Entrevista coletiva, aquele clima, microfones, burburinho e o técnico entra em cena. Senhor supremo do destino de milhões de brasileiros, traz a esperada lista em mãos.
Flashes disparam numa tagarelice de luz, metralhando de todos os lados.
Ele já entra olhando para baixo com aquele mau-humor de quem de fato será esquecido com o tempo, é coadjuvante, menos que o craque e, sinceramente, está mais ali para atrapalhar do que ajudar. Praticamente para torcer de um ponto privilegiado.
Sabe que aqueles 23 que convocou não vão agradar a todos. Nem em casa agradou.
- Você vai levar este sujeito em vez daquele outro? Tu não entende nada de futebol mesmo hein? Se não trouxer esta a Copa, nem precisa voltar pra casa! – Foi assim que sua mulher, mulher de 27 anos de casamento, o acordou pela manhã.
Equilibra em suas costas este peso, que só sua vaidade deixa mais leve. Senta a frente dos microfones e vai dizendo a lista em tom monocórdio, como se fosse um último pedido de um condenado.
Tudo dentro do previsto, alguns repórteres repetem os nomes como numa missa, um pequeno frenesi, o grupo já fechado há tempos, nenhuma novidade, afinal, apenas uma mê para Copa até que chega o último nome...
- E o Pompeu.
Silêncio de corrida de pênalti no local. Ele levanta, sorri e se retira.
O que começou com um cochicho vira um burburinho e em pouco tempo uma algazarra. Os jornalistas falam ao mesmo tempo, uma babel de Smartfones cuspindo a novidade.
Afinal: quem era Pompeu?
Todos os sites, colunistas, especialistas e Marias Chuteiras se perguntavam o mesmo.
Quando o telão mostrou a foto de Pompeu, em seus 50 anos, cabelos começando o grisalho, ele em casa foi acordado pelo telefonema.
- Pai, o que o senhor esta fazendo na seleção? – Dizia o filho mais velho gritando do outro lado do aparelho. – Liga a TV!
Pompeu acordou e meio sonado, ligou o televisor... Não, a tela plana, quase zero, comprada em prestações até a outra Copa. Ele sempre se atrapalhava com aqueles controles. E o óculos, que ainda estava se acostumando a usar...
A mulher entrou na sala vinda da casa da vizinha. Coração na boca.
- Pompeu de Deus, que negócio é esse? - Ela sabia que ele escondia algo. Ninguém era tão pacato assim. Mas ela esperava uma mulher, um outro filho, essas coisas normais de uma vida a dois.
- Ah, só pode ser pegadinha. Coisa do Tavares. – Vaticinou Pompeu.
Não, não era. Tavares também foi pego de surpresa, lá no Méier. E ficou puto de nunca ter pensado em tal sacanagem.
Logo a imprensa especializada cercava a casa de Pompeu. Um dois quartos quase quitado, coisa de mais uns dez anos e tudo se resolvia, tinha acabado de virar ponto de agito do bairro.
O telefone não parava. Pompeu tentava explicar, justificar, apontar caminhos.
Mas simplesmente não sabia.
O técnico justificou a escolha como tática e ponto. Precisava do Pompeu.
- Mas já viu ele jogar?
- Muitas vezes. Eu e meus auxiliares... Ele joga no clube do desportivo toda quarta e sábado. Observamos, analisamos e vimos que ele é o cara.
Aquela peladinha era de lei. Mas tinha diminuído a frequência. O joelho cobrava descanso.
Pedido de entrevistas, coletivas e até um convite para um ensaio sensual. Não, aquilo não era sério.
Ele sonhou garoto em ir a Copa, adolescente até, foi destaque do juniores do Olaria mas o emprego no Banco do Brasil mostrou-se um grande investimento. A Copa não era coisa mais pra ele não.
Pompeu decidiu apenas ignorar tudo e todos e levar sua vida como se nada daquilo tivesse acontecido.
Ilusão que não durou a sua primeira ida a padaria.
Um link ao vivo entrou no principal jornal da maior emissora de TV, com direito a narração:
- Vai Pompeu, entra livre pela esquerda, passa por um, dribla a velhinha, chega sem marcação e pede três pãezinhos...
Um repórter surge na frente de Pompeu, luz e câmera.
- Pompeu, diz pra gente como é a emoção de comprar este pãozinho? O primeiro pãozinho depois da convocação!
Pompeu saiu correndo para casa, driblando fãs, jornalistas e até empresários ávidos por seu talento.
Em outro canal especializado o mediador do debate esportivo pedia a opinião do craque de outrora.
- Pompeu está em forma, não é mesmo?
- Comprar pão, receber troco e se lançar para casa é coisa de quem conhece. E viu o pique que ele deu fugindo dos repórteres? Aquilo é coisa de ponta esquerda, dos que vão a linha de fundo para cruzar... – Completou o ex-ídolo. Outro comentarista, sem a menor intimidade com a pelota mas grande teórico – existem muitos – começou uma crônica de improviso.
- Qual Epaminondas, grande half-center de 1953, Pompeu traçou uma trajetória mágica pelo estabelecimento, e este pão, besuntado da manteiga dos craques, mostra o tempero, a manemolência, e entrará para história como um momento mágico para os panteões do esporte bretão. – Teve gente no estúdio que chorou.
Pompeu entra em casa e bate a porta empurrando o povo que se aglomera para fora. A mulher da cozinha grita.
- O moço da Inter de Milão ligou de novo e dobrou a proposta. Deixou o número e disse que pode ligar a cobrar!
Pompeuzinho, o filho mais novo, entrou pela porta da frente, abraçado a ele, a nora assustada e arrastado pela mão, o neto chorando.
- Pelo amor de Deus pai, nossa vida virou um inferno! Tão maltratando seu neto na escola!
- Tão chamando o senhor de traidor da patriáááááá – o final da frase do menino emendou com o choro.
Aquilo tinha que cessar. Pompeu caminha até a porta e abre num gesto corajoso.
- Tá bom, tá bom, diz lá pra quem tem que dizer que eu vou pra tal de Copa do Mundo!
O povo vibrou. Pompeu saiu carregado pela multidão. Como todo craque deveria ser.
Uma semana depois já estava com o grupo.
Por ser mais velho, logo assumiu a liderança da equipe. Muitos buscavam nele um conselho, um toque, uma palavra amiga.
Pompeu com seu jeito paternal explicava as coisas da vida. Mandou um ajeitar o cabelo, aconselhou o outro assegurar a birita, pelo menos aquele mês, e convenceu o jovem talento a não trocar a Europa pela China.
- Vai sumir por lá...
Num piscar de olhos a Copa começou. Pompeu ganhou sua posição nos treinos. Dava mais toque ao time e formou com mais três boleiros o que foi chamado de losângulo fascinante.
Na primeira fase foram goleadas que entrariam pra história das Copas. Na segunda, um jogo duro contra a Holanda e nada mais. Passar pela Argentina foi fácil. Pompeu fez dois. Maradona reconheceu que talvez Pompeu fosse seu sucessor. Os dois acima de Pelé é claro.
Na final Pompeu era dúvida. Os joelhos, sempre eles, não ajudavam.
Não dava pra jogar os noventa minutos.
Jogo complicado, o narrador perguntava se Pompeu não havia amarelado.
Perdendo por um gol a seleção foi para o intervalo. O técnico se aproximou de Pompeu que num canto solitário acaricia o joelho como quem busca um carinho de volta. O técnico olho Pompeu no fundo dos olhos.
- Sabe porque o convoquei?
O técnico murmurou algo no ouvido de Pompeu que sorriu.
Na volta ao campo Pompeu estava lá. Logo no início lançou o centro-avante que fez o primeiro.
Com uma bela cobrança de falta Pompeu virou o jogo e aos quarenta e três minutos fechou o caixão com um belo sem pulo do meio da rua.
Foram semanas de festas. Pompeu sumiu da família por quase uma semana. A mulher nunca tocou no assunto.
Entrevistas, fotos, encontro com presidente, festas de jogadores e Marias Chuteiras até que Pompeu cansou.
Chegou em casa lá pras tantas da madrugada e a esposa avisou em meio ao sono.
- Tem bolo de carne na geladeira.
- Tô sem fome.
Pompeu sentou em frente a TV e ali ficou vendo resenhas e reprises durante dias.
O que o treinador falou para ele antes da decisão ninguém nunca soube.
Pompeu abriu uma de suas malas e de lá tirou a Taça. Ela mesmo. Pompeu pegou e ninguém notou que ele havia levado com ele. Depois devolvia, queria ficar só um tempinho a sós com ela.
Com o caneco na mão, uma cerveja na outra e um sorriso bobo no rosto, Pompeu, esperava resignado achando que poderia acordar a qualquer minuto.
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