Existe Vida após a Morte.
Eu na Praça Mauá, Dia de Finados, por volta de 3 e pouca da manhã. O que Eu fazia por lá? Não vem ao caso. Só sei o que o relato que você vai ler, espero, agora aconteceu de fato. A Boite estava vazia. Algumas prostitutas dançavam como zumbis na pista, em meio as luzinhas que refletiam do globo de prata pendurado no teto. Zumbi´s in The Sky of diamonds, escreveria Lennon. Enquanto via o rebolado de uma velha gorda de short de lycra ínfimo, pensava na morte da bezerra bebericando um autêntico 12 anos falsificado. Eu e meu fígado havíamos brigado faz tempo.
(MORTE)
- Pediu um doze anos aqui? De matar, hein?
E lá estava ela na minha frente, manta preta, capuz, foice e sem um rosto definido. A morte em carne e osso. Não tive nem como encará-la. Fiquei pensando “Chegou minha hora.” E esperando aquele filminho com toda nossa vida passar em minha frente, ou uma luz brilhante, ou ver São Pedro me perguntando o nome. Nada.
(MORTE)
- Não, não é sua hora. Fica tranqüilo...
“Será que ela consegue ler pensamentos?” – Pensei.
(MORTE)
- Sim, consigo.
(EU)
- Nossa, isso é tão invasivo!
(MORTE)
- Ok, ok, eu paro.
“Será que devo acreditar na morte?” Me indaguei.
(MORTE)
- Claro amigo. É a única certeza da vida...
(EU)
- Porra! Você falou que ia parar!
(MORTE)
- Juro que parei! – Disse gargalhando. – Se eu não parar quero que um raio caia na minha cabeça e me... Mate! – Riu até ficar vermelha. Não sei como sei, mas ela ficou vermelha.
(EU)
- Se você não veio me buscar, o que é isso? Quer me matar de susto?!
(MORTE)
- Não, ainda não. E nem é de susto que você vai morrer.
Apesar de seu rosto não ter olhos nem boca, ela me olhou de canto de olho, com um sorriso maroto.
Mesmo curioso, nem quis saber do dia, hora e local. Afinal, quem morre são os outros. E a gente só fica sabendo das notícias.
A Morte pediu um Campari e uma porção de queijo provolone.
(GARÇOM)
- Não tem, só tem queijo prato!
(MORTE)
- Traz prato mesmo... Não, faz o seguinte: manda ver nos acepipes! Um monte que a fome é negra!
Antes do garçom ir embora não resisti.
(EU)
- Amigo, você não fica impressionado de ver a Morte assim na sua frente?
(GARÇOM)
- A gente vê de tudo aqui na Praça Mauá... Fico mais impressionado de você conseguir tomar esse 12 anos. Mais alguma coisa?
Abanei a cabeça negativamente enquanto empurrava meu copo para longe de mim.
Resolvi acompanhar a Morte nos Camparis. Quatro doses e petiscos depois, a morte já sacudia o esqueleto pelo salão, bolinando as putas e fazendo o lugar mais animado. Ela me olhou da pista de dança e veio em minha direção rodopiando a foice.
(MORTE)
- Que cara mais desanimada é essa amigão, alguém... morreu?
Ela ficou me encarando por um segundo e depois caiu na gargalhada. Tive que rir junto.
(EU)
- Realmente não sei como consegue.
(MORTE)
- Consigo o que? – Ela não parava de dançar. Os ossos rangiam alto.
(EU)
- Com este seu carma, função... Sei lá, trabalho... Era pra você ser um pouco mais... Digamos... Reservada? Talvez?
(MORTE)
- Tem que pensar assim rapaz: a vida é curta! – Mais uma gargalhada. Eu tomei mais um gole daquele Campari sinistro pensando: "O que não nos mata..."
(MORTE)
- Nos fortalece! Este é o clima! Este é o clima!
Foi quando começou a tocar o Zeca:
“Deixa a vida me levar...”
(MORTE)
- Vida leva eu! Adoro esta música! – Completou a Morte me puxando pelo braço para pista de dança. E lá fui eu, sambando com a Morte, afinal, sua euforia, sua felicidade e sua vontade de viver eram contagiantes. Logo uma meia dúzia de putas velhas balançavam pelo salão com a gente. Cada um de nós tirava uma das moças pelos braços e bailávamos como se não houvesse amanhã. Depois veio a Macarena, o Créu e por último algumas canções do Waldick. De repente alguém sugeriu um Karaokê, e todos tiveram sua vez ao microfone. Eu cantei alguma coisa do Raul, enquanto a Morte fazia air guitar com sua foice. Mas a última coisa que me lembro é daquela figura de preto, com o olhar perdido no horizonte, cantando É Doce Morrer no Mar, imitando o Caymi a perfeição. Tenho que confessar que me levou as lágrimas.
A Morte me abraçou carinhosamente.
(MORTE)
- Ô rapaz, que isso?! A vida é bela!
(EU)
- É que esta música me mata...
(MORTE)
- Não é disso que você vai não meu filho... Pode ficar despreocupado.
Ela então sorriu, ou acho que sorriu, ou acho que a vi sorrindo. Tudo então é confuso.
Lembro do apito do Navio, do Cais do porto, do banco de praça e das pessoas chegando para trabalhar na Praça Mauá. Acordei.
Da Morte, apenas um bilhete em meu bolso:
“Quando você menos esperar, a gente se esbarra!”. Não agüentei e tive que rir.
No final das contas é o de sempre. A morte é muito engraçada.