e não retornados como foram e ainda são chamados), criando o desenraizar e mutilação de populações inteiras...Tinha de vir a descolonização. Não sei se PauloSR teve contacto com as "províncias ultramarinas". Eu tive porque, sendo antifascista, segui a orientação de irmos para a guerra. Foi acertadíssimo. Creio que não teria havido consciencialização dos capitães se não fosse o "brainstorm" que lhes fazíamos entre um poker e um uísque, no meio do mato.
Voltando às colónias, é preciso lembrarmo-nos do que foi o colonialismo português. Franceses e ingleses criaram elites locais, universidades, infra-estruturas, etc. Em Angola e Moçambique, tudo isto era primitivo, nas outras vestigiais. Já alguma vez foi a Luanda? Agora ainda está pior, mas, no meu tempo, era um miolo de cidade desenvolvida só branca, rodeada por um imenso musseque miserável. Fui assistente da universidade, aliás muito tardia. Em uma centena de alunos, não chegavam a meia dúzia os alunos pretos.
Há de facto grandes culpas pela situação actual dos PALOP, que muito me entristece. Mas a culpa não foi da descolonização, foi da colonização. A descolonização foi a possível. Eu pessoalmente, nunca pensei que até corresse tão "bem".
Desrespeitando por completo o esforço e sangue dos que lá morreram e lutaram...Isto é chantagem psicológica. A grande maioria dos nossos mortos, a quem devemos homenagem, morreram sacrificados, por uma causa em que não acreditavam. Como disse, estive no mato, em companhias de fuzileiros. Com algum risco da minha parte, tentava fazer acção política e tinha conversas com muitos marinheiros. Eram raros os que acreditavam no "império". Suspiravam era pelos 24 meses que os aliviariam daquele inferno.
Pois à excepção da Guine os restantes territórios estavam o suficientemente controlados para se dar uma independência em condições para os novos países de África.Outra falácia. Vou falar do que conheço, Angola, mas sabendo que ainda era pior em Moçambique. Fora as cidades, não havia nenhuma zona segura. As principais vias de comunicação, rodoviárias e ferroviárias, estavam sob vigilância permanente. O leste, onde estive, só estava relativamente seguro graças à cumplicidade da Unita com a Pide. Claro que em Luanda se comia lagosta, mas isso era como em Havana, quando Baptista acordou num reveillon com as tropas de Fidel a atirarem sobre o casino.
Aceito, no entanto, que Angola não estava na iminência da tomada de poder pela força principal, o MPLA, aliás a passar por uma crise grave. Mas estava-se num empate. Já era impossível o controlo estratégico pelas forças armadas portuguesas.
E repugna-me e deixa-me revoltado ouvir as desculpas dos intervenientes da altura: “... foi a independência possível...”... Foi a independência possível entregar a minorias DITATORIAIS o controlo e os desígnios de vários povos nos novos países daí nascidos... É isto o exemplo de Liberdade que queriam dar entregando as chefias e governos dos novos países a ditaduras do partido único???Mas, depois de décadas de fascismo de partido único, quem é que habituou esses povos às virtudes da democracia pluripartidária, que, aliás, não têem correspondências aos seus valores civilizacionais?
Revolta-me é o medo que já começa a haver hoje de expor a nossa revolta e as nossas ideias contra as posições de um governo que se aproveitando da sua posição maioritária se comporta de modo “ditatorial”, atacando os direitos dos indivíduos de uma forma mais grotesca do que seria de pensar hoje em dia.Curioso, isto, quando toda a direita escreve na comunicação social com maior facilidade do que a esquerda! E quem é que limitou este escrito de PauloSR? Ninguém pode acusar o PA [nota, JVC - PA é o moderador da lista onde este texto foi publicado] de não ser democrata e, veja bem o que ele escreve, não me parece que seja um democrata nascido no 25 de Novembro.
Ou será que ainda ninguém reparou na estratégia que têm de antes de atacar os direitos de uma classe profissional, atacam-na e desacreditam-na na praça publica e quando a opinião pública está contra ela lá vai “facada”, com todos os outros a bater palmas... O pior é quando esse ataque nos bate à porta, aí revoltamo-nos mas já estão todos os outros contra nós... E as pessoas ficam caladas que nem presas amedrontadas, com medo de que lhes possa acontecer alguma coisa... Isto sim eu já começo a ver como um ataque à nossa tão demorada e conquistada Liberdade... (Ai... Se arrependimento matasse...)Ah, já esperava, os direitos de uma "classe profissional". Eu aprendi a discutir "classes sociais". A sua expressão tresanda a corporativismo. É um problema que me atormenta, ver como essa herança salazarista ainda está tão presente, mesmo que sob formas mais modernas.
Isto já vai longo demais... Por isso digo “LIBERDADE SEMPRE”Também eu digo LIBERDADE SEMPRE, mas, para não falar do 25 de Abril, não a isolo da trilogia "liberté, égalité, fraternité", que hoje poderia actualizar como "liberdade, igualdade de oportunidades, solidariedade social".
Paulo (PauloSR)
P. S. Esta entrada merece uma dedicatória. Vai dedicada, com muita saudade, a um querido amigo, que teve grande influência em mim: Ernesto Melo Antunes. Nunca chegou a general, nunca teve a Torre e Espada, sentiu-se ultrapassdo pela direita no 25 de Novembro, morreu amargurado por nunca ter visto concretrizado o Portugal com que sonhou, muito antes do 25 de Abril, mas um dia a história há-de lhe fazer justiça.