quarta-feira, 19 de outubro de 2022

São Cristóvão pela Europa (197).

 


 

Na Região da Francónia Central do Estado da Baviera encontrei três imagens muito interessantes do nosso São Cristóvão.

A Basílica românica de São Martinho em Greding foi terminada em meados do Século XII, datando a torre do Século XI. No interior, na nave central, um enorme fresco representando o nosso Santo.

 




Em Kalbensteinberg, com a ajuda muito eficiente do historiador local Martin Burkert, pude apreciar um notável quadro de princípios do Século XVI, representando os catorze santos auxiliares (um dos quias é São Cristóvão), muito venerados na Alemanha. A igreja é hoje dedicada ao culto luterano, mas conserva todas as obras artísticas do período católico.

 





Também em Gunzenhausen, na Igreja de Santa Maria e São Cristóvão se conservam as obras de arte do período católico, não obstante se tratar hoje de uma igreja luterana.

A igreja aliás, segundo os guias locais, nunca foi vítima nem do fogo, nem da guerra, nem dos iconoclastas.

Foi consagrada em 1469 e terá sido financiada pelas indulgências, tão denunciadas por Lutero.

No local existiu um forte romano, assinalando o limite Norte do Império, tendo sido destruído no ano de 233 pelos Alamanos.

Na igreja, existe um grande fresco de São Cristóvão datado de 1498 e descoberto em 1954. Tem como característica o facto de a paisagem de fundo ser a da Região, em especial as duas margens.

 



 

Fotografias de 12 e 13 de Agosto 2022

 

José Liberato


Um documento estarrecedor: Churchill publico e privado, 1940, Londres em chamas

  



O título soa um tanto romanesco para um período que oscilou entre o dramatismo e a cavalgada apocalítica da guerra, aquele determinante ano de 1940 em que Winston Churchill se pôs à frente dos destinos da Grã-Bretanha e levantou o moral do seu povo, cumpria-se o seu vaticínio de sangue, suor e lágrimas; mas o que há de completamente inédito nesta poderosa investigação que em certos momentos assume o perfil de um guião de série televisiva, vamos ver o "Velho Leão” no seu círculo político mais privado, irão assomar personalidades desconcertantes, acompanharemos a vida privada do primeiro dos resistentes, as consecutivas manobras de um político habilidosíssimo que vai atraindo o presidente Roosevelt para o combate às tiranias europeias. É um documento de leitura obrigatória: O Esplendor e a Infâmia, por Erik Larson, Publicações Dom Quixote, 2022.

Maio-junho de 1940, a França caminha para a capitulação, as forças alemãs parecem imparáveis, invadiram a Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo, utilizando blindados, bombardeiros de mergulho e tropas paraquedistas, com efeitos avassaladores, os contingentes franceses esboroam-se, a força expedicionária britânica corre risco de ficar aprisionado. É neste clima que o rei Jorge VI dá posse a Churchill como primeiro-ministro. E logo ficamos a saber que a vida do primeiro-ministro não é nada fácil, tem um filho que é esbanjador, infiel e truculento, e uma filha rebelde. Entramos ao mesmo tempo no tal círculo privado de Churchill, o seu gabinete pessoal, o secretário particular, Colville, que anda embeiçado por uma menina de alta roda, sempre a esgueirar-se. Os EUA são manifestamente hostis a que se entre na guerra, preferem o isolacionismo, as relações de Churchill com o embaixador Kennedy são péssimas; o chefe do seu gabinete militar é o major-general Hastings Ismay, será outra presença permanente no grupo dos fiéis de Churchill. Churchill envia um telegrama secreto a Roosevelt, dá-lhe a saber que o Reino Unido resistirá com todas as suas forças, mas não é de excluir um Europa completamente subjugada e nazificada, pede-lhe apoio, logo o financeiro, toda a correspondência subsequente alargará o leque de pedidos, inclusivamente no campo militar. O primeiro-ministro dá primeira prioridade à produção aeronáutica, a Luftwaffe é considerada muitíssimo superior à RAF, numa escolha genial nomeia Lorde Beaverbrook ministro da produção aeronáutica, vai iniciar-se uma estranhíssima relação entre dois colossos, é uma delícia acompanhá-la neste livro, será este homem o grande impulsionador da construção de uma frota aérea se revelará temível e capaz de suster as vagas de bombardeamentos até que Hitler decrete a invasão da União Soviética, tudo será alterado, independentemente do Reino Unido sofrer ataques submarinos que provocam perdas catastróficas de alimentos e armamento.

Erik Larson gera uma teia de interligações que nos permite aferir o plano perpetrado por Göring para pôr de joelhos o Reino Unido, na sombra Hess, o considerado vice de Hitler, começa a maquinar uma tentativa de acordo, no seu delírio viajará até à Escócia, será detido até ser julgado em Nuremberga.

A um ritmo que impede o leitor de fazer pausas, iremos assistir à retirada de Dunquerque, ao aparecimento de cientistas que trarão uma enorme mais-valia ao conhecimento das tecnologias da Luftwaffe; a queda da França irá arrostar situações de uma enorme intensidade dramática, como a decisão de bombardear a frota francesa em Mers-el-Kébir, porto argelino; há os fins de semana em Chequers, repousantes para Churchill mas aonde podemos assistir a uma vida familiar heteróclita. É justamente relevado o desempenho de Lorde Beaverbrook, sempre a dizer que se metia e Churchill sempre a acalmá-lo, há os amores infelizes de Colville e os preparativos para um possível invasão alemã, Hitler ainda não decidira desencadear a operação Leão Marinho, preferia um acordo de paz, sempre recusado por Churchill e vai começar a dinâmica dos bombardeamentos, eles acentuam-se a partir de agosto, terão o seu ponto alto em novembro, já se intimidara Londres, Coventry será fustigada brutalmente, torna-se no símbolo da destruição pela barbárie, como Erik Larson escreverá: “As incendiárias salpicaram os telhados e terrenos da famosa Catedral St. Michael, a primeira das quais caiu por volta das oito da noite. Uma caiu no telhado, que era feito de chumbo. O fogo derreteu o metal, fazendo-o pingar no interior da madeira e pegando-lhe fogo. A equipa de bombeiros não pôde fazer mais do que ficar a ver. A conduta de água tinha sido destruída por uma bomba. À medida que o fogo avançava e começava a consumir o coro, as capelas e as pesadas vigas de madeira do telhado, alguns funcionários da igreja correram lá para dentro para resgatar tudo o que conseguiam. O prior da catedral escreveu que todo o interior estava transformado numa massa fervilhante de chamas e de pilhas de vigas e madeiras flamejantes, envoltas e encimadas por um denso fumo cor de bronze.” E o autor faz-nos estremecer com cenas de horror, cães com membros humanos na boca, corpos decapitados, torços carbonizados. Prosseguem as escaramuças entre o primeiro-ministro e o seu ministro hipersensível, Churchill chega a atingir grandes níveis de epistolografia, do género: “Não tem o direito, no auge de uma guerra como esta, de me onerar com os seus fardos. Ninguém sabe melhor do que você quanto dependo de si para conselho e conforto. Não deve esquecer, perante pequenas contrariedades, a vasta escala de acontecimentos e o palco bem iluminado da história em que nos encontramos”.

Há magníficas descrições como um jantar Glasgow, Churchill bem adoentado ao lado de Hopkins, o representante que Roosevelt nomeara para apurar a situação da Grã-Bretanha, Churchill pergunta-lhe o que é que ele irá dizer ao presidente e Hopkins recitou uma passagem bíblica do Livro de Rute: “Aonde fores irei; onde ficares ficarei; o teu povo será o meu povo; e o teu Deus será o meu Deus”. Churchill chorou. Empolgante é a descrição da viagem de Averell Harriman, enviado especial de Roosevelt junto de Churchill, haverá mesmo uma passagem por Lisboa em que o político comprará um saco de tangerinas para oferecer a Clementine, esta ficará deslumbrada. E não se pode perder a viagem de Churchill aos Estados Unidos, ficou na Casa Branca, à hora da deita Churchill foi para o seu quarto e conversa animadamente com o seu colaborador Thompson, batem à porta, é Roosevelt na sua cadeira de rodas. Churchill está nu e diz ao presidente, não tenho nada a esconder. “Churchill prosseguiu, atirando uma toalha sobre o ombro, e durante a hora seguinte conversou com Roosevelt, enquanto andava pelo quarto nu, a beber a sua bebida, de vez em quando voltando a encher o copo do presidente. O inspetor Thompson irá escrever que Churchill não teria sequer pestanejado se a Sra. Roosevelt também tivesse entrado no quarto.”

É inspiradora esta obra, neste nosso tempo, ao vermos a resiliência de Churchill, temos aqui a esperança e o exemplo da resistência quando os tiranos nos batem à porta.

De leitura obrigatória, pois.


 Mário Beja Santos





sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Entre Oriente e Ocidente (18).

 


 

O Museu Arqueológico de Durrës é o maior da Albânia.

É um autêntico sobrevivente. O edifício anterior foi vandalizado e teve de ser demolido. Em 1997 foi alvo de grandes pilhagens. Além do mais, Durrës nunca foi objecto de campanhas arqueológicas sistemáticas. Os objectos exibidos foram encontrados ocasionalmente por ocasião de obras na cidade.

O Museu é dedicado à da Antiguidade Grega e ao período romano.

 










Fotografias de 18 de Maio de 2022

 

José Liberato






quinta-feira, 13 de outubro de 2022

São Cristóvão pela Europa (196).


 


 

Regensburg, Ratisbona em português, é a capital do Alto Palatinado no Estado da Baviera.

Importante guarnição romana, foi a cidade onde, desde a Idade Média, se reuniram muitas das Dietas do Sacro Império Romano Germânico, encarregadas de deliberar sobre a paz interior e a segurança exterior.

Nos seus arredores, o Walhalla, colossal monumento à cultura germânica, mandado construir pelo Luís I da Baviera na primeira metade do Século XIX:


 

Na cidade, a Basílica de Santo Emmeran pertenceu a um antigo mosteiro beneditino e tem no exterior uma bela estátua em pedra do nosso Santo que remontará a 1390:




Num dos pórticos de entrada da basílica um baixo relevo muito original representando São Cristóvão:

  



Na Catedral de Regensburg, um vitral e uma estátua:




Na antiga Igreja barroca da Santíssima Trindade, hoje de culto luterano:

 



Finalmente, na Igreja dos Escoceses que pertenceu ao Mosteiro beneditino de São Tiago uma estátua:




Fotografias de 11 e 12 de Agosto de 2022

 

José Liberato


Quando John le Carré escrevia romances policiais… e dos bons.

 



Para melhor se entender este romance policial, a segunda obra de John le Carré, a que se seguirá dos livros mais espantosos da literatura de espionagem, O Espião Que Veio do Frio, há que ter em conta alguns aspetos curriculares do autor: passou uma boa parte da infância num colégio interno; estudou nos meios universitário de Berna e Oxford; foi docente em Eton e mais tarde andou pelo MI5 e MI6, seguramente aqui colheu muitos elementos para a extraordinária literatura que se seguiu, primeiro a de espionagem e depois da Guerra Fria a descrição de cenários  desse mundo tumultuoso das ganâncias da indústria farmacêutica, da lavagem de dinheiro, dos conflitos étnicos, e muito mais. O que sobressai no seu romance Um Crime de Categoria, por John le Carré, Publicações Dom Quixote, 2022, é um certo ajuste de contas com a classe de professores de um meio colegial altamente tradicional, vergasta, trata de forma demolidora os preconceitos de uma classe social onde irá ocorrer um crime tenebroso. A abertura do romance é elucidativa: “A grandeza do Colégio de Carne é consensualmente atribuída a Eduardo VI, cujo fervor pela educação a história outorga ao duque de Somerset. Contudo, Carne prefere a respeitabilidade do monarca à discutível política do seu conselheiro, respaldado pela convicção de que os Grandes Colégios, tal como os reis da dinastia Tudor são predestinados no Céu (…) Em Carne toda a gente estava constantemente a carpir: os rapazes mais novos porque tinham de ficar e os mais velhos porque tinham de partir e os professores porque a respeitabilidade era mal paga”.

Necessariamente entramos logo num jantar de má língua dado por alguém que dentro de 6 meses se aposentará, são comentários depreciativos, afloram sentimentos de classe, ressentimentos que não se apagam. E passamos para a redação da revista “Christian Voice”, a diretora acaba de receber uma carta de uma senhora que pede ajuda, sabe que o marido anda a tentar matá-la. Miss Brimley fica siderada, pede ajuda ao seu amigo George Smiley, aqui fica o seu primeiro elemento identificativo: “Dantes achava-o a pessoa mais insignificante que alguma vez conhecera: baixo e roliço, com uns óculos grosso e cabelo ralo, era à primeira visto o protótipo de um malsucedido solteirão de meia idade com uma ocupação sedentária. O seu acanhamento natural na maior parte das questões práticas refletia-se na indumentária, que era cara inadequada, visto ele ser um joguete nas mãos do alfaiate, que o explorava”. George Smiley promete ir até Carne, telefona para o irmão de um camarada de guerra. A senhora que enviara a carta fora assassinada, jantara mesmo em casa do professor Fielding, que se iria reformar. Mas Smiley parte para Carne, apurou acontecimento junto do subchefe da polícia, este mede Smiley de alto a baixo, baixo e atarracado, mal vestido. O inspetor Rigby não perde oportunidade para dizer o que pensa daquela gente de Carne: “Há um grande fosso entre a gente da terra e o meio académico, estes formam a sua própria comunidade”, vêm os pormenores do homicídio, a vítima terá sido agredida 15 ou 20 vezes com uma moca ou um pedaço de cano, não houve roubo nem violação. O marido tinha ido a casa de Fielding buscar uma pasta com exames, deparou-se com aquela tragédia. Aquela conversa bem inglesa em que se estuda as gentes e os seus antecedentes prossegue entre o agente policial e Smiley, a investigação promete ser difícil, a arma do crime apareceu a 6 quilómetros de distância, começa-se a falar numa louca com quem a vítima se relacionava. E Smiley prossegue a investigação.

Visita Fielding, impunha-se retratá-lo: “Vestia, em lugar do costumado traje académico, uma magnífica indumentária constituída por uma grossa toga negra e peitilho judicial, como um monge de hábito de cerimónia. Naquela noite trazia uma rosa, e pela sua frescura Smiley deduziu que a tinha colocado nesse preciso momento”. É Fielding quem desvela o mundo de Carne, o que se ensina, o mundo das orações, e Fielding despeja o seu rancor: “Carne não é um colégio. É um sanatório para leprosos intelectuais. Os sintomas principiaram quando viemos da universidade: uma putrefação gradual das nossas extremidades intelectuais.” Durante o jantar, Fielding destila veneno, diverte-se a falar das farsas dos cerimoniais, está presente outro professor, o nome é D’Arcy, indigna-se com muitos dos comentários de Fielding. No regresso, depara-se com Janie, a tal louca, na noite do assassinato vira alguém a voar no vento, a atmosfera enigmática adensa-se, a polícia percebe que é muito difícil incriminar tal mulher, as provas são mínimas, faltam impressões digitais, o ambiente de crime parece ter sido avassalado por um tufão. É altura de Smiley ir falar com o viúvo, o professor Rode. E depois John le Carré avantaja a fotografia do seu personagem favorito, em toda a sua obra: “Smiley era daqueles solitários que parecem ter vindo ao mundo já completamente educados aos 18 anos de idade. Obscuridade era a sua natureza, assim como a sua profissão. As vielas da espionagem não são povoadas pelos espalhafatosos e coloridos aventureiros da ficção. Um homem que, como Smiley, tinha vivido e trabalhado durante anos entre os inimigos do seu país aprende uma única prece: que nunca, por nunca ser, deem por ele”.

Sucedem-se as entrevistas, ninguém daquele ambiente fechado deixará de ser interpelado por Smiley. E habilmente le Carré investe em pesquisas que irão conduzir à descodificação do crime, desde o início que se fala num nome de um jovem, Perkins, a segunda vítima de assassinato, um saco com roupa de caridade é procurado por Smiley, avança-se para a solução do crime, naquele saco vinha a indumentária do criminoso da mulher de Rode. E um tanto à inglesa, assim como Hercule Poirot convoca todos os possíveis envolvidos num determinado crime, Smiley recebe para jantar o criminoso, vem as provas do crime, os porquês de dois assassinatos, avisa que está a chegar o inspetor Rigby, o assassino fica inteiriçado, histérico, grita que não quer morrer na força, e o final desta bela obra só podia ter sido pensado e executado por um inglês:

“Smiley viu o carro partir. Não levava pressa; limitou-se a seguir o seu caminho pela rua molhada e desapareceu. Permaneceu ali muito depois de ele se ter ido, a olhar para o fundo da rua, de tal forma que os transeuntes o fitavam com estranheza ou tentavam seguir-lhe o olhar. Mas não havia nada para ver. Apenas a rua meio iluminada e as sombras que por ela iam passando.” 


Mário Beja Santos




 



quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Entre Oriente e Ocidente (17).

 

 

Segunda cidade da Albânia e principal porto do país, Durrës é uma importantíssima cidade desde a Antiguidade.

Aqui começava a Via Ignatia, estrada romana fundamental que ligava Durrës a Bizâncio e desde modo Roma a Constantinopla, dado que o porto sempre esteve em intenso contacto com o outro lado do Mar Adriático:

  


Por isso, a importância do anfiteatro romano, o maior da Península Balcânica. De forma elíptica, tinha 136 metros de diâmetro. Foi construído no princípio do Século II, no tempo do Imperador Trajano e tinha uma capacidade para cerca de 20 mil espectadores.

A realização de jogos nos anfiteatros foi suspensa pelo Imperador Honório em 404. Nos tempos seguintes, o complexo foi ainda usado para actividade religiosas das comunidades cristãs mas rapidamente caiu no esquecimento total, ficando soterrado.

Só a partir de 1966 as arenas e a igreja voltaram a ver a luz do dia, no meio de uma série de construções erigidas ao longo dos séculos..

  






Em Durrës, e em contraste, o visitante é brindado com exemplares do realismo socialista com sabor local:

 




 

Fotografias de 17 e 18 de Maio de 2022

 

José Liberato


Em cima do acontecimento: a mudança climática que os nossos filhos receberão de herança.


 


 

Quanto à pertinência do trabalho jornalístico de Isabel Lindim a contracapa é elucidativa: “De todos os países da Europa, Portugal é o mais vulnerável às alterações climáticas. Por um lado, sofremos com o aumento da temperatura e com a diminuição da chuva que são próprios de um clima com influência mediterrânea; por outro, estamos expostos à agressividade do Oceano Atlântico, também ele vitima da poluição e das emissões de gases com efeitos de estufa. Os fenómenos extremos vão intensificar-se em todo o mundo, mas é nas terras do litoral que as consequências serão mais severas – e o nosso país, à beira-mar plantado, está na linha da frente. Este livro apresenta o impacto das alterações climáticas para os próximos 50 anos em Portugal. É uma projeção, não uma premonição. Foram ouvidos 30 especialistas de diferentes áreas, da geografia à biologia, da saúde à física. Por sermos um país que reúne tanto conhecimento científico, existe uma esperança de que as medidas necessárias sejam concretizadas. Ainda estamos a tempo de evitar o pior dos cenários. Saiba o que pode, ou não, acontecer.”

E, de facto, Portugal, Ano 2071 – As grandes ameaças e como nos adaptarmos, por Isabel Lindim, Oficina do Livro, 2021, é um roteiro pautado por opiniões abalizadas, nada tem a ver com aqueles ideários enunciados por gurus do catastrofismo ou por cientistas que recebem avenças dos grandes tratadores de combustíveis fósseis; temos aqui, em súmula, o quadro das grandes ameaças (calor, cheias e inundações, fogos, saúde humana, impacto económico), o que acontecerá à nossa paisagem, enfatiza-se a importância dos estuários e da biodiversidade, o uso dos nossos recursos agrícolas e piscatórios, a vida nas nossas cidades, a transição a operar no paradigma energético; breve, o que é possível fazer, haja coragem para proceder às escolhas mais cuidadas para o nosso futuro.

Logo, a subida da temperatura, o que acarreta: “Se continuarmos na trajetória que temos seguido, a temperatura global aumenta provavelmente 4ºC até 2100, o que significa uma série de consequência irremediáveis: países e cidades submersos, ondas de calor e incêndios mais frequentes, a vida marinha a definhar, períodos de seca maiores, os recursos hídricos mais afetados, fenómenos extremos que aconteciam de 100 em 100 anos passam a acontecer em cada década”. Não basta a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de baixo carbono e fontes de energia limpas, impõe-se a redução de emissões poluentes como o metano e hidrofluorcarbonetos, a redução do desmatamento e a necessidade de restauro de ecossistemas que são naturais captadores de CO2, como as florestas, os pântanos, os mangais e as pradarias marinhas”. E temos as grandes ameaças. Recorda a autora que nos últimos 30 anos a temperatura média no país elevou-se 2ºC. Mas as previsões são altamente inquietantes, atendendo ao que rezam os estudos: “A partir de 2017, as temperaturas máxima e mínima irão subir entre 3 a 4ºC no litoral e 5 a 6ºC no interior. Isto significa que uma cidade como Beja poderá ter dias com 48 a 50ºC. No sul do país, as noites vão ser tropicais e os dias demasiado quentes. As projeções do IPMA mostram que o Algarve vai mudar bastante, não só topograficamente, devido à subida do nível médio das águas do mar, como em termos de precipitação e calor. Junto à costa, onde o mar ainda pode trazer alguma frescura, esse calor pode ser suportável, mas no interior, das serras algarvias às planícies alentejanas, a vida pode tornar-se muito difícil, para nós e para toda a fauna e flora”. Temos depois o espectro das cheias e das inundações, os peritos fazem propostas de adaptação, umas de proteção leve, outras de proteção pesada, chegando à elevação de diques. Para contrariar os temíveis fogos e incêndios em que vivemos, o regime agroflorestal pode ser uma resposta, merece ser ponderada com caráter de urgência.

A saúde humana também está em causa, não é pura especulação falarmos de uma maior intensidade dos mosquitos e o recrudescimento de doenças causadas por vírus ou bactérias. E quanto ao impacto na economia, independentemente de no quadro atual ainda não ser possível prescindir dos combustíveis fósseis, se se pretende contrariar a queda do crescimento e o agudizar do desemprego, o modelo económico tem que apostar na proteção costeira, numa ampla inovação técnica, na produção de energias limpas. Personalidades de indiscutível prestígio têm vindo a apontar para soluções em que a economia pode ter um caminho diferente. É evidente que Isabel Lindim procedeu à sua importante narrativa jornalística muito antes da guerra da Ucrânia, não podemos ser ingénuos, estamos a viver um doloroso compasso de espera, é imprevisível para aonde aponta a mudança de paradigma energético e antevêem-se custos dolorosos para as alterações radicais que se irão processar na globalização económico-financeira. De grande importância é o que a jornalista escreve quanto à nossa paisagem, atenda-se ao que ela enfatiza sobre a importância dos estuários e ao reconhecimento de que a biodiversidade é um dos maiores pilares para travar ameaças e facilitar a nossa adaptação a este enorme período de transição que se avizinha.

Discreteia sobre o uso do solo, os recursos hídricos, como igualmente nos dá um enfoque do que se passa nas grandes cidades; a questão energética, como é compreensível, dá-lhe margem para abordar o que será uma transição justa para onde deve caminhar a eficiência energética. Dado o quadro ambiental em que nos movemos há que saber o que temos para fazer, desde a reforma administrativa, à descentralização, o papel da interioridade, a resposta ao calor, como cuidar da água, papel que devemos atribuir à agrofloresta, enfim, há um manancial de escolhas, não podemos continuar a meter a cabeça na areia. Quando desapareceu, vítima da covid, a cientista Maria de Sousa, Carmo Fonseca, uma outra cientista do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, deixou uma mensagem às novas gerações sobre os problemas do provir, vale a pena terminar a apreciação desta obra de Isabel Lindim, a todos os tipos meritórios da nossa atenção, com o texto da sua carta: “Muitos modelos ainda praticados na indústria agropecuária incentivam a destruição de florestas, interferem com a qualidade dos solos, são poluidoras e favorecem a propagação de epidemias em plantas e animais. Vão certamente ocorrer grandes desastres naturais como fogos, tempestades e terramotos. As alterações climáticas são uma realidade instalada. Vai faltar a água e aumentar a poluição. As sociedades do futuro vão depender da ciência e da tecnologia para lidar com catástrofes. Mas as sociedades de hoje insistem em ignorar os múltiplos alertas dos cientistas para perigos iminentes que ainda podem ser evitados.”

Leitura aconselhada a docentes e discentes a caminho de ensino universitário. 


Mário Beja Santos






sexta-feira, 7 de outubro de 2022

O Estado Novo em que os intelectuais não eram espancados, mas altamente vigiados, silenciados.

 






Brandos Costumes… O Estado Novo, a PIDE e os intelectuais, com coordenação de Luís Reis Torgal, Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2022, é um livro que resulta de um projeto de investigação que pretende desvelar o comportamento da polícia política e da censura do Estado Novo face a intelectuais que não eram nada amáveis com o regime forjado por Salazar. O coordenador fala-nos na introdução dos brandos costumes dentro do pensamento único exigido pelo ditador, como funcionavam os órgãos repressivos desse regime, como vigiava a PIDE quem afrontava ou procurava desmitificar a ditadura, chamasse-se Aquilino Ribeiro ou Soeiro Pereira Gomes, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto. Há a preocupação de lembrar o papel da Censura, ela definia os livros cuja circulação era proibida, uma lista farta, incluía obras revolucionárias, obras que abordavam o comunismo, livros de teoria política como os de Maurice Duverger ou Raymond Aron, a obra de Sartre ou Simone de Beauvoir, não faltavam os portugueses como José Vilhena, Natália Correia, Manuel Alegre, como também algumas obras de Jorge Amado. E todos aqueles que assinavam documentos de índole política apelando à libertação de presos ou à reposição das liberdades de expressão iriam ter uma vida menos fácil.

Tomás da Fonseca, que para muitos era o Tomás das Barbas, escritor anticlerical em a quem se deve talvez o libelo mais demolidor sobre as aparições de Fátima, era alvo das atenções da PIDE, teve muitos livros apreendidos, a polícia tratava-o como simpatizante do PCP, que em todos os seus interrogatórios Tomás da Fonseca negou, a despeito das ligações fraternas que manteve com comunistas e companheiros de estrada. O seu funeral foi alvo de relatório da polícia secreta, não se escondeu que chegou um cortejo automóvel com cerca de 100 viaturas ao cemitério de Mortágua onde o esperava uma multidão de 800 a 900 pessoas. Aquilino Ribeiro também não foi poupado, se bem que um dia Salazar lhe tenha tecido elogios, quando um jornalista francês que lhe pediu para conhecer a realidade nacional, o ditador respondeu: “Comece o seu inquérito por Aquilino. É um inimigo do regime. Dir-lhe-á mal de mim, mas não me importa: é um grande escritor.” Acontece que Aquilino era alvo de admiração de pessoas como Marcello Caetano, Santos Costa, António Ferro, Caeiro da Mata, Rafael Duque, incondicionais do salazarismo. O ensaio sobre Aquilino aborda o processo da rotura de Aquilino com o regime, a fúria com que foi recebido o romance Quando os Lobos Uivam, refere como Aquilino era indiciado por vários delitos, tais como: fazer perigar o bom nome de Portugal, bem como o crédito e o prestígio do Estado português no estrangeiro; fazer a apologia de crimes contra a segurança do Estado; injuriar e ofender o Presidente do Conselho e os demais ministros, etc., etc. Nem mesmo a sua indigitação para o Prémio Nobel da Literatura acalmou a vigilância da PIDE. Com Ferreira de Castro, talvez por ser ao tempo o escritor com mais traduções, a repressão era selecionada, a PIDE considerava-o “desafeto ao regime”, sabia-se das suas ligações aos intelectuais de oposição, mas salvaguardavam-se as distâncias, Ferreira de Castro era nome sonante na literatura internacional, temia-se o ridículo pondo no Índex qualquer uma das suas obras.

Situação execrável foi o processo de Andrée Crabbé Rocha na PIDE. O marido, Miguel Torga, sempre recusou enviar as obras à censura prévia, a polícia política sentiu-se afrontada, Torga conheceu a cadeia do Aljube, livros queimados, apreendidos, proibidos. Andrée Rocha foi demitida da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1947 e cinquenta anos depois partilhou no Expresso as suas memórias: “[…] nunca nas minhas aulas de literatura portuguesa e de literatura francesa falei em política. Talvez tivessem descoberto que eu era mulher de Miguel Torga. […] nada pude fazer em relação à decisão. Passados 2 anos, abriu um concurso para professor extraordinário em que era necessário apresentar um trabalho. Preparei um sobre o Cancioneiro Geral de Garcia Resende. No dia das provas recebi um ofício da reitoria a dizer que não as podia prestar. Solicitei durante 21 anos a realização da prova, e durante todo este tempo me foi recusado. Fui obrigada a dar lições particulares em Coimbra, para onde me mudei, e frequentei outro curso, que me permitiu dar aulas em colégios particulares. Mas em 1955, até esse diploma me tiraram”. Andrée Rocha era classificada na PIDE como mulher do comunista Torga, só pôde retomar funções universitárias na Faculdade de Letras de Lisboa em março de 1970.

O percurso de Soeiro Pereira Gomes foi a de um regente agrícola que foi viver para Alhandra e se tornou empregado de escritório na fábrica Cimento Tejo, cedo se comprometeu com o ideário comunista, movia-se pela vontade de proteger os humildes, como é explícito na sua obra maior Esteiros, a vida de crianças conduzidas ao duro trabalho naquela região ribatejana. A PIDE tinha-o sob vigilância, ele teve um papel de grande importância na greve dos operários daquela fábrica, Soeiro teve que fugir, vai conhecer a clandestinidade mais dura, é um intelectual comunista. Esteiros recebeu mesmo elogios de Marcello Caetano, é obra escrita em 1941, havia uma réstia de esperança na vitória dos Aliados e que esta comportaria a queda do regime de Salazar. Dado curioso, a obra foi lida e autorizada pelo tenente-coronel Salvação Barreto, diretor da Censura, muitos anos depois esta mesma Censura considerou que o livro deveria ter sido proibido quando apareceu, “mas agora deve ser ignorado”, pois que a proibição agora só serviria à sua propaganda no nosso meio”. O escritor, agitador e quadro de topo do PCP morreu muito novo, em 1949, conceituados escritores como Ferreira de Castro reconheciam o seu imenso talento.

O leitor encontrará ainda nesta obra trabalhos bem elucidativos sobre a vigilância da PIDE a Fernando Namora, Jorge de Sena, as obras teatrais, o trabalho dos informadores da polícia política, as péssimas relações de figuras da Igreja Católica com o Estado Novo a partir da década de 1960, a PIDE no encalço de Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Luís Reis Torgal não deixa de referir na conclusão que não passou de um mito a ideia de intolerância branda, e se é certo que a ação policial da PIDE não é comparável com os sistemas racistas e antissemitas ou com as práticas da violência sem limites no estalinismo, o regime de Salazar quis-se intransigente, perseguindo ou asfixiando as ideias e práticas anarquistas e comunistas, mas também as simplesmente liberais, católico-progressistas ou até monárquicas; e a guerra colonial veio a justificar a permanência dessa repressão deixando bem claro que isso dos brandos costumes não passou de um mito.

A pedir leitura urgente. 



Mário Beja Santos 










quinta-feira, 6 de outubro de 2022

São Cristóvão pela Europa (195).

 


No distrito de Kelheim que faz parte da Baixa Baviera encontrei quatro São Cristóvãos.

Em Bad Abbach, a Igreja do centro da pequena cidade é dedicada a São Cristóvão e tem naturalmente uma imagem do Santo no altar-mor: uma tela.




O jardim de infância local é também denominado de São Cristóvão e dispõe de um mural




Em Abensberg, a Igreja paroquial de Santa Bárbara tem uma imagem do nosso Santo:






Gasseltshausen é um caso muito interessante. A igreja românica, talvez do Século XIII, exibe um formato muito peculiar. Tem dois andares, mais parecendo uma torre muito robusta. As paredes têm 2,5 metros de espessura e o edifício deve ter servido certamente como fortaleza.




No interior um São Cristóvão de madeira de cerca de 1500:





Fotografias de 18 de Agosto de 2022

 

José Liberato