Certa vez li em algum lugar que todos temos uma galáxia dentro de nós. Concordo. Entendo que somos um universo individual habitando um universo coletivo. E estamos, de alguma forma, interligados. Eu sempre quis compreender o universo dos outros.
Eu olho a senhora carregando sacolas com as compras do supermercado e fico imaginando se é viúva, ou se perdeu algum neto para as drogas. Vejo o moço de olhar melancólico e me pergunto quantos corações ele já partiu e se o coração dele já foi partido alguma vez. Acho que quando se quebra o coração de alguém, é como se também quebrasse a alma dessa pessoa, um reflexo de cristal que ao cair ao chão, se espatifa então. O erro do moço foi o mesmo erro meu. Entregar o cristal para alguém cuidar. No fim, sobram alguns cacos para juntarmos e tentarmos nos reerguer. Entretanto, enquanto outras mãos segurarem tal frágil pedaço remendado, sempre faltarão certas partes. Hoje o moço e eu somos cacos mínimos, pequenos demais para novamente serem jogados no azulejo. Um dia não existirão mais cacos, apenas partículas invisíveis ao olho nu.
Do pó ao pó, em cacos de vidro.
Ainda percorro todo o cenário. O homem de paletó... Será que é casado? É sim, tem uma aliança. Será que é feliz com a profissão que escolheu? Não sei, paletó não parece ser muito confortável, meu pai não suporta usar. Isso me fez lembrar o quanto eu gostaria de ter uma gravata borboleta. Meu sonho de consumo.
Nesse fenômeno de ver o ser humano como uma Via Láctea fragmentada, recordo do cigano que me contou sobre Órion e me apelidou de "Azulada". Azul, minha cor favorita. Todos somos constelações despedaçadas e, quando amamos, somos o espelho do céu nas águas. Inundação, enchente de estrelas cadentes na Terra. Por isso que o Amor transborda, pela infinitude de nossas imensidões destruídas.
Outro dia Ela me deu uma estrela. Foi o melhor presente que já ganhei.
- Vê aquele pontinho brilhante ali?
- Sim.
- Se prestar atenção, vai ver que na verdade são duas, bem próximas uma da outra. Eu vou dar uma delas pra você, acho que não poderia escolher alguém melhor.
Eu agradeci. Perdi a conta de quantas vezes disse "obrigada". Dividir universos, unir versos em uma noite preenchida com a timidez da lua. Ela continuou dissertando sobre o cosmos.
- Sabia que muitas estrelas que estamos vendo hoje não existem mais?
- Não! Como assim?
- Algumas já morreram.
Fiquei impactada com essa informação. Depois fui ler a respeito. O que vemos é o passado de oito mil anos atrás. Então todo esse lábaro é uma fotografia anos-luz distante? Apenas um espectro? Que notícia fantasmagórica. Descobri que não, elas existem, e o que enxergamos são estrelas de diferentes épocas. Mas no fim, se fosse verdade, faria sentido, pois a vida é assim: só o que resta de bonito para olhar com devoção são meras lembranças. E o que sobra é o fato de sermos pó. Sejam cacos de vidro. Pó de estrela. Cinzas.
O corpo, portanto, é esse invólucro que nos afasta da eternidade, transformando-nos em matéria. Galáxia engarrafada.
Mais que neblina, nebulosa. Eu tenho medo de explodir. Seria uma chuva, não morte. Quem sabe esse sim fosse meu real e memorável nascimento: nada fúnebre. Sideral.
Se um dia isso acontecer, continuarei existindo. Sendo assim, sem cápsula nenhuma, o que sempre fui.
Caos.