“Ele porta-se muito bem”, gaba a farmacêutica. “Nunca a deixou ficar mal”, esclarece a Maria João. A farmacêutica interrompe o trabalho para agradecer e confirmar o atestado: “Nunca!”
O gato, majestático tanto na indiferença à conversa como no tédio perante mais aquela reiteração das qualidades dele, levanta ainda mais um grau o nariz, como se isso não fosse geometricamente impossível.
O gato está preparado para o mundo. E é suficientemente aristocrático para esperar o tempo que for preciso para o mundo preparar-se para a preparação dele.
Há no lobby do Algonquin Hotel em Manhattan uma gata chamada Matilda tão mimada que tem nojo às festinhas, embora consinta uma ou duas, por saber o valor que as pobres pessoas como nós atribuem àquele prazer. É uma das poucas cedências que faz às fraquezas humanas. Vale a pena googlar “The Legend Behind The Algonquin Cat” para ficar com uma ideia do pouco que falta para os felinos felizes reconquistarem o respeito do qual em boa hora gozaram junto dos egípcios, que sabiam quem adorar.
Não há na minha vida um único dia que não possa ser salvo pelo conhecimento dum gato, seja através do prazer de conhecê-lo, seja pelos conhecimentos que me transmite.
ARTIGO DE OPINIÃO DE MIGUEL ESTEVES CARDOSO, NO PÚBLICO DE HOJE