Nei leandro de castro [ Escritor ] Bar, doce bar, dócil lar, refúgio dos corações em fase aguda de paixão, nau de todos os marinheiros desgarrados, único túmulo digno de um almirante batavo, quatro paredes protegendo o delírio, lírio que cresce em estufa alimentada a álcool, vapores do sonho impossível, nuvens azuis dos licores, voz solidária, jamais solitária, a lucidez molhada dos seus habitantes, os bêbados de todas as bebidas, a presença da mulher que ilumina a noite como um castiçal de prata, a liberdade súbita do tímido que não sabe o que fazer com as mãos e com a emoção, a tristeza redonda do adolescente bebendo o seu primeiro quinado, reinado de nada onde ninguém é vassalo, bar, doce embalo. Bar, história, tribuna ocupada trezentos e sessenta e cinco dias ao ano por Albmar Marinho, que impetrava mandado de segurança contra os desmandos da noite, contra a tristeza paquidérmica dos elefantes do circo, contra os soluços do coração, contra as mortes prematuras. Bar, território livre, campo sem guerra ou armistícios, belos vícios, malícia de mulher que arremessa o dardo de um olhar, cupido tramando encontros e desencontros para depois de amanhã, balcão veneziano onde amores adolescentes se suicidam de prazer. Bar, águas de mar, águas de março a março, mormaço. O bar e sua legião de antiguerreiros. A História jamais registrou o ataque de um exército de bêbados contra um país vizinho. Os que amam o bar só disputam a conta da mesa e suas armas mais ofensivas são os palitos do jogo da porrinha. Bar eleito, lugar de cismas, carisma, de que matéria é feito um bar? Não bastam um balcão, bebidas e comidas. Todo bar terno e eterno tem algo imponderável, a onipresença de Baco, Dioniso e Afrodite, que é a Débora Secco do passado distante. No bar eleito, por mais simples que seja o ambiente, a gente respira uma atmosfera antiga, sente o aroma de um vinho servido no Olimpo. Um bar eleito: o Lamas de muitas madrugadas, principalmente o velho Lamas do Largo do Machado, em cuja atmosfera de fumaça era possível sentir a presença de velhos fantasmas: Lima Barreto em delirium tremens, Rui Barbosa bebendo xarope de groselha, Olavo Bilac pedindo cerveja em versos alexandrinos, Machado de Assis passando ao largo, o adolescente Castro Alves morrendo de amores por uma atriz portuguesa, querendo beber cicuta. Outro bar eleito: o velho Granada Bar, de Nemesio Morquecho Marina. Um corredor estreito que conduzia a um salão sob árvores, íntimo como uma praça, como diria Garcia Lorca. Em certas noites, com saudade de sua Andaluzia, Don Nemesio abria garrafas de vinho espanhol, fechava as portas aos intrusos e bebia em grandes goles, depois de que passava a recitar coplas andaluzas, aplaudido de pé pelo sempre presente Berilo Wanderley. Ah, meu querido Berilo! Se a eternidade existe, com certeza você já descobriu por lá um barzinho discreto, tranqüilo, onde o tempo se arrasta. Um bar com entrada proibida a chatos, arrogantes e maus poetas. Bares da minha vida. Bar, doce lar, fuga, som baixo, contrabaixo, Chopin, chopinho, fuga de Bach. |
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Fuga de bar
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Desconstruindo Maria Emilia
Por ser extremamente pessoal, eu não posso tomar para mim a beleza poética do texto. O efeito da beleza é recriada na emoção de cada um que reler:
Por Jarbas Martins
um olho seu, brilhante como o de palas athena, se fez naquela exata hora ausente.como a beleza ideal de toda mulher.como suportar a beleza de um anjo, rilke? era feito de sutilezas e cambiantes tonalidades para o possível desespero dos plânctons.um olho seu certamente não estava ali.fundira-se com nuvens ou gritos de gaivotas.sua voz, à três metros de distância, de onde se encontrava, desafiava um coro celestial.sua beleza tridimensional não a encontrou um cubista.porque não descobrir,enquanto falava, a suavidade do movimento de um braço? que o outro, tão distante se fazia, e ideal, e perfeito, como os da vitória de samotrácia que jamais conheceremos. era com outros seres, não comigo, que falava.silencioso e em êxtase como os cegos lia, em braille, sua beleza seqüestrada por deus, num parque imensamente.
sábado, 17 de setembro de 2011
Sonho de consumo
Meu sonho de consumo é ser produtora de um longa metragem. O roteiro seria verdadeiros retalhos de sucessão de imagens dos filmes que continuam na minha emoção:
- A morte de Cidadão Kane – a seqüência da janela se fechando como pálpebras, numa riqueza de detalhes, só luz e movimento, mostrando a solidão do morto.
- O simbolismo da Amizade e da Esperança em Zorba, O Grego e a beleza poética de Madame Hortense (Lila Kedrova).
- A dor da solidão de Cabíria , perdendo todas as ilusões do mundo, com aquela lágrima de palhaço estampada na face.
- Gene Kelly, a própria visão do amor, dançando na chuva nas claras poças d’água da rua.
- O Grande Ditador, o show completo de Chaplin fazendo a barba de um homem numa linda coreografia da Dança Húngara n. 5 de Brahms.
- A ternura dos menininhos do clássico Brinquedo Proibido e o final feliz de French Cancan.
E o fundo musical, seria de Nino Rota.
Ah, Como eu gostaria de saber quais “retalhos” Mario Ivo escolheria para compor o seu filme, e também Jarbas Martins, Bené Chaves, meu cineasta Moacy Cirne e meu poeta Paulinho de Tarso Correia de Melo!
Vou ficar esperando por aqui...
sábado, 10 de setembro de 2011
A Bela e a Fera
A fera, o mais puro sedutor da historia do cinema. Um monstro atormentado, e muito mais além da dor, o amor.
“Seu olhar está como fogo, não me olhe assim”, e completou, “Tem homens que a feiúra é por dentro” – parece desculpas!
Mesmo parecendo que tudo seria impossível, a força do amor venceu a toda uma estética. E devagarzinho, foi ganhando espaço: encontros na hora do jantar, passeios no jardim, a elegância da valsa dançada no salão aberto do castelo, a ternura de Belle oferecendo água na palma das mãos, as lágrimas desmanchadas em brilhantes...
O amor foi mais longe, no mais secreto, num mundo que começou a existir por causa da existência do outro.
Jean Cocteau, criador desse belo surreal da historia do cinema, só pecou quando transformou a fera em príncipe encantado. O vôo nupcial do fim deveria ser cortado.
domingo, 4 de setembro de 2011
Recadinho
Ha pessoas que nos trazem felicidade, sabedoria e nos mostra o sentido da vida, é assim o meu poeta Sanderson Negreiros. Por um instante, enquanto conversava com outras pessoas, ele passa por mim e me entrega este bilhete. Tem razão Cecilia Meireles: "A arte de amar é a mesma de ser poeta".
O doce de jaca
O doce de jaca
O ideal do casamento é o sonho que tudo dê certo, onde na verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade. Não seria um doce de jaca que iria denegrir este sonho. Era uma jaca, como tantas outras, mas, presente de um neo-marido, pedindo carinhosamente para fazer um doce, então a coisa muda. Sorri compreensiva e fiz o possível para garantir que o faria sim. Um dado momento pensei que seria mais prudente esquecer a jaca e sair com o destino certo de comprar um doce em lata, já prontinho, feita com a perfeição da marca “peixe” ou “cica”. Depois o coloquei num depósito bonito, parecendo cristal, presente de casamento de uma tia. O doce surpreendeu: “muito melhor do que o doce da minha mãe, que se diz mestra em fazer doce!”. Quando não se dá conta da coisa, o melhor é ficar em silêncio. Mas os elogios ao doce chegaram aos ouvidos da minha sogra. E foi aí que a coisa desencadeou...
Dias depois, chega Chiquinha, criada da casa desde meninota: - “minha madrinha quer falar com a senhora agora!” Saí de imediato e quando cheguei, encontrei uma “cerimônia organizada”: uma panela de barro, as criadas em prontidão e a sogra! Ela, com a testa franzida e um olhar de descrença, usava um avental branco arrematado com renda de bilro, uma das mãos na cintura e a outra segurando um facão, e mostrou-me uma enorme jaca ali em cima da mesa, me aguardando para preparar o doce.
Fiz o possível para manter a calma. Cortei e arrumei os gomos na panela, coloquei água e açúcar. Logo começou a ferver e espumar. Para aliviar a espuma, ia colocando mais água. “E os caroços?” Ai meu Deus! Esqueci que jaca tem caroço! Queimando as mãos, numa sofreguidão desesperada, tirei um por um dos caroços. Quando ouvi um verdadeiro grito de guerra :“Menina, você já fez doce de jaca na sua vida?” E não me dando oportunidade de explicar aquela confusão, que às vezes os infortúnios têm suas vantagens.
Quando Berilo chegou, foi pior ainda: “– Sua mulher sabe lá fazer doce! Ela lhe enganou!” Ele olhou pra ela, coçou a cabeça, e com ar gaiato respondeu: “- Bom basta!” . Por um instante Dr.Rômulo foi chegando e deu um sentido novo à questão, me premiando com esse gesto de ternura: “- Todas as mulheres deveriam aprender a fazer doce com Maria Emilia”.
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