Chego em território espanhol e, como combinado, vou direto para a casa de Hércules, um carioca que morava há anos na Espanha e já havia feito de tudo por lá. Em sua aventura como representante, tinha se associado a Roberto, um africano, pastor de igreja, casado com a dominicana Denise - bem sucedida dentista, numa cidade vizinha dalí, Cáceres.
Eles não entendiam absolutamente nada de futebol! A parceria deles era a seguinte: Roberto alugou dois apartamentos vizinhos próximos de sua bela casa. Um morava Hércules e sua família: a mãe Marlene - excelente cozinheira -, a mau-humorada esposa, a recém-nascida, e o gente boa do filhinho, de 3 anos, que só falava portunhol (tinha esquecido o português e ainda não estava alfabetizado em espanhol). Não me lembro seus nomes.
O apartamento ao lado era destinado aos jogadores que viessem, enquanto desempregados. Hércules não conhecia nada nem ninguém, sequer falava espanhol direito. O plano era tentar, na cara (de pau) e na coragem, bater à porta dos clubes e chorar uma vaguinha, um teste.
Gernani, um alagoano que foi tentar a sorte na Espanha, já estava há dois anos por lá, totalmente ilegal. Hércules o encontrou pelas ruas, e o adotou para a família. Quem bancava toda a brincadeira, inclusive as despesas pessoais de Hércules, era Denise que, acreditem, era a única que trabalhava, dentre todos os personagens citados.
Claro que eu só soube deste quadro quando cheguei lá. Morávamos num povoado de 1.000 habitantes, quase todos idosos, o que dava uma sensação de cidade fantasma. Todos se conheciam, éramos famosos lá.
Pois bem, o tempo passa... e nada de testes. E pior, Hércules ainda aliciava mais jogadores para vir, dizendo ter ótimas oportunidades. E foi nesta ilusão que logo depois chegaram Missinho, Fabiano e Rodrigo.
Missinho era atacante, tipo leve e que joga pelas pontas. Tinha seus 29 anos, com passagens por vários times pequenos do Rio, e com algum destaque no Volta Redonda. Me lembrava dele nas figurinhas de álbum. Era um cara muito engraçado e fazia piada de tudo. Cheio de histórias de boleiro. Me divertia muito com ele. Era solteiro e tinha uma filho pequeno no Brasil, morria de saudades dele.
Fabiano era zagueiro, estilo xerifão. Um Fabio Luciano da vida. Com mais de trinta anos, já havia rodado bastante. De Portugal ao sul do país. Era muito religioso e sua noiva, ex-dançarina do Faustão e agora igualmente religiosa, torcia muito por ele. A foto dela andava sempre na carteira. Ele chorava muito por ela, sempre dizia "assim que eu acertar minha vida, casamos e ela vem!"
Rodrigo era o típico garoto mimado. Não queria nada. Fazia tudo de onda. Na verdade, quem queria era seu pai. E ele ia atrás. Jogou, por influência do pai, na base do Vasco e do Flamengo e, segundo dizia "tinha abandonado porque não estava afim". Era zagueiro do tipo namorador, sempre dava mole pro adversário. Tinha uns 25 anos e afirmava que iria levar a sério, porque sabia que não podia perder mais oportunidades.
Já eu, com 18 anos, tinha caído de paraquedas alí... só queria saber de jogar bola. Achava graça de tudo.
Mais uma vez, o tempo passa... e nada de testes. O momento era ruim, pois estava em final de temporada. Os clubes não abrem testes neste período. A esta altura, por razões óbvias, o clima entre os jogadores e Hércules era ruim.
Então, conversamos e decidimos que nós iríamos correr atrás de tudo. Liderados por Fabiano montamos um plano de treinamento diário (manhã e tarde), formamos um time de futebol de salão - Hércules era o goleiro - e começamos a jogar, inicialmente com times do povoado, depois com times dos povoados vizinhos, e logo com outras cidades.
Não perdíamos nunca, e isso foi o maior cartaz.
(Em respeito aos amigos disléxicos, continuo numa próxima postagem (19.2), na qual contarei o destino de todos os personagens envolvidos, inclusive o meu... ah, prometo uma foto de todos)