O título soa um tanto
romanesco para um período que oscilou entre o dramatismo e a cavalgada
apocalítica da guerra, aquele determinante ano de 1940 em que Winston Churchill
se pôs à frente dos destinos da Grã-Bretanha e levantou o moral do seu povo,
cumpria-se o seu vaticínio de sangue, suor e lágrimas; mas o que há de
completamente inédito nesta poderosa investigação que em certos momentos assume
o perfil de um guião de série televisiva, vamos ver o "Velho Leão” no seu
círculo político mais privado, irão assomar personalidades desconcertantes,
acompanharemos a vida privada do primeiro dos resistentes, as consecutivas
manobras de um político habilidosíssimo que vai atraindo o presidente Roosevelt
para o combate às tiranias europeias. É um documento de leitura obrigatória: O Esplendor e a
Infâmia, por
Erik Larson, Publicações Dom Quixote, 2022.
Maio-junho de 1940, a França
caminha para a capitulação, as forças alemãs parecem imparáveis, invadiram a
Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo, utilizando blindados, bombardeiros de
mergulho e tropas paraquedistas, com efeitos avassaladores, os contingentes
franceses esboroam-se, a força expedicionária britânica corre risco de ficar
aprisionado. É neste clima que o rei Jorge VI dá posse a Churchill como
primeiro-ministro. E logo ficamos a saber que a vida do primeiro-ministro não é
nada fácil, tem um filho que é esbanjador, infiel e truculento, e uma filha
rebelde. Entramos ao mesmo tempo no tal círculo privado de Churchill, o seu
gabinete pessoal, o secretário particular, Colville, que anda embeiçado por uma
menina de alta roda, sempre a esgueirar-se. Os EUA são manifestamente hostis a
que se entre na guerra, preferem o isolacionismo, as relações de Churchill com
o embaixador Kennedy são péssimas; o chefe do seu gabinete militar é o
major-general Hastings Ismay, será outra presença permanente no grupo dos fiéis
de Churchill. Churchill envia um telegrama secreto a Roosevelt, dá-lhe a saber
que o Reino Unido resistirá com todas as suas forças, mas não é de excluir um
Europa completamente subjugada e nazificada, pede-lhe apoio, logo o financeiro,
toda a correspondência subsequente alargará o leque de pedidos, inclusivamente
no campo militar. O primeiro-ministro dá primeira prioridade à produção
aeronáutica, a Luftwaffe é considerada muitíssimo superior à RAF, numa escolha
genial nomeia Lorde Beaverbrook ministro da produção aeronáutica, vai
iniciar-se uma estranhíssima relação entre dois colossos, é uma delícia
acompanhá-la neste livro, será este homem o grande impulsionador da construção
de uma frota aérea se revelará temível e capaz de suster as vagas de
bombardeamentos até que Hitler decrete a invasão da União Soviética, tudo será
alterado, independentemente do Reino Unido sofrer ataques submarinos que
provocam perdas catastróficas de alimentos e armamento.
Erik Larson gera uma teia de
interligações que nos permite aferir o plano perpetrado por Göring para pôr de
joelhos o Reino Unido, na sombra Hess, o considerado vice de Hitler, começa a
maquinar uma tentativa de acordo, no seu delírio viajará até à Escócia, será
detido até ser julgado em Nuremberga.
A um ritmo que impede o leitor
de fazer pausas, iremos assistir à retirada de Dunquerque, ao aparecimento de
cientistas que trarão uma enorme mais-valia ao conhecimento das tecnologias da
Luftwaffe; a queda da França irá arrostar situações de uma enorme intensidade
dramática, como a decisão de bombardear a frota francesa em Mers-el-Kébir,
porto argelino; há os fins de semana em Chequers, repousantes para Churchill
mas aonde podemos assistir a uma vida familiar heteróclita. É justamente
relevado o desempenho de Lorde Beaverbrook, sempre a dizer que se metia e
Churchill sempre a acalmá-lo, há os amores infelizes de Colville e os
preparativos para um possível invasão alemã, Hitler ainda não decidira
desencadear a operação Leão Marinho, preferia um acordo de paz, sempre recusado
por Churchill e vai começar a dinâmica dos bombardeamentos, eles acentuam-se a
partir de agosto, terão o seu ponto alto em novembro, já se intimidara Londres,
Coventry será fustigada brutalmente, torna-se no símbolo da destruição pela
barbárie, como Erik Larson escreverá: “As incendiárias salpicaram os telhados e
terrenos da famosa Catedral St. Michael, a primeira das quais caiu por volta
das oito da noite. Uma caiu no telhado, que era feito de chumbo. O fogo
derreteu o metal, fazendo-o pingar no interior da madeira e pegando-lhe fogo. A
equipa de bombeiros não pôde fazer mais do que ficar a ver. A conduta de água
tinha sido destruída por uma bomba. À medida que o fogo avançava e começava a
consumir o coro, as capelas e as pesadas vigas de madeira do telhado, alguns
funcionários da igreja correram lá para dentro para resgatar tudo o que
conseguiam. O prior da catedral escreveu que todo o interior estava
transformado numa massa fervilhante de chamas e de pilhas de vigas e madeiras
flamejantes, envoltas e encimadas por um denso fumo cor de bronze.” E o autor
faz-nos estremecer com cenas de horror, cães com membros humanos na boca,
corpos decapitados, torços carbonizados. Prosseguem as escaramuças entre o
primeiro-ministro e o seu ministro hipersensível, Churchill chega a atingir
grandes níveis de epistolografia, do género: “Não tem o direito, no auge de uma
guerra como esta, de me onerar com os seus fardos. Ninguém sabe melhor do que
você quanto dependo de si para conselho e conforto. Não deve esquecer, perante
pequenas contrariedades, a vasta escala de acontecimentos e o palco bem
iluminado da história em que nos encontramos”.
Há magníficas descrições como
um jantar Glasgow, Churchill bem adoentado ao lado de Hopkins, o representante
que Roosevelt nomeara para apurar a situação da Grã-Bretanha, Churchill
pergunta-lhe o que é que ele irá dizer ao presidente e Hopkins recitou uma
passagem bíblica do Livro de Rute: “Aonde fores irei; onde ficares ficarei; o
teu povo será o meu povo; e o teu Deus será o meu Deus”. Churchill chorou.
Empolgante é a descrição da viagem de Averell Harriman, enviado especial de
Roosevelt junto de Churchill, haverá mesmo uma passagem por Lisboa em que o
político comprará um saco de tangerinas para oferecer a Clementine, esta ficará
deslumbrada. E não se pode perder a viagem de Churchill aos Estados Unidos,
ficou na Casa Branca, à hora da deita Churchill foi para o seu quarto e
conversa animadamente com o seu colaborador Thompson, batem à porta, é
Roosevelt na sua cadeira de rodas. Churchill está nu e diz ao presidente, não
tenho nada a esconder. “Churchill prosseguiu, atirando uma toalha sobre o
ombro, e durante a hora seguinte conversou com Roosevelt, enquanto andava pelo
quarto nu, a beber a sua bebida, de vez em quando voltando a encher o copo do
presidente. O inspetor Thompson irá escrever que Churchill não teria sequer
pestanejado se a Sra. Roosevelt também tivesse entrado no quarto.”
É inspiradora esta obra, neste
nosso tempo, ao vermos a resiliência de Churchill, temos aqui a esperança e o
exemplo da resistência quando os tiranos nos batem à porta.
De leitura obrigatória, pois.
Mário Beja Santos