Na desdenhessssss da igrejinhaaaaaa...
Q’ está sozinhaaaaaaaa
Além na serraaaaaaaaa….
Q’ está sozinhaaaaaaaa
Além na serraaaaaaaaa….
Pôs aquela engreja éééé…
a nossa fééé…
na nossa terraaaa !!
As ra-pa-rigas prendadaaas…serããã bêjadaaas…naquela engrejaaaa….
há - um – di-tadeee – que - diiiz…serás feliiiiz…pa - toda a vidaa!!
A noite corria cerrada quando a cantilena me rompeu o sono. Percebi-a vinda de cima, do lado da Vila. Mais perto, o coro de vozes apressadas tornou-se inteligível. Mas poucos minutos depois, extinguiu-se para lá da curva da recta de Vale Deus.
Olhei para o mostrador luminoso do enorme despertador cujo tiquetaque me tinha martelado o sono naquela primeira noite algarvia. Marcava 4.45 de uma madrugada de Janeiro e geada.
Ainda meio estremunhado, percebi passos cuidadosos que deslizavam pela casa e uma luz tremeluzente, provavelmente do fogão a lenha que se acendera na cozinha. Afinal o dia ali começava ainda de noite. Se era essa a regra da casa, haveria que viver com ela e saltei para fora das mantas com a curiosidade sedenta pelas coisas misteriosas que se preparariam na escuridão.
Há quarenta anos, enquanto o meu avô araçoava o gado, a minha avó preparava-lhe à luz do petróleo as sopas de leite do mata-bicho e o cesto com a marmita dos carapaus alimados, a meia garrafinha de tinto e o restante avio para a jorna de poda que iria romper com o sol nas areias da Caramujeira, a uma hora de trote, Norte e solavancos da galera.
Ao romper do sol, teriam também as operárias conserveiras das fábricas de Ferragudo de pegar ao trabalho. Eram delas as vozes que cantavam sincopadas pelos passos apressados que saíam a pé de Lagoa a meio da madrugada, chovesse ou não, para percorrer os oito quilómetros da distância. Largavam ao pôr-do-sol, chegavam a casa noite cerrada e na madrugada seguinte voltavam ao mesmo, a menos que não houvesse peixe, e isso ninguém queria, pois nesse caso não havia trabalho e não havendo trabalho não havia dinheiro e sem dinheiro havia muitos dias em que o jantar era a única refeição do dia, com meia sardinha frita e um naco de pão a cada um e um prato de sopa de papas de milho para todos.
Nesse ano o tempo até andava a correr de feição, não faltara trabalho e embora a paga fosse a miséria do costume, não havia contas no prego e a consoada não se passara na míngua habitual.
Hoje, quarenta anos depois, discute-se a obesidade infantil.
12 comentários:
Oh Manuel, alguém o chamou para as sopas? É que este texto parece-me muito mal arrematado.
Como alguém que tem que apagar uma panela que tem ao lume, porque outros afazeres inadiáveis o chamam.
Caro António:
Tenho de discordar completamente do seu comentário. Se o Manuel estava à pressa isso só dá mérito ao texto, porque mais uma virgula que fosse estaria ali a mais.
O texto é uma magnifica metáfora para o nosso percurso dos ultimos quarenta anos.
Diz-nos por um lado que demos a volta e resolvemos muitas situações complicadas que traziam a maioria de nós em condições de vida muito complicadas.
Hoje pode-se reclamar por outras razões, tais como o dinheiro não chegar para pagar a prestação da casa ao banco e a do carro. Mas para passar com meia sardinha, duvido. Aliás, discute-se a obesidade infantil !!!
E esta é a outra leitura, que remete para uma pergunta: que fizemos com as oportunidades que temos tido ?
Muito bem, Manuel Rocha, por esta perspectiva para outros Natais.
Ia colocar o meu comentário quando realizei que tinha entrado o do Mariano.
Curioso porque iria dizer a mesmissima coisa por outras palavras.
Também eu acho que o texto está acabado, Caro António. Diria mesmo que está muito bem acabado. Mas talvez esta sensibilidade tenha algo a ver com memórias concretas desse outro tempo para onde o Manuel nos transporta. Quem as vivenciou é provável que o percepcione de outra forma.
E, mais uma vez, a afirmação final "incomoda" !
Matilde Costa
Bem...
A Matilde e o Mariano coincidem na minha leitura deste texto.
Mas tenho de concordar com o António. Não sei como mas ele percebeu que fui chamado para as sopas.
António, deixo-lhe um desafio: pegue neste texto, leve-o para o seu espaço e acabe-o à sua maneira.
Vamos a isso ?
Manuel Rocha,
Então tá então.
Agora é hora de cuidar de você.
Obrigada pela visita!
volte sempre....
!!!!FELIZ NATAL!!!!
Desafio respondido.
E continuo na minha a última frase entrou antes de tempo.
Manuel,
Estava eu no blog do António quando percebi que faltava qualquer coisa... o ínicio do texto;)
A curiosidade arrastou-me à leitura do controverso texto, talhado com mestria.
O fim também me pareceu repentino, mas dá um efeito interessante que induz a reflexão.
Beijinhos reflexivos***
Manuel, lá, do lado certo do teu texto, está um pergunta que precisa de resposta. Urgente!
Não percebo lá muito bem os comentários a este texto. Para mim está completíssimo. E nem preciso de recuar tão longe na memória como o fez o manuel rocha, na realidade, não preciso de recuar nada, basta-me verificar o entendimento que os jovens de hoje têm de "qualidade de vida mínima" em relação à que eu tenho; e nem preciso de ir aos jovens, muitas pessoas da minha geração sentem-se violentadas por o seu ordenado não lhes permitir aceder a todos os luxos hoje disponíveis constantemente (culpa, claro, do Sócrates!)
Na realidade, quando olho à minha volta, sinto-me quase como se sentiria uma operária da fábrica de Ferragudo a olhar para a obesidade actual...
Mais um contributo:
http://aboborapequenina.blogspot.com/2007/12/desafio-bolina.html
Passei só para um beijo... :)
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