Cabeça baixa, olhos fixos na xícara de café sobre a pequena mesa. A toalha era engraçada, possuía detalhes diversos. Não desses bordados, ou sequer planejados previamente. Gostou de observar os pequenos rasgos, as manchas de café, chá ou qualquer outra bebida que tivesse caído ali. Quantos já haveriam vomitado seus sentimentos sobre aquele pedaço de pano que nada podia fazer senão gentilmente escutar?
Queria poder estar vestindo algo mais leve. O cachecol arranhava a pele de seu pescoço, e o couro grosso das calças e da jaqueta o faziam suar frio dentro dos trajes. Uma bermuda e uma camiseta florida, à turistas. Isso pareceria cair bem, não fizesse o frio que fazia às dez da noite.
Ouvia de longe buzinas de carros, passos apressados... "Hora de dormir, apressada cidade". Todos voltando a suas residências, certamente ao encontro de uma quente cama, ou de um sofá de frente para a Televisão, convidativo a assistir à sessão de filmes após a novela.
Naquele bar não havia mais de oito pessoas... Se não fossem considerados os garçons, o número cairia à metade. Não fazia barulho. A luz avermelhada do teto entrava em ressonância com a amarelada que penetrava a vidraça transparente da grande e única janela do estabelecimento. Ao tocar suavemente as gotas condensadas de água aderidas à superfície do vidro, a luz cintilava fortemente. Não sabia o motivo, mas aquilo lembrava Natal. Bem que o natal poderia estar mais próximo... O ano não teria tanto a que correr.
Quando foi aberta a porta, um vento frio apressou-se em abrigar-se dentro do local, fazendo todos estremecerem por um breve instante. Foi breve, logo depois o calor abafado voltou a aquecer as bochechas de todos.
A senhora andava sem pressa. Carregava somente um guarda-chuvas e um buquê de flores nas mãos ossudas.
Percebeu muito rapidamente. "Há tantos lugares vagos", pensou. Não importou, a senhora continuou dirigindo-se à cadeira vazia em frente à xícara de café.
"Boa noite!"
"... Boa noite..."
"Você se importa?"
"Bom, não exatamente, eu apenas..."
"Ótimo, então deixe-me sentar"
Silêncio... Somente silêncio...
(Afinal, por que justamente aqui? Havia tantos lugares para se sentar)
"Erhn, ouça senhora, eu..."
"Ah, muito prazer, eu me chamo Vida."
"Vida? Esse é seu nome?"
"Sim senhor...
Bom, estou me sentindo só hoje... importa-se em conversar?"
"Eu, é... Bom, eu..."
"Você também se sente só, eu percebo isso... Conversemos?"
"Bem... Ah certo, conversemos."
Cada palavra parecia forçada de início. Uma conversa politizada. Não sabia lidar direito com Vida. Aliás, algo o fazia pensar em como estava se tratando, em como estava seu próprio ser. A conversa estava difícil, distraía-se com facilidade.
Pouco depois de meia hora, Vida lhe fez pensar no que não pensava há tempos.
"Desculpe-me senhor, qual é seu nome?"
"Meu... nome?"
"Sim sim, conversamos sobre o tempo, sobre a noite, sobre o café... Julgo saber bastante sobre o café que está a beber, mas não sei seu nome"
"Bom, me chamo Íntimo"
"Íntimo... Belo nome... Senhor Íntimo"
"Hah, não me chame de senhor, por favor! Pareço ter menos idade que você!"
"Ah, então está certo... "Seu" Íntimo, está melhor assim?"
"Já é alguma coisa!"
Naquele momento o gelo havia quebrado. Não havia qualquer trava em sua garganta que o impedisse de conversar com a mulher. Uma calma e sem emoções Vida começou a lhe contar em como havia ido levar flores ao cemitério, para seu falecido marido.
"... O frio, no entanto, está bastante forte... O cemitério é bastante longe daqui..."
"Compreendo..."
Ahh, ao falar em como vivia isolada, muitas vezes até esquecida, Vida transparecia uma tristeza imensa, uma tristeza que "Seu" Íntimo conhecia muito bem...
"Ouça "Seu" Íntimo, sinto deixá-lo só, mas é tarde, e preciso ir para casa... Está frio, e eu tenho uma longa caminhada a fazer"
"Ora Vida, se eu tivesse carro, ofereceria uma carona... Mas eu não posso deixá-la sozinha assim... Eu a acompanho até sua casa"
"Ah, não se incomode! É um pouco longe"
"De jeito maneira, eu insisto!"
Realmente, o local era longe. "Seu" Íntimo, contudo, não se incomodou nem um pouco. Os detalhes descritos por Vida, as dicas e conselhos trocados no caminho o fizeram esquecer qualquer pressa ou sono, ou até cansaço.
Ao chegarem à casa de Vida, a senhora gentilmente agradeceu, entregando-lhe o buquê de flores.
"Meu marido está morto mesmo não? Aposto que ele me diria para entregar as flores a "Seu" Íntimo!"
Agradeceu as flores, e rapidamente viu Vida entrar em sua casa.
Foi algo muito esquisito, o final da noite. Realmente havia seguido Vida até ali? E, de repente, Vida havia se trancado de forma tão abrupta em sua casa?
Na verdade, pouco lhe importou... Seguiu o caminho de volta, até o bar. Entrou pela segunda vez no local, o calor repentino invadindo suas narinas.
A garçonete logo veio atendê-lo: "Deseja algo moço?"
"Sim sim, desejo uma xícara de café dona..."
"Lembrança moço, me chamo Lembrança!"
"Ah certo, obrigado"
Sentou-se em sua mesa, olhando fixamente para as flores que Vida lhe dera. Logo seu café estaria pronto, e ele agradeceria a Lembrança, pensando em como Vida fizera bem a "Seu Íntimo" naquela noite.
2 comentários:
Muito legaaal! ^^
gosto muito das suas narrativas (:
desssa vez gostei mais do início, dos detalhes, das descrições que fez (:
um bbeijo, lindo! amo voce!
Postar um comentário