Não há nada mais no universo que seja tão estimulante quanto ouvir de um poeta, ainda mais daquele poeta: “Você é o poema encarnado de Berilo Wanderley”. Com meu vestidinho vermelho, no início dos anos 60, inaugurava-se uma história de amizade, ternura, admiração e cumplicidade, que nos acompanhou até a última noite do poeta, em 1992.
No silêncio do
salão vazio da Academia de Letras,a noite inteira ficamos só nós dois.
Emocionada, entre lágrimas e sorrisos, fazia uma retrospectiva daquela nossa
vivência e homenageava os nossos Berilo, Sanderson, Luís Carlos, Dorian Gray,
Zila, Mirian, Celso e outros poetas do nosso bem querer. Como diria
Borges: “ Um tempo, porque, se o futuro e o passado são infinitos, não haverá
um quando”.
Nas minhas lembranças, imagens, fragmentos dos nossos
encontros, às vezes nos bares da cidade ou nas sessões do cinema de
arte. E, sempre, a interpretação de Newton
era ainda mais poética e verdadeira do que as próprias imagens
da nouvelle vague e seus
diretores famosos.
A beleza estava que em cada coisa que ele destinava a compor,
seja num poema, seja num texto, por mais simples que fosse, em tudo estava o orador ou o dramaturgo
ou o pintor a espalhar beleza por onde passava.
Ainda fomos vizinhos no Jardim Nova Dimensão, pequeno
universo de poetas, pintores e maravilhosos boêmios. E além de Newton, éramos
vizinhos de Sanderson Negreiros,
Leopoldo Nelson, Ticiano Duarte, Diva e Djair, Rubens Lemos, João
Gualberto, João Meira Lima. Daí a facilidade das minhas andanças pela casa do
poeta, tardes e tardes conversando com Dona Celina, mãe de Newton. O assunto
era sempre o mesmo: as graças do filho querido que começou a desenhar aos três
anos de idade e aos oito anos já parecia ter a visão exata da firmeza do pintor a que
estava destinado ser. Nas entrelinhas se multiplicava a ternura de uma mãe
apaixonada, às vezes resmungando alguma má-criação do filho,que mal escondia
a doçura de fã numero um do filho famoso.
O poeta avesso às imposições de regras e dados reais
encontrou uma companheira que mudou o sentido da sua vida : Salete, seu anjo da
guarda, era só admiração e ternura. Com ela, ele descobriu a lei do amor na sua
própria liberdade. Livre e sem amarras, o amor de Salete por Newton, não parecia
com o amor dos mortais e sim com o amor de Deus. Nem a morte conseguiu apagar a
chama desse amor maior, que continuou no dia-a-dia de Salete, através de uma
rosa vermelha sobre a mesa de trabalho,
as sandálias embaixo da cadeira expostas com carinho como se aguardasse seu
dono, a emoção estampada no rosto, quando na homenagem da ponte Newton
Navarro... Mistérios do amor que acompanhou Salete até seus últimos instantes.
E, sempre que olho a ponte iluminando o horizonte distante, penso que agora, sim o poeta reencontrou seu anjo.
E, sempre que olho a ponte iluminando o horizonte distante, penso que agora, sim o poeta reencontrou seu anjo.