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terça-feira, 12 de novembro de 2019

Talvez assim tenha nascido o nome do grande romance .... «Sinais de Fogo" , centenário de Jorge de Sena


Acendi um cigarro. Onde iria jantar? Não me apetecia comer. Apetecia-me fugir. Para onde e porquê? E, de repente ouvi dentro da minha cabeça uma frase: «Sinais de fogo as almas se despedem, tranquilas e caladas, destas cinzas frias.» Olhei em volta. De onde viera aquilo? Quem me dissera aquilo? Que sentido tinha aquela frase?Tentei repeti-la para mim mesmo: «Sinais de fogo... » Mas esquecera-me do resto. Com esforço reconstituía a sequência: »Sinais de fogo os homens se despedem, exaustos e espantados, quando a noite da morte desce fria sobre o mar.» Não tinha sido aquilo. Não era aquilo. E que significava? Seriam versos? Repeti mentalmente: «Sinais de cinza os homens se despedem, lançando ao mar os barcos desta vida». Novamente as palavras eram outras, ou quase as mesmas mas diversamente. Tirei um papel do bolso, e escrevi: »Sinais de fogo os homens se despedem lançando ao mar os barcos desta vida». Reli o que escrevera. E depois? Olhei o mar que escurecia , com manchas claras que ondulavam largas. Os barcos iam pelo mar fora, e nalguns havia lanternas acesas. Porquê? »Nas vastas águas...» Nas vastas águas... Era a absurdo. Eu fazendo versos? Porquê? Amarrotei o papel e deitei-o fora.  Mal amarrotado, ele foi descendo num voo balanceante, até que posou numa rocha. Aí, vacilou, aquietou-se, e, numa reviravolta súbita, deixou-se cais para o meio das pedras e sumiu. Era quase noite escura. Voltei para a cidade.



in, Sinais de Fogo, pág. 153/154




Mas quantas personagem /s encontro que ainda fizeram parte da minha adolescência, quanto mais não fosse por interpostos familiares. 

E, como já tenho escrito a Figueira da sua adolescência era diferente da minha infância e puberdade...
32 anos nos separam e tardiamente descobri Jorge de Sena e só em 2012 li Sinais de Fogo.  Hoje raleio com outro olhar e sigo lhe os passos ...  Afinal os caminhos dele também foram os meus em meados do séc. XX . Quase de certeza que a a casa onde passava férias, Rua Fernandes Coelho,  estaria ligada a uma escola primária que frequentei .  A casa está lá ao abandono. 


Em relação ao tio , que tinha sido tropa e era professor num colégio.



Mas o cómico é ele exigir, tu sabias? , que a gente o trate por senhor tenente. Fica uma fera quando alguém o trata por »professor», por «senhor doutor». Responde logo que doutor ele é da mula ruça, mas que ~e mais competente que os lentes de Coimbra. O doutor Carvalho que é lente de Coimbra, esse às vezes diz-lhe, meio sério e meio a brincar, que ele devia tirar o curso de matemática. 




Pág. 148



Ora este DR. Carvalho a que se refere Jorge de Sena, de certeza que é o Professor Doutor Joaquim de Carvalho (aqui), lente na Universidade de Coimbra até Salazar o deixar....


Livro com 662 paginas. Não tenho pressa.


sábado, 2 de novembro de 2019

O centenário de Jorge de Sena

GLOSA À CHEGADA DO OUTONO


O corpo não espera.Não.Por nós
ou pelo amor.Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sede,uma memória,tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera;este pousar
que não conhece,nada vê,nem nada
ousa temer no seu temor agudo...
Tem tanta pressa o corpo!E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.

de Fidelidade(1958)

domingo, 12 de julho de 2015

Reler Jorge de Sena, afinal estamos no verão...

 "Sinais de fogo, os homens se despedem, exaustos e tranquilos, destas cinzas frias. (...) um breve instante, gestos e palavras, ansiosas brasas que se apagam logo".
Não é verdade, não se apagam. Mesmo quando tudo acaba e Mercedes parte para o Porto - e Jorge se interroga, e nós com ele ainda hoje: "Sabes... a gente conheceu-se cedo de mais, ou tarde de mais" -, são "as ansiosas brasas" da poesia que ecoam. Em verso: "Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,/ recebo gratamente como se recebe/ não a morte ou a vida, mas a descoberta/ de nada haver onde um de nós não esteja."

Excertos de Sinais de Fogo de Jorge de Sena

Mais , AQUI

Pintura de Modigliani, que hoje faria anos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Amores de verão.... "quero que sejas minha".

Casa onde viveu Jorge de Sena , Figueira da Foz *
....
   Afastámo-nos rindo. E foi ainda com esse riso na boca que a Mercedes tornou a perguntar-me: - Mas que hei-de eu fazer?
   O riso que continuava absurdo nos cantos da sua boca, quando os olhos fitos em mim já se marejavam de lágrimas, enfureceu-me:
   - Faz o que quiseres e deixa-me em paz - e comecei a andar em direcção às barracas.
   Ela veio correndo, após ter ficado gelada com a minha fúria:
   - Jorge, não me abandones.
Bairro Novo,  a rua do casino

..


Ele levantou-se devagar, e, ao afastar-se, ainda olhou para trás com desconfiada malícia.

   - O que é que ele está a pensar de nós? - disse ela.

   Eu puxei-a para dentro da barraca. Ela resistiu: - Olha que nos vêem - e, ouvindo-a, foi que reparei que, na barraca ao lado, as senhoras já não estavam. 
  - Que vejam, que toda a gente nos veja - e apertei-a com força contra mim.
   Ela separou-se violentamente, e ficou meia curvada, no canto da barraca, como um animal acossado. Quando me aproximei, deixou-se cair sentada no chão. e ergueu para mim um rosto lacrimoso:-  Que queres que eu faça? Eu gosto tanto de ti, oh, como eu gosto de ti!
   - Quero que sejas minha.
   - Mas eu  hei-de ser.
   - Hoje.
Praia da Figueira da Foz
...
Evitei atravessar o Bairro Novo, e fui passeando pela cidade, mergulhado numa incrível bem aventurança. No pasmo de ser possível uma bem aventurança assim. Andava, e era como se, ao mesmo tempo, não visse as ruas nem as pessoas, e as ruas e as pessoas existissem para que eu, de felicidade, as não visse, mas elas sentissem a alegria que irradiava de mim. Tinha sido tão extraordinário! E tão simples também. Eu nunca imaginara, nem mesmo em sonhos, que o amor pudesse ser uma plenitude tal. Nunca sentira, nem mesmo nos momentos de maior satisfação, nada de semelhante à sensação de total domínio, que fora a minha ao possuí-la. E tinha sido, ao senti-la estremecer e gemer comigo, como se a virgindade dela se tivesse refeito, precisamente quando  e porque eu a possuía.

                            Excerto do livro de Jorge de Sena, Sinais de Fogo

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Tenho uma enorme ternura por este livro de Jorge de Sena.  O prazer vem não só da narrativa , mas da vivências dos anos trinta na Figueira da Foz, não serem muito diferentes das minhas, pela minha memória,  que se vai para fins dos anos 50 e anos 60.  Adolescente.
A Figueira era um ícone como estância balnear, vivida durante 3 meses, que acolhia gente de Lisboa e Linha de Cascais, as famílias tradicionais das Beiras, espanhóis de Salamanca, numa mescla de tradição e conservadorismo aliada à irreverência dos jovens e dos estrangeiros do sul e norte da Europa. Uma dor de cabeça para nós , "as portugas", preteridas pelas loirinhas brancas, que de livre e alegre vontade de entregavam aos corpos dos adónis.
Os amores de verão....

* A 1ª fotografia mostra a casa onde viviam os tios de JORGE DE SENA, e onde este passava féria. Está em enorme degradação. Ali viveu uma professora primária e,
Eu, na Figueira da Foz em 1953/4(?)
dentro do muro que se vê, foi onde fiz a escola primária e a casa onde viveu a grande republicana e democrata, Drª Cristina Torres.