Duelo nos Mares
Para comemorar os 200 anos da batalha naval de Trafalgar, decorrerá uma exposição histórica com abertura prevista para o próximo Verão intitulada Nelson & Napoléon, patente ao público entre 7 de Julho e 13 de Novembro no National Maritime Museum, em Greenwich.Travada ao largo do Cabo de Trafalgar (Andaluzia) a 21 de Outubro de 1805, esta foi a última grande batalha naval de navios à vela, marcando o fim das pretensões marítimas da França napoleónica. A Royal Navy de Lord Nelson derrotou a armada conjunta franco-espanhola liderada pelo Vice Almirante Charles de Villeneuve, mas acabaria mortalmente ferido pelo disparo de um atirador inimigo. Uma manobra táctica fulgurante que pode ser seguida em animação, aqui.
Joseph M. William Turner, Trafalgar, 1824 (National Maritime Museum, Greenwich) |
O evento foi reconstituído pelo célebre pintor romântico Turner numa tela encomendada pelo rei Jorge IV de Inglaterra. Curiosamente, o artista foi criticado quando da primeira exposição do quadro no palácio de Saint James. Turner viu-se na obrigação de retocar a sua obra corrigindo elementos náuticos como a mastreação e o complexo cordame.
Mais informações sobre os quadros e estudos de Turner podem ser obtidos na Tate Gallery de Londres.
Depois de uma luta de 2 horas contra o HMS Victory, o Redoutable sucumbe ao ataque do HMS Temerarious. Auguste Mayer, 1836 (Musée de la Marine, Paris) |
Denis Dighton, The Fall of Nelson, 1825 (National Maritime Museum, Greenwich) |
Os franceses também comemoraram a face marítima do efémero império napoleónico, num evento menos divulgado do Musée de la Marine em Paris, mas com um catálogo interessante e uma exposição virtual sobre o sonho do império marítimo gaulês. A clicar.
Navios e Canhões
Últimos grandes navios de guerra movidos a vela, os navios de linha da era napoleónica desafiavam os inimigos e os mares encerrando na sua estrutura uma estética imponente feita de robustos cascos a partir de milhares de carvalhos das florestas nórdicas, unidos por toneladas de pregadura de cobre e ferro e complementados com quilómetros de cabos de cânhamo e linho trabalhados por autênticos exércitos de oficiais artesãos nos principais estaleiros das potências marítimas.
No caso do HMS Victory (navio de linha comandado por Nelson em Trafalgar), foram necessários mais de 2.000 troncos de carvalho para o casco e os três mastros, mas a qualidade da sua construção levou-o a ultrapassar a sua longevidade até aos dias de hoje. O navio elevava-se nos mares como autêntica plataforma de artilharia flutuante, ostentando 104 canhões e uma tripulação de 800 homens.
Precisamente um dos aspectos mais impressionantes da guerra naval nesta época prende-se com o notável poder de fogo embarcado e a eficaz logística da Royal Navy. Este facto foi realçado num estudo da década de 1980 (veja-se John Keegan, mais abaixo) através de uma comparação com a artilharia terrestre da mesma época.
Enquanto que o Exército do Norte francês a que Napoleão destinou a batalha de Waterloo em 1815 se fez acompanhar de um trem de 366 canhões de 6 a 12 libras de calibre, assistidos por 9.000 artilheiros, já a armada de 27 navios de Nelson em Trafalgar dispunha de 2.232 canhões, a partir de 12 libras de calibre até 68 libras, manobrados por nada menos de 14.000 homens.
Ou seja, o poder de fogo da marinha de guerra inglesa em Trafalgar excedeu a artilharia de Napoleão em Waterloo na proporção de 6 para 1; e se fosse necessária transportá-la por terra, teriam sido necessários perto de 50.000 artilheiros e 30.000 animais de carga, ao passo que a velocidade de transporte da artilharia na armada de Nelson era feito a 1/5 do custo logístico francês e 5 vezes mais rápido.
O HMS Victory encontra-se actualmente em doca-seca no porto de Portsmouth. Para quem quiser saber mais, existe um "site" sobre este navio e a sua carreira gloriosa.
História e Ficção
O filme "Master and Commander: the Far Side of the World" (2003, de Peter Weir), baseado na série de ficção histórica já clássica de Patrick O’Brian, trouxe ao grande écrã uma reconstituição particularmente intensa da vida a bordo nesta época, embora a acção não decorra em navios de grande porte.
Outros autores, como o historiador inglês John Keegan em The Price of Admiralty: the Evolution of Naval Warfare (1988), e mais recentemente, o brilhante investigador Nicholas Rodger, no 2.º volume da História Naval da Grã-Bretanha, The Command of the Ocean, 1649-1815 (2004), analisaram atentamente a vivência da guerra e as faces humanas dos conflitos navais ambos de leitura imprescindível não apenas pela sólida documentação como pelo deleite na boa escrita britânica.
Nelson, responsável pela vitória prenunciadora sobre os espanhóis na batalha do Cabo de São Vicente, ao largo do Algarve em 1797, tal como referi num “post” anterior (Novembro de 2003) conseguiu desfazer em Trafalgar o poder naval napoleónico.
Não admira, por isso, que decorridos apenas 2 anos, o exército francês invadisse apressadamente Portugal, em busca do melhor porto atlântico da Península e dos navios portugueses, última esperança para a defesa marítima do império francês face ao Bloqueio Continental imposto por Inglaterra. Mas esta é outra história, uma de muitas a ser publicadas nos dois próximos volumes da colecção “Batalhas de Portugal” da Editora Tribuna da História, da autoria do Comandante José Rodrigues Pereira, “Campanhas Navais, 1793-1807”. Uma boa leitura marítima.