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A IMPORTÂNCIA DO DOMÍNIO DAS LINGUAS LOCAIS NO TRABALHO COMUNITÁRIO
Conta-se que um governante enviado ao planalto central para governar Wambu Kalunga decidiu levar a sua secretária, jovem esbelta e fina no falar e atender. Fineza trabalhava com o chefe havia anos e era tida como "filha do Senhor Governador", encarregada também de resolver determinados assuntos "protocolares, diplomáticos, familiares e particulares". Foi numa dessas "missões especiais e de elevada confiança" que Fineza foi enviada a uma aldeia entre Wambu Kalunga e Kahala para levar uma encomenda a uma diaconisas que era fazedora de opinião na comunidade religiosa, sendo muito prestigiada e respeitada.
O governador, neófito na província, mas com um estilo de governação dialogante e cooperante, procurava aproximação aos líderes comunitários e transmitir-lhes o seu plano de governação.
Chegada ao local, Fineza, com toda a finúria declarou:
- Sua excelência, Senhor Governador, mandou-me entregar essa encomenda e essa carta que contém também um contacto telefónico. A diaconisas que se encontrava em rezas, agradeceu e finalizou com uma interjeição em Umbundu, ca fina! (Que bom!)
Chegada junto do chefe, Fineza, que nunca quis aprender línguas africanas, explicou que havia sido recebida pela "tia Fina" (tcha fina) que ligaria ao governador no final do serviço religioso.
O governador que era nativo percebeu a calinada e pensou em um outro exercício que levasse a sua secretária a descobrir e agregar à sua a beleza a beleza das nossas línguas.
A leste da província estava uma pequena comunidade tucokwe (tutchocue) entre povos ovimbundu que resistia à assimilação progressiva. O governador mandou Fineza levar uma missiva, informando que só ao soba daquela comunidade devia ser entregue.
- Bom dia mamã! - Saudou Fineza.
- Menekenu yaya. Yeswe tuli kanawa. Kuci yena?! (Bom dia irmã. Nós estamos bem. E vós?!). - Respondeu a mulher do soba que entendia português, mas é costume não responder em língua não local (Ucokwe ou Umbundu).
- Gostaria de falar com o soba. - Solicitou Fineza, a secretária do governador.
- Soba kexiko (o soba não está).
Eventualmente, os gestos terão levado Fineza a depreender que o régulo se encontrava ausente, não podendo avançar com a diligência. Porém, mais uma vez, o desconhecimento da língua fê-la transmitir ao chefe que não tinha encontrado o "soba ti Chico" (soba kexiko).
O governante teve de arranjar cursos de línguas africanas faladas na região, sendo hoje Fineza uma jovem cada vez mais fina no tratamento aos mais-velhos que procuram por serviços do Governador.
Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta