tenho milhões de anos
milhões de máscarasque se sobrepõem
se (des)encontram
e batalham
a máscara branca
a máscara lésbica
a máscara mulher
a máscara andrógina
a máscara assalariada
nessa fantasia-costume
minhas dores se entrelaçam
meus lugares se confundem
se fundem
e se caçam
ao mesmo tempo que enfrento
a injustiça atroz
quando denuncio a sociedade machista
dentro
luto contra a existência
de um possível resquício racista
e algoz
[às vezes me calo com receio
de estar silenciando uma divergente voz]
enquanto sofro preconceito
pela minha sexualidade
minha classe atravessa a rua
ao ver alguém “suspeito”
à luz do dia
e meus conhecidos consomem vítimas nuas
em sites de pornografia
será que os demais também carregam essa culpa?
será que são conscientes de suas máscaras?
parece mais fácil existir
sem o peso da história sobre os ombros
sem reviver os escombros
do mal que fizemos à humanidade.
saber que existe mais
é quase-liberdade
quem roubou o ouro
quem colonizou o outro
ciente de sua posição
de sempre estar um passo à frente
entende
que a máscara lésbica
sofre homofobia
entretanto, a máscara branca
alcançou escolaridade
conseguiu um diploma
e um pouco de espaço na Academia
que a máscara mulher
carrega um diploma menos valorizado
que o diploma de um homem
[mesmo curso
diferentes percursos
ao longo da graduação]
e que a máscara andrógina
não performa a devida feminilidade esperada
ainda assim tem menos dedos apontados para si
do que qualquer travesti
e graças à máscara assalariada
tem estabilidade para vestir
o que preferir
sem medo de demissão
caem as máscaras adiante
ora dominada
ora dominante
cai a máscara duradoura
ora oprimida
ora opressora
que fique aberto o ferimento;
talvez as máscaras não estejam em guerra
e sim em um processo
de reconhecimento
sobre a desigualdade de acesso
de reconhecimento
sobre a desigualdade de acesso
onde tudo isso está em jogo...
o começo de uma nova era:
o caminho para cessar-fogo.