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segunda-feira, novembro 30, 2009

A LIAMBA NA HISTÓRIA DOS ANGOLANOS

O Naturalista Frederic Welwitsch escreveu em 1862 que a liamba era usada "desenfreadamente" pelos nativos angolanos, tal como a cola e dizia mesmo que: "quem come cola fica em Angola".

Ouvi em tempos na Rádio Nacional de Angola que um malanjino fora detido pela polícia por posse de  algumas plantas de canabis (liamba) no seu arimbo (lavra) e de ser, ele mesmo, consumidor, em horas esquivas, dos "frutos" desta herbácea.

Não sou daqueles que pactuam com o uso de substâncias entorpecentes, sobretudo, quando o uso da substância se afigure como um mal social. Porém, importa realçar que a liamba nem sempre entorpece. A liamba também cura. E foi por via disso que Estados como a Holanda aprovaram o seu plantio massivo e uso medicinal (apenas para isso). Em minha casa, por exemplo, nos idos tempos do tio-Chico*, ela era usada para curar o galináceo.

Temos liambeiros viciados e que devem ser coibidos. É preciso olhar para as crianças que se drogam, para os vadios que "se liambam". Temos também liambeiros que se anabolizam apenas para melhorar o seu rendimento nos seus afazeres, como contou um conhecido meu que trabalha nas obras de construção civil e o malanjino detido pela polícia.


_ "Eu confirmo sim que fumo liamba e tenho liamba, um bocado só, na minha lavra. Mas eu não faço confusão. Fumo só para me reforçar no trabalho", confessou o detido já próximo da casa dos 50 anos.

Há regiões de Angola onde fumar a liamba numa mutopa é questão tradicional e cultural.
_ Devem ser detidos todos os idosos que fumam liamba nas suas mutopas, no jango dos anciãos? 
_ Devem ou não ser detidos todos os plantadores de liamba?
_ E para fins julgados medicinais quem deve plantar a liamba?

* Os contemporâneos do meu pai tratavam-no por António Chico.

quarta-feira, novembro 25, 2009

AS REVELAÇÕES DO PR

No seu mais recente pronunciamento, enquanto timoneiro do MPLA, o também Presidente da República de Angola terá dito, quando resumido em poucas palavras o seu discurso, duas coisas: Ou que está com poucos homens de confiança para governar o país ou que este país é, com os angolanos, ingovernável.

O Cda. José Eduardo dos Santos disse, e cito, que:
- Como Partido maioritário, Partido do Governo, o MPLA aplicou timidamente o princípio da fiscalização dos actos de gestão do Governo, quer através da Assembleia Nacional, quer pela via do Tribunal de Contas. Esta circunstância foi aproveitada por pessoas irresponsáveis e por gente de má fé para o esbanjamento de recursos e para a prática de actos de gestão ilícitos e mesmo danosos ou fraudulentos. Penso que devíamos assumir uma atitude crítica e auto-crítica em relação à condução da aplicação da política do Partido neste domínio. A transparência dos actos de gestão e a boa governação são uma frente em que ainda há muito trabalho a fazer. O melhor é comprometermo-nos com uma espécie de “Tolerância Zero” depois do VI Congresso (do MPLA aprazado para 10 de Dezembro de 2009);


- No nosso país os preços só sobem, nunca descem, e apesar de várias proclamações de intenções a produção interna aumenta muito lentamente e a oferta de bens é feita com o aumento das importações, que atingem 80 por cento do que precisamos. Como fazer baixar os preços? Como aumentar significativamente a produção interna? Devemos encontrar as respostas certas para estas perguntas. Com a mesma quantidade de dinheiro compramos muito mais produtos no Brasil do que em Angola!


_Respeitar a vontade do povo angolano significa também realizar as eleições presidenciais nos termos desta Constituição, porque este povo exprimiu-se depois do Conselho da República. Além disso, se fizermos coincidir as eleições legislativas com a eleição presidencial vamos poupar muito dinheiro e tempo. Quanto mais cedo a Constituição for aprovada e entrar em vigor melhor!

Anunciadas as "descobertas" do PR resta saber que medidas serão tomadas contra os seus pares e subordinados no Partido, no Parlamento, no Tribunal ( de faz) de Contas e no Governo (que se manterá até 2012). Ficaremos pelos discursos ou o nosso presidente tomará medidas activas contra os prevaricadores? 

sexta-feira, novembro 20, 2009

O FIM DAS AULAS E A ROUBALHEIRA DOS COLÉGIOS


O ano lectivo em Angola vai até à última semana de Novembro, para o ensino primário (classes de passagem), e primeira semana de Dezembro, para as classes de exame do ensino geral.

Numa altura em que se avizinha o Natal, comemorar o dia de família com um mínimo de bens é o que as famílias almejam. E nessa luta uns se esforçam em poupar e outros em amealhar, ainda que de forma fraudulenta. É o que se passa com os colégios de ensino privado de Luanda.

Tenho três filhos que frequentam dois colégios. Com a mensalidade de Novembro saldada na primeira semana, ambos os colégios decidiram notificar-me para pagar a propina do mês de Dezembro até ao dia 15.11.09, sob pena de os meus filhos serem expulsos das instituições que frequentam e vedados aos exames/provas finais.

Embora os alunos que terminem o ano lectivo em Novembro não devessem pagar a propina de Dezembro, para mim não há grande problema em desbloquear a verba solicitada para "contribuir para a festa dos professores" que tb merecem um natal razoável. O "big problem" é mesmo terem de cobrar antes de se "consumir" e ameaçarem expulsar os alunos a partir do dia 15.11.09, mesmo com o mês de Novembro pago e ainda a meio. Há por aqui alguma incongruência que o Ministério de tutela deve resolver. Ou as cobranças anárquicas não lhes chega aos ouvidos?
_ Se não, aqui fica a prova do que muitos "sem voz" reclamam em surdina.

domingo, novembro 15, 2009

QUANDO BOCAS E OBRAS SE CONJUGAM NO FUTEBOL

Há um ano ouvi, através da Rádio Cinco, o governador de Cabinda, Anibal Rocha, a garantir que tudo faria para que a província que governa se fizesse representar em 2010 no convívio dos grandes do nosso futebol, o Girabola.


Dito e certo. Cabinda vê-se representado, no Girabola do ano em que Angola organiza o CAN, com o Sporting e o Futebol Clube de Cabinda que disputou o torneio de repescagem, vulgo liguilha.

Ao contrário de outros políticos da nossa praça, bons em promessas e péssimos nas obras, Anibal Rocha (na foto) olha(va) para o futebol com a mesma atenção que dispensa às infra-estruturas sociais que fizeram inscrever o seu nome no desenvolvimento da província mais a norte do país. Rocha mandou construir e fiscalizou obras para estádios, campos pelados e pavilhões multi-usos. Usando de bons ofícios e encorajamento moral, Rocha fez também com que as equipas de Cabinda apostassem na formação, contratando, para o efeito, técnicos com alguma experiência. E o resultado está aí à vista de todos.

Em cabinda “os carecas podem pentear e os malucos não morrem à fome”, ao contrário de Benguela onde o ex-governador Dumilde Rangel, referindo-se aos apoios que as equipas locais de futebol precisavam para se manter entre as grandes, terá desabafado, à mesma Rádio Cinco, que no seu tempo/governo “não havia pente para carecas nem pão para malucos”. Académica do Lobito e o Primeiro de Maio estão a "vagabundear" no campeonato provincial perdendo a chance de desfrutarem dos enormes investimentos em curso na província que vai acolher uma das séries do CAN 2010. A Huila que tinha uma equipa no Girabola conseguiu mais uma e Cabinda passou de zero para duas.

Luciano Canhanga

quarta-feira, novembro 11, 2009

SIM À INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA: BRASIL ULTRAPASSOU RPC PELA DIREITA?


 Mais um elemento novo na História sobre a independência de Angola. Até agora tudo o que a minha geração sabia era que foi o Brasil o primeiro país a reconhecer a nóvel República Popular de Angola. Pelo menos assim está registado nos documentos oficiais. Porém, em entrevista recente à TV Zimbo (conduzida por Amílcar Xavier), o nacionalista e embaixador Luis Neto Kiambata trouxe à luz uma nova verdade.


Dizia Kiambata  que a luta do MPLA pela independência, proclamada por Agostinho Neto (na foto discursando), presidente deste Movimento, só foi possível graças ao acolhimento desta força política-militar pela RPC- República Popular do Congo ou Congro-Brazza. Disse mais, o sexagenário, que "aquando da independência de Angola quem estava para fazer o primeiro pronunciamento de reconhecimento era o representante da RPC", só que expressar-se na sua língua (francesa) fê-lo perder preciosos instantes que foram oportunamente aproveitados pelo representante do Brasil que disse falar em nome da sua República Federativa.

E o embaixador Kiambata questionava-se na entrevista: "Se o Congo-Braza sempre nos apoiou e tudo fez para que Angola se tornasse independente, tendo inclusive, à data da proclamação da independência enviado um seu Ministro para testemunhar, previsaria aquele país de lutar pela primasia do discurso de reconhecimento"?

E a resposta implícita não podia ser melhor do que esta, a minha: Não precisava! pois só não o fez antes porque não dava para fazê-lo nestas circunstâncias.

E agora que foi "despolectada" esta nova verdade, outra pergunta surge: Por que terá o representante brasileiro em Angola se aboletado da palavra alheia?

Luciano Canhanga

sexta-feira, novembro 06, 2009

ARBITRAGEM = CERIMONIAL?

Começou, em todo o país, a apresentação e debates sobre as três propostas de constituição elaboradas pela Comissão Constituinte da Assembleia Nacional.

Os membros da comissão constituinte, partidos representados no parlamento angolano e as associações cívicas estão empenhados em levar aos públicos os temas principais das três propostas que podem ser lidas aqui: http://www.comissaoconstitucional.ao/ . Na essência, as divergências residem nos tipos de Poderes a atribuir ao Presidente ou na forma de exercício da presidência, plasmados nos Modelos A, C e B, respectivamente, PR=chefe do governo em A e C e PR=árbitro em B.

O outro tema quente da discussão tem a ver com a forma de eleição do Presidente que pode ser pelo sufrágio universal directo (propostas A e B) ou voto indirecto (em proposta C onde o cidadão presidenciável tem de ser cabeça de lista de uma formação política concorrente, devendo, de igual modo, o PR ser do partido da maioria parlamentar, o que levaria a inexistir a possibilidade de litígio entre o governo do Presidente da República e o Parlamento por serem da mesma formação partidária).

Colocados os assuntos na mesa da discussão, uma das grande questões, a meu ver, reside em saber, como e onde depositarão, os cidadãos anónimos, as suas sugestões e se, de facto, elas serão tidas e achas pelos legisladores.

Outra questão tem a ver com a designação que se atribui ao PR no segundo modelo (semi-presidencialismo) em que o eleito para o mais alto cargo da Nação é tido como "Presidente Cerimonial". Será que a arbitragem presidencial e o cerimonial querem, em política angolana, dizer a mesma coisa ou se está perante uma velada insinuação para que os angolanos não optem pelo semi-presidencialismo?

(In)felizmente é a proposta C que o "Magister" quer!

segunda-feira, novembro 02, 2009

O INTERVALO DO PROFESSOR GONCHA

Em Calulo, na escola número três, ao Kassequel, Gonçalves da Silva era professor da primeira classe. Os alunos eram maioritariamente filhos de recuados (deslocados) da comuna de Kissongo e das redondezas, com domínio precário da língua que une o país, o português.

Gonçalves ensinava as ciências e a Língua da Nação. Estávamos no ano de 1988. A guerra apertava dia após dia. Os bens de consumo escasseavam e o lanche para os meninos, dias havia, semanas não, exceptuando-se aos filhos dos camaradas comissários e delegados municipais.

João Kaúia, de seu nome, aparentava oito anos e estava na primeira classe. Tinha um desafio duplo: aprender a língua que não sabia e enquadrar-se no seio dos demais colegas que o desdenhavam devido ao seu cantarolar que se parecia ao chilrear dos passarinhos. Parecia mesmo que imitava os pica-flores e os rabos-de-junco que cercavam a escola, naqueles tempos de voos fracassados do salalé. Porém, Kaúia era mais do que isso. Tinha saudades do amanhecer, das visitas às armadilhas e ratoeiras deixadas nas bermas das lavras e das pescas aos sábados e domingos, dias em que "não havia escola".

Na escola, enquanto se ensaiava nos primeiros termos da língua lusa, passava os recreios a solo ou em companhia de conterrâneos que com ele "kimbundavam" ao intervalo. Recordavam os idos tempos no Kissongo, ainda sem guerra, nem recuas, com fartura de mandioca, carne de caça e peixe no rio Kixikumuna. Kaúia e amigos viajavam, no intervalo, para a era dos bons tempos, do café madrugador da avó Kixibo, do milho assado da tia Kifunde e das brigas de afirmação que deixava os rapazes com a pele enrijecida e cheia de pequenas cicatrizes. Cada sinal no corpo tinha uma história. Eram essas histórias que cobriam o tempo de recreio.

Um dia, daqueles dias de muita ocupação do professor Goncha, em que era preciso passar a "pente fino" os cadernos, Kaúia adiantou-se na apresentação dos deveres ao professor. Era a forma de ganhar tempo para a repetição dos exercícios errados. Os primeiros a entregar os cadernos eram sempre os primeiros a recebê-los. Era já hora de recreio. Ao regressar à carteira, Kaúia enfia a mão debaixo da mesa e, debalde, nota que o seu farnel, um pedaço de bombó com ginguba, já lá não estavam. Os colegas tinham todos abandonado a sala e alguém se tinha aboletado do seu farnel.

Kaúia, banhado em lágrimas, queria explicar, mas palavras não tinha. O seu raciocínio era em Kimbundu que  traduzia para o "pretuguês" em que engatinhava. Pensou explanar na língua que dominava, mas era proibida naquele recinto oficial. A língua da sua gente era apenas para o intervalo com os amigos da buala e na informalidade da aldeia da Banza de Calulo. Aflito, quase a fazer-se em pedaços, Kaúia encostou a metros da secretária do professor que, de óculos inclinados para os cadernos, simplesmente não ligava ao que se passava ao seu redor.
_ Camá pressor! chamava Kaúia.
_ Diga! Respondia o mestre.
_ Camá pressor,
_  Diga!
_ Camá pressor,
_ Diga!

À medida que o tempo passava, Kaúia mais se chateava da desatenção que lhe era brindada pelo mestre. O professor, por sua vez, julgando serem daquelas queixas miúdas, próprias dos alunos primários em tempo de intervalo, redobrava a atenção à correcção dos exercícios, até que o aluno reclamou:

- Oh! io uamba hanji digó-digó, mbomba iama anhana!*
* o mesmo que: oh! estás aí a dizer, diga, diga, o meu bombó foi roubado!


Luciano Canhanga